Bancada da bala se articula para crescer nas eleições 06/08/2018
- O ESTADO DE S.PAULO*
Apoiada pela indústria de armas e por associações de atiradores civis, a bancada da bala na Câmara – também formada por parte da Frente Parlamentar da Segurança – quer se expandir além dos 35 deputados que formam hoje seu “núcleo duro” com o reforço de policiais federais e militares que disputarão as eleições.
Há um esforço das associações de classe e, no caso dos militares, um forte movimento em torno da candidatura à Presidência do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ).
Associações de policiais federais já lançaram, por exemplo, 30 candidatos em 18 Estados.
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Nas Forças Armadas, pelo menos 71 militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica são pré-candidatos a vagas no Congresso e no Executivo em 26 unidades da Federação – a exceção é o Acre.
Os policiais militares são outra categoria que deve engrossar esse movimento, mas o número dos que devem disputar o pleito ainda é desconhecido.
Uma das razões é que só PMs com mais de dez anos de serviços podem se licenciar sem ser excluídos do serviço ativo.
Não há uma bancada da bala formal no Congresso. A Câmara dos Deputados reconhece as frentes parlamentares suprapartidárias, organizadas por interesses comuns, e os deputados da bala participam da Frente Parlamentar da Segurança, criada em 2015 por Alberto Fraga (DEM-DF). A frente agrega neste momento 272 deputados.
O que se aponta como Bancada da Bala, no entanto, é um grupo de 18 parlamentares que têm carreira policial ou militar mais 16 deputados eleitos com ajuda financeira de empresas do setor bélico, como a Forja Taurus e Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) – o 35.º é Fraga, que está nos dois grupos. Foram estes os critérios usados pelo Estadão/Broadcast para selecionar o chamado “núcleo duro” da bancada. Todos foram ouvidos pela reportagem.
Há alguns que negam pertencer à bancada e justificam a ajuda financeira de campanha por causa de suas atuações em áreas próximas às plantas das empresas.
Outros admitem fazer parte do grupo, mas consideram a denominação “pejorativa”.
“Prefiro estar na bancada da bala do que estar na bancada da mala, que é a maior da Câmara”, diz o deputado Major Olímpio (PSL-SP), um dos mais atuantes.
“Eu sou a favor da legítima defesa do cidadão de bem”.
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Lista de Deputados
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OBJETIVOS
Os principais objetivos da bancada são a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, para facilitar a posse e o porte de armas, o endurecimento da legislação penal e a defesa de privilégios de policiais.
Embora com forte presença nacional na discussão sobre os rumos do combate à violência, a bancada tem pouco êxito na aprovação de sua agenda.
Dos 112 projetos apresentados sobre armas, a maioria para facilitar a venda e a posse, nenhum foi aprovado nos últimos três anos.
O Estatuto do Desarmamento, principal alvo desde sua criação em 2003, tem resistido às investidas.
Mas pode ser abatido caso seja aprovado o projeto de lei 3.722, de 2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) e que engloba outros 85 projetos.
A expressão legislativa da bancada da bala vai além dos deputados de seu núcleo duro.
Ao todo, 104 dos 513 deputados apresentaram nos últimos três anos projetos de lei ou Propostas de Emenda à Constituição que tratam de mudanças na legislação sobre armas e munições ou dos direitos e privilégios de carreiras policiais.
Em meio às discussões sobre a escalada da violência, mais deputados se posicionam sobre “o direito à autodefesa” (que se traduz no direito de portar arma) e o endurecimento penal.
O Estadão/Broadcast fez um levantamento inédito sobre as propostas que envolvem armas e munições ou direitos de categorias policiais e forças de segurança e começaram a tramitar na Câmara dos Deputados na atual legislatura.
Desde 2015, foram apresentados 341 projetos que atendem os interesses da bancada da bala. A maior parte (221) trata dos direitos e benefícios das carreiras de policiais e bombeiros.
Já os projetos sobre armamento foram 112, sendo a maioria para alterar o Estatuto do Desarmamento, flexibilizando o comércio e o porte de armas.
Quando o assunto são os direitos e privilégios das carreiras policiais, o monopólio da bancada da bala é ainda maior.
Os 221 projetos com essa temática desde 2015 têm 64 autores, sendo 23 da bancada da bala propriamente dita. Ao todo, esses 23 políticos foram responsáveis por 170 projetos do total (77%) nessa área.
A reportagem focou nessas duas áreas – armamento e questões policiais – para analisar a atuação do núcleo principal da bancada da bala.
Mas o Instituto Sou da Paz mostrou recentemente que a maioria dos projetos sobre segurança e Justiça criminal no Congresso trata, principalmente, de criminalização e aumento de pena.
Segundo a entidade, foram 463 projetos de lei sobre o assunto só em 2016, na Câmara. Desses, em primeiro lugar, com 16,4% (ou 76 projetos), aparecem os projetos que buscam criminalizar condutas.
Na segunda posição, 15,3% das propostas (71 projetos), estão as sugestões para aumentar a pena de um crime já previsto em lei.
PEC
Quanto às Propostas de Emenda á Constituição, o Sou da Paz considerou 116 propostas na Câmara, em 2016. Dessas, a maior parte (33,3%) tratava de questões relacionadas a interesses corporativos. Outras 20,83% PECs são sobre processo penal.
“O que você vê é um aumento significativo de parlamentares, ao longo dos anos, eleitos, cuja profissão é relativa a carreiras policiais. Há aumento contínuo nas últimas quatro eleições”, disse o coordenador de Relações Institucionais do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli.
Dentro do lobby da bala, três grupos de pressão atuam diretamente na bancada – as empresas de armas e munições, os clubes de atiradores e as associações de classe.
Ainda que tenham interesses em comum, nem sempre os focos da indústria de armamentos e os dos atiradores são os mesmos.
Recentemente, os representantes dos atiradores entraram em conflito com a indústria por causa de um relatório que os obrigava a utilizar somente munições novas nos clubes de tiro.
A Taurus e a CBC têm o domínio da fabricação de armas e munições no Brasil e fazem parte do mesmo grupo empresarial.
Juntas, contribuíram em 2014 com R$ 899 mil para as campanhas de 17 deputados federais eleitos.
Naquele ano, a CBC comprou a Taurus, que tinha problemas financeiros.
Desde então, a CBC tem o monopólio da fabricação de munições e a Taurus controla o mercado de armas.
Juntas, são representadas pela Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), entidade que também tem participação da Rossi, especializada na fabricação de armas de pressão.
A indústria das armas têm contato direto e frequente com os parlamentares.
A Aniam promove mensalmente um almoço em Brasília para a bancada. São convidados os deputados da bancada da bala e outros que tenham interesse em conversar com o setor.
Quem faz o contato direto com os parlamentares é o presidente da associação, Salesio Nuhs, também presidente da Taurus e vice-presidente comercial e de relações institucionais da CBC.
Salesio comparece a eventos do governo e se reúne como ministros e secretários. Desde 2016, foi recebido sete vezes no Ministério da Defesa.
Sua última aparição foi em 27 de fevereiro na posse do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.
Pouco depois, Taurus e CBC anunciaram a doação de 100 fuzis e 100 mil munições para o Exército, como ajuda à intervenção no Rio.
Nem todos os candidatos da Bancada da Bala defendem os interesses da indústria. Há um racha.
De um lado estão os deputados próximos da Taurus/CBC como Alberto Fraga, autor do maior número de projetos sobre armas e munições nesta legislatura, com 14 propostas.
Do outro, os parlamentares que questionam o domínio das empresas no País. O deputado Major Olímpio, autor de sete projetos, é o mais ativo nesta causa.
JABUTI
Um dos exemplos da atuação da indústria aconteceu em 2015, quando o lobby tentou incluir em uma Medida Provisória um artigo que proibia a importação de armas e munições, exceto pelo Exército e pelas “fabricantes de armas e munições”.
“Ele (Salesio Nuhs) estava botando um jabuti (no texto) para favorecer a empresa dele, dava o monopólio da importação de armas para a Taurus”, disse o Major Olímpio.
“É o último dos monopólios no nosso País.”
O artigo que favorecia a Taurus acabou retirado.
A reportagem procurou Nuhs, mas ele não se manifestou.
Outro lobby forte junto à bancada da bala é das associações de atiradores civis, os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).
Os interesses destas associações são defendidos pela Associação Brasileira de Atiradores Civis (Abate), com 180 mil membros, entre ativos e inativos.
Ao contrário da indústria, eles não financiam os deputados com doações eleitorais, mas fazem campanha pelos parlamentares que os ajudam.
“É uma via de mão dupla. Se for o caso de a gente acreditar na pessoa, nós apoiamos e somos apoiados”, diz o presidente da Abate, Arnaldo Adasz.
Assim como a Aniam, a associação da indústria de armas, a Abate tem cadeira no Conselho Consultivo do Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército e trânsito com alguns dos principais deputados da bancada da bala.
Esse conselho tem a função de prestar “assessoramento setorial” em decisões sobre fiscalização de produtos como armas e munições no País.
“Sempre vai ter (deputados simpáticos à indústria). Isso é muito mais ideológico, Não é compra (de deputado), não. Se você tem dentro do seu coração essa convicção de que: ‘tenho que proteger minha vida e não tenho um estado que me ajude’, isso é ideológico”, diz a deputada Cátia Vasconcelos.
LOBISTA DA ANIAM
“Nós somos o primo pobre dos lobistas porque não temos verba, mas a gente marca audiência com os deputados, expõe problemas, levanta debates”, disse Adasz.
A relação da Abate com os parlamentares é tão próxima que seis deputados federais são membros da associação: Alexandre Leite (DEM-SP), Onyx Lorenzoni (DEM-RS), Jair Bolsonaro (PSL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Major Olímpio (PSL-SP) e Rafael Motta (PSB-RN).
O major Olímpio frequenta o clube de tiro do empresário Leonardo Melo, na zona norte de São Paulo, onde atira até com submetralhadora.
“Tenho 1,3 mil sócios”, diz Melo.
“A recarga de munição e o porte de arma são duas de nossas grandes preocupações.”
RECARGA
Por isso, parte da energia da Abate está voltada para impedir a barra o projeto que proíbe a recarga de cápsulas, prática comum entre os atiradores esportivos.
“Ia acabar com tiro desportivo no Brasil. A gente não consegue atirar comprando munição da CBC a R$ 10 ou R$ 12. Cada cartucho, a gente carrega por R$ 1,20 e R$ 1,30. A instrução de tiro, até nas polícias, só existe por causa da recarga.”
Os capitães Augusto e Bolsonaro: interesses corporativos pautam a bancada.
Mas a maior conquista deles é de 2017, quando o Comando Logístico (Colog) do Exército publicou a portaria permitindo porte de arma para os atiradores civis com Certificado de Registro (CR) no trajeto de casa para os clubes.
Apesar de ter sido uma decisão das Forças Armadas, a mudança contou com ajuda de deputados.
“Em uma audiência com o general Ivan Neiva Filho expus a fundamentação jurídica do porte de armas dos atiradores. A partir daí saiu a portaria”, disse Adasz.
OS OBJETIVOS
- Revogar o Estatuto do Desarmamento por meio do projeto do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), que está pronto para ir ao plenário.
0 Permitir a qualquer cidadão ter arma para sua defesa pessoal e de sua família por meio de projeto que está pronto para ser votado na Comissão de Segurança Pública.
- Reduzir a maioridade penal para 16 anos ou apenas para menores de 16 anos que cometem crimes violentos.
- Permitir a recarga de munição (clubes de tiro); proibir recarga (indústria).
- Piso salarial nacional para as carreiras integrantes da Segurança Pública.
NÚMEROS
- Tramitam no Congresso 341 projetos que defendem interesses da bancada.
- São 180 mil os membros da Associação Brasileira de Atiradores Civis.
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*Adriana Fernandes, Idiana Tomazelli, Marcelo Godoy, Pablo Pereira, Renan Truffi e Renata Agostini.