STF mantém regra de idade para matrícula de crianças; decisão deve barrar ações 02/08/2018
- O Estado de S.Paulo
Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a criança precisa completar 6 anos até o dia 31 de março para ser matriculada no 1.º ano do ensino fundamental no País.
O marco temporal já está previsto em resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), mas era questionado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Pais vinham conseguindo decisões judiciais em todo o País para garantir a matrícula dos filhos fora da data de corte.
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O Ministério da Educação não comentou o julgamento.
Agora que o Supremo deu a palavra final sobre o tema, a controvérsia deve ser pacificada, e o limite será adotado de modo uniforme pelas escolas do Brasil.
Os ministros também mantiveram a exigência de 4 anos completos até 31 de março para ingresso no 1.º ano da educação infantil (pré-escola) – o que também está previsto em regra do CNE.
Além do processo da PGR, apresentado em 2013, a questão foi discutida em ação apresentada pelo governo de Mato Grosso do Sul em 2007.
O Estado buscava firmar a constitucionalidade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que define que o ingresso no ensino fundamental está limitado a crianças com 6 anos completos no início do ano letivo.
Um estudo feito sobre a judicialização da educação básica no Brasil, desenvolvido para o conselho nacional e para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), identificou que a maior parte das ações na área questionava a data de ingresso da criança no fundamental e na pré-escola.
Com diversas resoluções e leis sobre o tema, editadas pelos órgãos estaduais (e mais de uma data de limite), 12 Estados chegaram a ter o corte etário suspenso na Justiça.
“A decisão do STF é importante porque é vinculante para todos os tribunais. Resolve o imbróglio jurídico que perdura há anos”, afirma a especialista em direito constitucional Alessandra Gotti, responsável pelo estudo.
Para ela, além de criar um padrão para todo o território nacional, a decisão também reconhece a importância de se respeitar decisões de órgãos técnicos especializados, como o CNE.
“A decisão dos tribunais somente pelo ponto de vista jurídico não consegue avaliar todos os possíveis impactos da ação. Diversos estudos comprovam o melhor desenvolvimento da criança ao entrar no fundamental apenas aos 6 anos.”
Com placar apertado, o julgamento só foi decidido no último voto, com a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que votou pela data-corte.
Ficaram vencidos os ministros que defendiam a matrícula de crianças que completassem 6 anos em qualquer época do ano.
O julgamento havia sido iniciado em setembro.
Em maio, a análise da questão havia sido interrompida após empate (com oito votos) e pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro Marco Aurélio Mello.
Ontem, ele formou o quinto voto favorável ao modelo atual.
Depois dele, votaram o decano Celso de Mello, contra a resolução, e Cármen, que desempatou o julgamento.
Além de Cármen e Marco Aurélio, se posicionaram pela manutenção do modelo atual os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Já os ministros Celso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Dias Toffoli entenderam que a criança poderia ser matriculada se completasse 6 anos em qualquer período do ano.
REPERCUSSÃO
Os ministros favoráveis ao modelo atual destacaram que poderia haver um problema de vagas no ensino fundamental, caso o STF viesse a mudar a regra.
“A decisão que nós produzirmos aqui vai afetar um universo de 15,4 milhões de pessoas”, comentou Barroso na ocasião.
A maioria dos ministros entendeu que o STF não deve interferir na questão, considerando que a resolução do CNE é baseada em entendimento técnico e específico do assunto.
“Se mudarmos, haverá um ativismo judicial desnecessário do Supremo”, disse Fux.
Para o ministro Marco Aurélio, é necessário manter a organicidade do sistema educacional, não criando riscos.
MOBILIZAÇÃO
Grupos e entidades educacionais se mobilizaram para manter a regra do CNE.
O Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, por exemplo, enviou ofício aos ministros do STF e produziu material informativo.
Rita Coelho, especialista em educação infantil, destaca que a decisão passa a valer para todos os sistemas de ensino do País – municipais, estaduais e particulares.
“Agora, há um entendimento da instância máxima da Justiça sobre essa questão e todos vão se adaptar ao novo corte etário. O sistema educacional não trabalha com ano civil, mas letivo, que deve ser o mesmo em todo o território nacional”, afirma.
Ela também acredita que a decisão deve pacificar ações judiciais individuais, na maioria dos casos contra escolas privadas.
“O pai tem aquela ansiedade de o filho progredir, acha que é muito esperto, acredita que na educação infantil só fica brincando. Temos de respeitar o tempo das crianças.”
CASO LARISSA
Ana Paula Pereira, de 36 anos, conta que a filha Larissa, de 6, estudou metade do 1º ano do ensino fundamental com 5 anos.
Ela só faz aniversário em junho, mas como o Conselho Estadual de Educação paulista define 30 de junho como corte etário, a menina estava dentro do previsto.
De acordo com Ana Paula, a direção do Colégio Santa Maria, na zona sul paulistana, chegou a conversar com a família e oferecer as duas alternativas.
“Deram a opção de refazer um ano, mas disseram que ela estava em um bom ritmo, por isso achei melhor que fosse antes para o 1º ano”, afirma Ana Paula, que diz não ter se arrependido da decisão.
Segundo Sueli Gomes, orientadora do Santa Maria, há vários fatores envolvidos.
“Às vezes, o pai acha que, porque o filho já sabe ler e escrever, deve ir para o 1º ano sem ter idade. Mas às vezes o aluno não tem outras habilidades necessárias, como soltura no relacionamento, na linguagem oral. Se torna um desrespeito à criança.”
Ela observa ainda que na educação infantil são desenvolvidas várias habilidades da criança por meio de brincadeiras e atividades lúdicas.
Já no fundamental, o modelo é diferente, com grade curricular e avaliação.
Em nota, o conselho paulista informou que a decisão do Supremo Tribunal Federal – que unifica as datas no País – será pauta da próxima sessão plenária, “uma vez que o assunto requer ser discutido com cuidado”.