Como Bolsonaro, Marina e Daciolo se tornaram evangélicos, que somam um quarto do eleitorado 17/09/2018
- MARCELO REMIGIO - ÉPOCA
Um em cada quatro eleitores brasileiros se diz evangélico. Se a eleição se restringisse ao grupo, o segundo turno hoje seria disputado entre Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), com os dois candidatos com percentuais de voto acima do que obtêm na média dos eleitores.
Entre os evangélicos, Bolsonaro salta de 22% para 29% das intenções de voto; Marina passa de 12% para 15%, informa o Ibope.
Nesse segmento, Cabo Daciolo (Patriota) consegue 1% das menções, mas é um candidato sem apoiadores entre os eleitores de outras religiões.
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A prevalência de Bolsonaro e Marina e o conhecimento do nome de Daciolo se explicam porque são os candidatos mais afinados com as propostas e os grupos evangélicos.
Marina e Daciolo se declaram evangélicos, ambos de conversão tardia; Bolsonaro ainda se diz católico, mas casou com uma evangélica e passou por um batismo que usa para se aproximar deles.
Antes de começar a campanha presidencial e iniciar viagens quase diárias pelo país, Bolsonaro foi batizado na igreja Assembleia de Deus e mantinha uma rotina de cultos e celebrações evangélicas nos fins de semana ao lado de sua mulher, Michelle, fiel da Igreja Batista Atitude.
Sua conversão é questionada por adversários e pastores de algumas denominações religiosas.
Em 2016, o presidenciável do PSL postou nas redes sociais um vídeo em que é batizado nas águas do Rio Jordão, em Israel, pelo ex-aliado Pastor Everaldo, candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro e presidente nacional do PSC.
“Acredito que Jesus é o filho de Deus, que morreu na cruz, que ressuscitou, que está vivo para sempre e é o salvador da humanidade”, afirmou o deputado federal durante o batismo.
Bolsonaro, então filiado ao PSC, passou a estreitar as relações com as igrejas pentecostais e neopentecostais pelo país.
Para o Pastor Everaldo, Bolsonaro aceitou Jesus, embora não diga em público ser fiel de determinada igreja evangélica.
“Se ele disse que acredita em Jesus, que ele ressuscitou, que está vivo e é o salvador da humanidade, por que não?”, indagou o presidente do PSC.
Disse que foi procurado em Israel por Bolsonaro e uma comitiva com oito pessoas, entre eles os três filhos e alguns assessores parlamentares: “Eles pediram para ser batizados no Rio Jordão”.
Bolsonaro, por meio de sua assessoria, conta outra versão.
Afirmou que foi o próprio Pastor Everaldo que o convidou para ser batizado.
De acordo com fontes da campanha do presidenciável, o PSC defenderia que a imagem do presidenciável nas águas do Rio Jordão reforçaria seu apelo ao voto evangélico.
O presidenciável do PSL, no entanto, registrou-se no TSE como católico, mas declara ter trabalho rotineiro em igrejas evangélicas.
Bolsonaro se aproximou do voto evangélico por meio de uma pauta conservadora na qual combate o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Passou a frequentar eventos evangélicos públicos, como a Marcha para Jesus, promovida pela Igreja Renascer em Cristo.
Aproximou-se de líderes políticos evangélicos, entre eles o senador Magno Malta (PR-ES), que chegou a ser cogitado para ocupar a vaga de vice em sua chapa candidata ao Palácio do Planalto.
Também estreitou sua ligação com o deputado e pastor Marco Feliciano (Podemos-SP), um dos defensores da “cura gay”.
Para a socióloga Christina Vital, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), o batismo de Bolsonaro foi além de uma conversão evangélica.
“Certamente é uma tentativa de tornar ambígua sua identidade religiosa. Ele se apresenta como católico, mas é casado com evangélica e foi batizado nas águas do Rio Jordão. Diz que sua candidatura só pode ser ‘uma missão divina’, porque ele era ‘insignificante’ e ganhou essa notoriedade. E não sou eu que estou afirmando. Ele mesmo o disse em sabatina em um programa televisivo”, afirmou a pesquisadora.
Marina Silva e Cabo Daciolo têm experiências distintas com a religião evangélica, mas ambos contam que chegaram até a conversão por meio do sofrimento.
Interpretando o que chamam de “aceitar Jesus” como uma mudança radical no comando de sua vida, afirmaram que o sofrimento é uma espécie de sinal de alerta para rever hábitos e se aproximar do divino.
Tanto Marina, com origens na Igreja Católica — chegou a sonhar em ser freira —, quanto Daciolo, que tinha como referência religiosa o espiritismo até então seguido pelos pais, enfrentaram graves problemas de saúde.
Ambos comungam da mesma hipótese quando indagados sobre as razões da conversão: as doenças fizeram a fé ressurgir.
Em seus testemunhos nos muitos púlpitos em que pregou e ainda prega como missionária da Assembleia de Deus desde 2004, a presidenciável da Rede lembrou que, debilitada, foi em busca de uma bênção na esperança de cura.
Em 1995, com sérios problemas de saúde decorrentes de cinco malárias, três hepatites, uma leishmaniose e uma contaminação grave por metais pesados, procurou tratamento para as doenças no Brasil, nos Estados Unidos e no Chile.
Sem sucesso, já quase sem poder ficar em pé, aceitou a sugestão de seu médico para conversar com o pastor André Salles, um jovem religioso a quem evangélicos atribuem o dom da revelação.
Contrariada com o médico, que afirmava que a ex-senadora precisava à época de um milagre — Marina esperava uma reação científica, e não religiosa, por parte do profissional, conforme ressaltou em seus testemunhos —, a ex-senadora se encontrou com Salles em uma igreja no Gama, cidade-satélite de Brasília.
Depois de muitas revelações, com indicações de adversários que poderiam colocar sua vida em xeque, a ex-senadora se converteu.
Tempos depois, na fila dos enfermos que frequentava todas as semanas na esperança de cura, Marina teve uma visão.
Pôde ver o nome de um remédio que poderia curá-la da contaminação por mercúrio.
O medicamento, produzido nos Estados Unidos, havia sido rejeitado por seus médicos, em razão da fragilidade de seu corpo.
A presidenciável assumiu o risco, e, depois do uso da substância, foi possível identificar que a contaminação por mercúrio havia caído para níveis tidos como aceitáveis pela Organização Mundial da Saúde.
“Eu era um vaso quebrado, pelo qual Deus pagou o preço dobrado. Um pagamento adiantado para receber o vaso muitos anos depois, todo quebrado, para ele mesmo consertar. Eu fui atrás da bênção de Deus e encontrei o Deus da bênção”, afirmou a ex-senadora Marina Silva ao apresentar seu testemunho de conversão aos irmãos evangélicos.
Também enfrentando problemas de saúde, o deputado federal Cabo Daciolo contou que seu processo de conversão começou com sua mãe, ainda em 1997, que passou a frequentar uma igreja evangélica. Em um dia chuvoso, ao buscar sua mãe, ex-espírita, num culto, aceitou o convite para aguardar o fim da celebração dentro da igreja.
Em vídeos postados na internet, uma de suas armas para a evangelização, e em pregações nos púlpitos das igrejas, Daciolo conta que ouviu do pastor revelações de sua vida.
O religioso falou de relacionamentos amorosos do presidenciável, que eram mantidos em segredo, e de sua vida de farras.
Daciolo enfrentou então problemas intestinais que se estenderam por dois meses e tornaram-se crônicos.
“Antes de conhecer Jesus, eu era muito mulherengo, gostava de uma cerveja, gostava de uma caipirinha. Era muito mulherengo. Tinha uma namorada e, ao mesmo tempo, tinha outras pessoas. (...) Eu demorei sete anos para aceitar Jesus como salvador e libertador”, contou Daciolo.
Os muitos exames em busca da razão para a doença de Daciolo levaram o presidenciável a questionar o poder de Deus.
Ao lembrar as palavras ouvidas do pastor em 1997, de que uma missão lhe estava reservada, o futuro deputado se recolheu num monte e pediu a cura.
Dois dias depois, contou o parlamentar, estava recuperado.
A prática de se recolher em um monte, no bairro de Campo Grande, Zona Oeste do Rio, é mantida até hoje, tendo se repetido no mês passado, quando abandonou por alguns dias a campanha de rua.
Sem ter a imagem vinculada a uma igreja neopentecostal específica, Daciolo ficou conhecido por organizar cultos no Congresso, andar com a Bíblia nas mãos por onde passa em Brasília e começar e encerrar seus discursos no plenário da Câmara com a frase: “Glória a Deus!”.
Autor da polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para atualizar o Artigo 1º da Constituição Brasileira, substituindo a frase “Todo o poder emana do povo” por “Todo o poder emana de Deus”, o deputado acabou expulso do PSOL, partido pelo qual foi eleito, após sugerir a mudança.
O presidenciável afirma em suas pregações que não fala apenas aos evangélicos, mas também aos católicos, espíritas, umbandistas e candomblecistas.
Enfatiza que abandonou a vida de farras e de traições conjugais e prega a valorização da família, discurso abraçado pelo eleitorado mais conservador, independentemente da denominação religiosa.
Apesar de a maioria do país definir-se como católica, a estimativa de demógrafos indica que os evangélicos tendem a se tornar maioria no país a partir de 2040.
Na história da República, entre os 36 governantes do país desde o final do século XIX até hoje, o país teve dois presidentes protestantes: João Fernandes Campos Café Filho, que governou o país entre os anos de 1954 e 1955; e Ernesto Geisel, que governou entre 1974 e 1979.
Como Café Filho assumiu o governo com o suicídio de Getulio Vargas em 1954 e Geisel governou na ditadura militar, o Brasil nunca elegeu um presidente evangélico.
Os protestantes são de ramo evangélico tradicional, ligados na origem à divisão entre católicos e luteranos, surgidos a partir do rompimento do teólogo alemão Martinho Lutero com a Igreja Católica no século XVI.
As diversas igrejas evangélicas são praticamente todas as correntes nascidas dessa divisão, mas se distanciam de luteranos em razão da doutrina pentecostal: a exacerbação dos poderes sobrenaturais do Espírito Santo.
A palavra pentecostalismo vem de uma passagem da Bíblia que diz que, num dia de Pentecostes — a Páscoa judaica —, o Espírito Santo desceu aos apóstolos e começou a operar milagres.
As igrejas evangélicas mais tradicionais, como a Assembleia de Deus, a Batista e a Adventista, são tidas como pentecostais.
As igrejas de surgimento mais recente, como a Universal, a Mundial e a Renascer em Cristo, são chamadas de neopentecostais.
Estas se caracterizam por exorcismos e inovações como hinos com ritmos musicais populares, a forte utilização do rádio e regras de comportamento menos duras, ingredientes indispensáveis para um “evangelismo de massas”.
Na mesma velocidade em que cresce a população evangélica, ganham corpo a bancada de igrejas pentecostais e neopentecostais no Congresso Nacional e a influência de pastores sobre os eleitores, movimento chamado por cientistas políticos que estudam a relação da religião com a política de “voto do cajado”.
Trata-se de uma alusão ao “voto de cabresto” dos antigos coronéis nordestinos, ao cajado do personagem bíblico Moisés e de pastores de ovelhas, relacionados aos religiosos que comandam rebanhos de fiéis.
Cientista político, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Homero Costa alertou sobre a possibilidade cada vez maior de manipulação do voto:
“É fato que as igrejas evangélicas têm líderes carismáticos, capazes de mobilizar muitos fiéis em favor de um candidato e a possibilidade de manipulação, ou seja, os eleitores evangélicos estão sujeitos a influências na escolha de candidatos. E não depende de filiação partidária. Como está amplamente demonstrado, o voto em partido é um percentual inexpressivo. Vota-se em pessoas, e há outros determinantes como recursos para as campanhas, marketing etc.”.
Para Christina Vital, o voto de cajado é a tentativa de alguns líderes evangélicos de orientar ideologicamente os fiéis.
“Trabalham indicando candidatos, apresentando-os nas igrejas, muitas vezes não como candidato, mas como um colaborador daquele coletivo. Em recente evento, uma grande denominação chamou um político para falar sobre cidadania. Era uma palestra, e o político aparecia como um especialista no tema. A jogada é de mestre, porque os fiéis vão às igrejas para se orientar emocional, psicológica e espiritualmente. Não para falar sobre política. Muitos são reativos a isso. Mas alguns pastores, sob orientação dos líderes de algumas denominações, levam políticos para ser apresentados das mais variadas formas na igreja. E com isso vão ‘acostumando’ os fiéis com aquele nome e depois soltam, como quem não quer nada, que aquele ‘especialista’ é um candidato. E assim vai”, explicou.
Vital apontou que já existe uma parcela significativa de evangélicos progressistas.
“Há muitos jovens e nem tão jovens assim que atuam dessa forma, entendendo que a Bíblia os estimula a esta participação em prol da sociedade e dos mais fracos. Esse perfil de evangélicos vem crescendo na política e ganhando visibilidade na sociedade”, avaliou.