A campanha está com a profundidade de um lava-pé 15/09/2018
- Cilene Pereira - ISTOÉ:
O economista Gil Castello Branco desempenhou diversas funções públicas na administração federal, com passagens pelos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, dos Transportes, dos Esportes e das Comunicações.
Hoje é o secretário-geral da Associação Contas Abertas, respeitada entidade voltada ao estímulo da transparência e ao acesso à informação das contas públicas.
Aos 66 anos, é um dos poucos a conhecer tão bem a máquina que controla e sufoca o País.
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Por isso, diz com convicção que qualquer um que seja eleito para presidente do Brasil terá de promover as reformas necessárias e ajustar os gastos.
Caso contrário, o Estado entrará em colapso.
“O Brasil vai ficar ingovernável”, disse.
O problema, na sua opinião, é que até agora nenhum dos candidatos ao Palácio do Planalto discute a questão com a seriedade merecida.
“A primeira derrotada em disputas eleitorais acirradas é a verdade”, disse ele nesta entrevista à ISTOÉ.
O que acha das propostas dos candidatos à presidência sobre emprego e recuperação econômica?
— A campanha eleitoral está com a profundidade de um lava-pé. Na realidade, não são programas de governo e, sim, meras diretrizes e chavões, além de promessas eleitoreiras.
Sem equacionar a grave situação fiscal no governo federal e nos estados, não haverá avanços no desenvolvimento econômico e social.
Os candidatos deveriam estar debatendo como criar condições macroeconômicas para o País sair da crise, de forma a que seja possível gerar empregos e soluções para os problemas relacionados à saúde, educação e segurança.
No entanto, debater com clareza os problemas e as medidas necessárias aparentemente não dá votos.
A primeira derrotada em disputas eleitorais acirradas é a verdade.
E as reformas Trabalhista, Tributária e Previdênciária?
— Dentre os seis candidatos (Alvaro Dias, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro e a Marina Silva), que foram ao debate na Confederação Nacional da Indústria, cinco defenderam alterações previdenciárias e três pretendem revisar a Reforma Trabalhista.
Há também concordância sobre os problemas gerados pelo irracional sistema tributário.
A importância dessas reformas é indiscutível.
As propostas, porém, não são detalhadas suficientemente para uma avaliação aprofundada daquilo que cada candidato imagina.
O debate sobre o ajuste fiscal está no campo eleitoreiro?
— Exatamente. Um debate sério deveria esmiuçar as propostas a partir da grave crise fiscal.
Sem o reequilíbrio das contas públicas, o País se tornará ingovernável e a administração pública entrará em colapso, seja qual for o governante eleito.
Ingovernável?
— Sim. Estamos perdendo a oportunidade de realizar um ajuste gradativo das contas públicas.
O déficit primário é de cerca de 2% do PIB e a dívida está próxima de 80% do PIB.
As despesas obrigatórias continuam crescendo e o cumprimento da regra do teto de gastos em 2019 exigirá a redução ainda maior das despesas discricionárias em um montante próximo dos R$ 100 bilhões.
Em 2017, quando o gasto discricionário se aproximou de R$ 102 bilhões, houve risco de paralisação de atividades do governo, como a emissão de passaportes e a redução das fiscalizações ambientais.
Se nada for feito em relação à Previdência e se não surgirem novas receitas atípicas, os gastos obrigatórios da União, que hoje representam 91%, irão consumir 98% da despesa primária, o que significará o colapso do Estado, que não conseguirá prestar sequer os serviços públicos de má qualidade hoje oferecidos.
Que reforma são mais urgentes?
— O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro.
Destaco a necessidade da Reforma da Previdência, que contempla dois problemas fundamentais.
O primeiro é a desigualdade.
O País precisa de uma regra única.
Alguns se aposentam com pouco mais de 50 anos de idade, recebendo mais de R$ 20 mil por mês e acumulando pensão e aposentadoria, enquanto outros recebem um salário mínimo de benefício.
A reforma precisa atingir a todos, incluindo os funcionários públicos, privados e os militares.
O segundo problema é a sustentabilidade.
O Brasil está envelhecendo e gasta-se de 13% a 14% do PIB com a previdência, percentuais semelhantes ao da Alemanha, onde a população já envelheceu.
O presidente eleito conseguirá promover mudanças?
— Para qualquer um que for eleito, o problema central será a convivência com o Congresso Nacional, em função do clima político exacerbado que gera um Fla-Flu a cada debate.
O consenso é quase impossível.
A discussão das reformas envolve a redução de privilégios e não é popular.
No Brasil, privilégio é uma vantagem que os outros usufruem.
Nos casos pessoais, são sempre direitos adquiridos.
Quais as medidas imprescindíveis para o País crescer?
— Elas estão relacionadas ao aumento da receita, à redução das despesas e a iniciativas mistas.
Pelo lado da receita, o aumento de impostos é uma opção aritmética, mas terá forte rejeição por parte da sociedade.
A redução dos subsídios e das isenções fiscais são outras alternativas, mas por trás de cada um desses benefícios há CNPJ's e grupos econômicos fortes que não estão dispostos a abrir mão das vantagens que usufruem.
As privatizações também poderão gerar receitas, mas terão de ser discutidas, caso a caso, no Congresso Nacional.
E em relação à redução das despesas?
— A primeira providência é fazer com que, em alguns segmentos — como previdência e pessoal — , elas parem de aumentar em percentuais acima da inflação.
As dificuldades também estarão presentes, sobretudo quando se observa que pressões por reajustes partem até mesmo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O que acha do pedido de reajuste salarial feito por eles?
— É irresponsável e injusto. A irresponsabilidade decorre da grave situação fiscal do país.
O aumento dos salários dos ministros do STF afetará as remunerações dos juízes, desembargadores, promotores, procuradores, conselheiros e ministros dos Tribunais de Contas.
Ademais, como o salário máximo de referência aumentará, muitos servidores dos Três Poderes que tinham as suas remunerações reduzidas pelo “abate-teto”, no nível de R$ 33.763,00, poderão ultrapassar esse valor até o novo limite de R$ 39.293,38.
Além disso, como os salários dos chefes do Poder Judiciário serão majorados, é provável que os chefes dos outros Poderes reivindiquem a equiparação, o que elevaria os salários de deputados, senadores, Presidente da República, ministros, com efeitos também nos Estados e nos municípios.
Quanto à injustiça, não vejo sentido no aumento dos maiores salários do setor público quando existem cerca de 13 milhões de desempregados e os trabalhadores da iniciativa privada tentam, a duras penas, manter seus empregos.
O que justifica o aumento da miséria e da mortalidade infantil nos últimos anos?
— Falta gestão e vontade política.
O país gastou R$ 8,3 bilhões com a construção de “elefantes de concreto” para a Copa de 2014. O Congresso Nacional custa R$ 28 milhões/dia.
Um deputado federal pode ter até 25 servidores.
Mas há absurdos maiores.
O senador Hélio José (PROS-DF) atingiu a marca de 100 funcionários, todos pagos pelos contribuintes.
A folha de salários dos 91 funcionários em cargos de confiança do senador custou aos cofres públicos, em julho, R$ 477,3 mil, sem contar outros cinco funcionários efetivos do Senado que trabalham sob o seu comando (mais R$ 170,4 mil por mês) e quatro funcionários terceirizados, dois copeiros e dois contínuos.
Tudo somado, a União desembolsa R$ 700 mil por mês para manter os funcionários do senador.
Há muito o que cortar para não agravar a mortalidade infantil e a miséria.
Qual é o saldo de quatro anos da Operação Lava Jato?
— Sua principal contribuição foi alterar a percepção de risco por parte do corrupto.
Até há pouco tempo, na sua ótica, o ganho era enorme e o risco, mínimo.
De alguns anos para cá, na equação da corrupção a variável “risco” passou a ter um peso maior.
Mas, quando a selva pega fogo, os bichos se unem.
O que o senhor quer dizer?
— Com a lerdeza da Justiça e a perspectiva da mudança de interpretação sobre a prisão a partir da condenação em 2ª instância, voltaremos à estaca zero.
No Brasil, lamentavelmente, os investigados podem designar os seus investigadores e aprovar leis que os protegem.
O procurador do MP de Contas junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, cunhou uma frase contundente:
“A corrupção que comanda o Brasil sobrevive da certeza da impunidade, baseada em três pilares: foro privilegiado, prescrição e visão de mundo de Gilmar Mendes, Dias Toffolli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello (ministros do STF).
Eles parecem sofrer quando um corrupto é preso.
O STF hoje faz parte do problema, não da solução."
Do que se trata o Projeto Unidos Contra a Corrupção?
— A sociedade pode muito mais do que ela imagina, notadamente no combate à corrupção.
O projeto, coordenado pela Transparência Internacional e pela Fundação Getúlio Vargas, foi construído com a colaboração de 373 instituições consultadas e quase 200 especialistas.
A Contas Abertas participou do desenvolvimento das propostas e integra a coalizão de entidades que divulga as 70 medidas contra a corrupção.
Quais as principais?
— Entre outras propostas, estão a redução do foro privilegiado de 55 mil para apenas 16 cargos, a alteração da forma de indicação de ministros do STF e dos tribunais de contas, a exigência de ficha-limpa para os cargos públicos e a transparência dos partidos políticos.
O eleitor pode se cadastrar e apoiar o movimento.
Além disso, a campanha Unidos Contra a Corrupção lançou no site unidoscontraacorrupcao.org.br informações sobre os candidatos que se registraram: passado limpo; compromisso com a democracia e adesão às 70 medidas contra a corrupção.
E os Vigilantes da Gestão?
— São como beija-flores, com a água no bico tentando apagar o incêndio da floresta.
O coordenador do grupo, Sir Carvalho, faz um trabalho excepcional.
São indivíduos não governamentais que, sem escritórios, CNPJs, secretárias e verbas públicas, acompanham a gestão municipal.
Já são cerca de 1,4 mil cidadãos.
No site vigilantesdagestao.org.br há orientações sobre como construir e apresentar denúncias, guias para fiscalização municipal e modelos de requerimentos.