Luiz Pretti, CEO da Cargill, fala sobre os planos e os desafios da companhia 02/10/2018
- VERA ONDEI - ISTOÉ
O presidente da Cargill no Brasil, Luiz Pretti, 59 anos, é um executivo cauteloso. Raramente se excede, embora jamais deixe uma pergunta sem resposta.
A voz de uma das maiores companhias globais de alimentos, com receita de US$ 110 bilhões no ano passado, sabe que todo passo dado pela empresa tem repercussão no mercado.
Mas, nos últimos tempos, Pretti tem quebrado essa regra de ouro na companhia. Não por acaso, a Cargill foi a primeira multinacional a se colocar publicamente contra o tabelamento do frete, após a greve dos caminhoneiros em maio.
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“O Brasil não está fácil”, diz ele. “Se nos perguntam sobre investimentos, pela primeira vez não temos respostas.”
A declaração foi dada poucos dias antes do anúncio de investimentos da ordem de R$ 550 milhões na construção de uma nova fábrica no Brasil.
Também se especula que a Cargill poderia comprar unidades de processamento de grãos da brasileira Granol, que atua na área de óleos, farelos e biodiesel.
Em entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL, ele fala sobre a posição da companhia no Brasil e no mundo, seus próximos passos e como ela vem se organizando em uma nova ordem econômica mundial, pautada pelo protecionismo. Confira:
Por que, contra o tabelamento do frete após a greve dos caminhoneiros, a Cargill saiu para a briga antes de outras empresas do setor?
– A Cargill precisava se posicionar. A empresa é quase brasileira, está aqui há 53 anos e tem muitos investimentos no País. Na greve, as empresas e a população ficaram reféns de uma situação. Fomos pegos de surpresa, foram dias caóticos.
Normalmente, nesse tipo de questão, a Cargill se posiciona através de instituições, como Abag, Abiove, Anec, Abia, Fiesp. Mas, no tabelamento de frete, a solução encontrada é tão sem nexo que não vimos outra alternativa.
Concordar com ela significa que estamos perdendo a livre concorrência e estimulando um cartel. Vem logo aí pela frente uma superssafra e está todo mundo inseguro.
Além disso, com essa guerra comercial entre os americanos e os chineses, a Cargill fica ainda mais decepcionada com o cenário. Porque quando se começa a colocar uma barreira aqui, outra ali, isso é ruim para o crescimento mundial.
Mas o Brasil está surfando uma onda de bons preços por causa dessa guerra comercial.
– Mas isso é muito pequeno. Tenho certeza que ela não vai continuar. Porque uma hora os chineses vão se acertar com o governo Donald Trump, como vai acontecer com os europeus e mesmo com o Brasil. Mas o País, infelizmente, é uma parte muito pequena do comércio mundial. A guerra pode ser boa, no curto prazo para a soja brasileira, mas acho que vai ser ruim para todo mundo. É um momento difícil.
A Cargill sempre mostrou que os seus investimentos não dependem de governo. No Brasil, eles são quase R$ 1 bilhão por ano. Como ficam as apostas no País?
– Sim, os investimentos no Brasil são de muito longo prazo. Mas confesso que devido ao cenário atual, dessa incerteza e da polarização de atitudes – que para nós é uma quebra de regras –, se nos perguntam sobre investimentos, pela primeira vez não temos respostas.
Nunca dissemos isso a ninguém, falo isso pela primeira vez. Temos um ambiente de incertezas que me deixa, como executivo, incomodado em levar projetos para nossos líderes globais. E olha que temos uma total autonomia como liderança local, porque a direção da Cargill acredita nas nossas práticas.
Então as torneiras estão fechadas?
– O Brasil não está fácil, mas os investimentos em andamento continuam. Isso não dá para parar. Ainda neste ano, por exemplo, estamos prestes a fazer um investimento de cerca de R$ 500 milhões. No País, a Cargill investiu quase R$ 5 bilhões nos últimos sete anos, em portos, transbordos, armazéns e fábricas.
O movimento de concentração de grandes empresas do setor e de tradings não atrai a Cargill?
– A gente torce para que ele avance, porque seria bom para o setor. Mas a Cargill não fará parte desse movimento porque ela já é muito grande. Teríamos problemas com o antitruste no mundo inteiro.
Mas vamos supor que a ADM venha a se fundir com a Bunge, ou com Glencore, como já foi anunciado em vários canais, e eles precisem vender ativos para terceiros. A gente poderia entrar em um negócio como esse, em pequenos investimentos porque temos condições para isso.
A Cargill é uma empresa de 153 anos, familiar e muito conservadora, onde os controladores reinvestem 80% dos ganhos no negócio. E a gente gosta de concorrência porque ela é boa para a empresa.
Que conselho o sr. daria para as empresas do agronegócio, em função do atual ambiente político e econômico tão conturbado?
– A Cargill opera em 70 países. No Brasil, somos a maior empresa americana, com faturamos de R$ 36 bilhões e dez mil funcionários, em 80 municípios. Estamos entre os cinco maiores exportadores. E não somos somente trading.
Temos 23 fábricas, seis portos, um banco. Atuamos nos mercados de grãos, óleos, chocolate, amidos e adoçantes, atomatados e açúcar. Estamos investindo na unidade de Uberlândia (MG), para que ela economize 30% da água que hoje necessita.
Alimento é para ser produzido de forma segura e sustentável. Eu diria para as empresas que elas sigam em frente e não se desviem do caminho. Todos os dias, a gente ouve sobre escândalos no País. Nós também somos alvo.
Em Santarém (PA), levamos dez anos para conseguir a licença ambiental para a construção do nosso sistema portuário. Depois, nos projetos seguintes, o processo foi mais rápido porque criamos fama: sabem que com a gente não tem acordo. Fazer as coisas direito dá mais trabalho, é mais caro, mas é o jeito certo e é como fazemos.
Como o sr. vê o cenário para a safra que começa a ser plantada daqui a pouco?
– O produtor brasileiro é um herói porque também trabalha em um cenário de muitas incertezas. Como trading, temos um papel muito importante no financiamento e na armazenagem.
A empresa é destaque nessa cadeia, mas no fim das contas é o produtor e o consumidor final que seguram o setor.
Os grandes produtores, com os quais nos relacionamos, não vão mudar de estratégias porque possuem um ativo que é a terra e ele precisa ser remunerado. Eles estão numa escalada e não vão parar.
Essa disposição maior para o risco já está associada à ideia de que o Brasil é o celeiro do mundo e assim precisa produzir a qualquer custo?
– Tem total influência. Há um dado muito significativo nessa história. Em 1990, a produção brasileira de grãos era de 50 milhões de toneladas. Hoje, estamos falando em 240 milhões. Em área plantada, de 2006 para 2017, o País subiu um delta de 3%.
Em compensação, nesse período, a produção saiu de 117 milhões para os recordes atuais. E não é somente o produtor que está mais disposto para o risco. Junto, ele leva o setor de insumos, de material genética, as pesquisas e as tradings.
Nesse crescimento, o Brasil tem construído uma força política externa forte para se posicionar lá fora?
– Acho que não estamos totalmente posicionados. Empresas como as nossas, que são globais, vêem o mundo de uma maneira única. Queremos nutrir o mundo de maneira segura, sustentável e responsável.
Por isso, com a ajuda da iniciativa privada esse posicionamento vai acontecer naturalmente. A demanda por alimentos é gigantesca. Tem a China, mas daqui a pouco a população da Índia será maior.
No continente Africano, hoje, 950 milhões de pessoas vão passar a noite com fome.
O Brasil é estratégico não somente na indústria de grão, mas na indústria de farelo, óleo, carne bovina, frango, suínos, açúcar, laranja, café.
Então, apesar da gente não estar megapreparado, no mundo estaremos sempre organizados para a festa.
Mesmo em um movimento global por alimentos mais naturais e não processados, como o da agricultura regenerativa?
– Isso tem fundamento e a Cargill apóia esses movimentos. Não é porque somos gigantes que vamos ficar de fora. Há espaço para todo mundo.
Se uma pessoa quer comer alimentos não processados e tem tempo para se dedicar a isso, achamos certa a decisão.
Mas também somos favoráveis e apoiamos as pesquisas genéticas de sementes. Não somos contra os alimentos transgênicos.
Apoiar o mercado de não processados vai de encontro ao que a Cargill faz.
– Mas somos pelo livre mercado também para o consumidor. Ele deve decidir. Não dá para radicalizar. Nós fornecemos ingredientes para serem consumidos por vários segmentos na indústria de alimentos. E eles são seguros e saudáveis.
A indústria pode dar respostas, por exemplo, ao ataque às gorduras trans nos produtos processados?
– A indústria de alimentos vai entregar produtos cada vez melhores e mais saudáveis.
Por exemplo, o centro de inovação da Cargill, em parceria com a Universidade de Campinas (SP), desenvolveu uma linha muito leve em gorduras trans, que está sendo usada em recheios de biscoitos, em sorvetes e outros alimentos.
Dá para fazer e estamos fazendo aquilo que acreditamos. No ano passado, desenvolvemos 81 projetos de inovação, dos quais 41 foram demandas de indústrias.