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DIA A DIA

Dez dias em Abadiânia, a cidade que vive em torno de João de Deus
09/12/2018 - Helena Borge - ÉPOCA

João Teixeira de Farias, o médium João de Deus, é acusado de abuso sexual por 12 pessoas. Por três meses, conversei com seis delas. Seus relatos foram publicados na íntegra, hoje, no site do jornal O GLOBO.

Antes mesmo do escândalo sexual, a Casa de Dom Inácio de Loyola - hospital espiritual onde o médium recebe cerca de dois mil pacientes por semana - já causava polêmica em Abadiânia, Goiás.

Estive na cidade por duas semanas, em julho, para escrever sobre como era a vida naquele curioso canto do Brasil para onde multidões de estrangeiros se dirigiam em busca da "cura".


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As denúncias começaram a chegar em setembro, mudando completamente o curso do trabalho.

A pequena Abadiânia, a 120 quilômetros de Brasília, é uma cidade em que histórias de recuperações milagrosas são tão comuns quanto intrigas envolvendo seu morador mais famoso.

A BR-060, que cruza a Serra do Ouro, é a marca fronteiriça da rixa que divide seus 20 mil habitantes.

No centro da polêmica, uma casa ecumênica fundada em 1976, que atrai cerca de 2.000 turistas por semana, a maioria deles doentes em busca de suposto tratamento espiritual milagroso feito pelas mãos do médium João de Deus.

Os mais de 60 mil estrangeiros que viajam até o Brasil exclusivamente para tratamento espiritual o chamam de “John of God”.

João Teixeira de Farias, de 76 anos, nasceu no vilarejo de Cachoeira da Fumaça, no interior de Goiás. Desde os 9 anos, afirma relacionar-se com espíritos. Começou a trabalhar no auxílio à saúde de pessoas próximas com 16.

É o mais novo de seis filhos de um casal pobre pai alfaiate e mãe dona de casa. Frequentou a escola apenas até o equivalente ao segundo ano do ensino fundamental. Abandonou os estudos para trabalhar e ajudar no sustento da família. Diz não saber ler nem escrever.

Trabalhou como alfaiate, minerador e ceramista. Vive em Anápolis, a 40 quilômetros de Abadiânia, onde fundou a Casa Dom Inácio de Loyola há 42 anos.

É um personagem mundialmente conhecido, acumulando atendimentos a presidentes, artistas e grandes empresários.

Cerca de 9 milhões de pessoas, segundo sua própria contabilidade, já se deslocaram até o interior de Goiás para se submeter a suas cirurgias espirituais.

João de Deus tem 11 filhos — cada um com uma mulher diferente.

Alguns deles são evangélicos, sem seguir a espiritualidade atribuída ao pai.

Rejeita o rótulo de santo ou de ser um homem especial. Afirma ser homem com defeitos e limitações, capaz de errar e sofrer como qualquer outro ser humano.

Já foi acusado de sedução de menor, atentado ao pudor, contrabando de minério e até por assassinato. Em nenhum dos casos o médium foi julgado culpado.

Agora, doze mulheres o acusam de abuso sexual, uma delas afirma que houve penetração quando foi molestada.

Desde que se mudou para Abadiânia, o médium mudou o panorama da cidade. A falta de estrutura hospitalar formal gera uma situação conflituosa.

Sua personalidade mais famosa atrai um intenso fluxo de turistas doentes. Como a elaboração de políticas públicas de saúde levam em consideração o número de habitantes fixos, sem considerar a “população flutuante”, a crise de oferta e demanda é contínua.

Um levantamento feito pela prefeitura mostra que os plantões de emergência da cidade — de atendimentos noturnos e fins de semana — receberam 5 mil pessoas nos últimos cinco meses, das quais apenas um terço mora na cidade.

Nos entornos da Casa de Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus faz seus atendimentos, um mar de pessoas vestidas de branco toma as ruas de terra.

Muitas falam línguas estrangeiras, o que gera uma curiosa concentração de atendentes de bares poliglotas no interior de Goiás.

Abadiânia tornou-se mundialmente famosa em 2010, quando a apresentadora americana Oprah Winfrey visitou “John of God”.

Hoje, 80% dos frequentadores são estrangeiros, motivo pelo qual os moradores do lado oposto da cidade chamarem aquela região de “Abadyork”. Há também quem diga que “do lado de lá da estrada nem é Brasil, são os Estados Unidos”.

Por ali os estrangeiros são donos de empreendimentos e de lotes de terra. Desse lado “americano” da cidade, o valor de um lote vai variar de acordo com a língua que você fala.

Liguei para os números informados nas placas de “Vende-se” encontradas em diversos espaços dessa parte da cidade (todas sempre escritas em inglês).

Perguntei, em português, quanto custavam. Em um dos casos, fui informada que o terreno já havia sido vendido.

Pedi a uma estrangeira para ligar para alguns desses números e os valores cobrados chegaram a US$ 2 milhões.

Ao sul da estrada, do lado mais povoado e brasileiro, Abadiânia é uma cidade comum do interior. A rua principal leva até a praça onde se encontra a igreja católica que carrega o nome dos santos padroeiros São Pedro e São Paulo. Do outro lado da praça se encontra a prefeitura e uma escola pública.

Senhores de pele bronzeada andam de bicicleta até as inúmeras igrejas evangélicas que estão em praticamente todas as quadras, senhoras com as cabeças cobertas por véus frequentam a tradicional missa de domingo, crianças correm pelas ruas empinando pipas.

Os 40 funcionários e 20 voluntários que atendem na Casa de Dom Inácio, chamados de “filhos da casa”, dizem servir a chefias deste e de outro mundo: "Seu João", como o chamam, e as entidades que ele diz se comunicar por meio da mediunidade.

São mais de 30 espíritos que atuariam na casa, apesar de João de Deus formalmente identificar-se como católico.

Durante uma sessão de atendimento espiritual, explicou que o médium é apenas uma ferramenta. O trabalho é feito pelo plano espiritual, seja por suas mãos, seja de forma invisível.

A simples presença de uma pessoa na casa, ou até mesmo de sua foto, já é suficiente para que as entidades façam seu trabalho.

Um dos espíritos que João afirma receber é o que dá nome à casa: Santo Inácio, católico fundador do movimento jesuíta. Outras entidades da Casa são de espíritos que se identificam como Rei Salomão, São João Batista e Oswaldo Cruz.

Durante os atendimentos, há sempre um "filho da Casa" ao microfone, cantando, dando relatos de vida ou explicando como funciona o tratamento.

A guia Amy Biank era uma dessas "filhas da Casa" e relatou ao programa "Conversa com Bial" ter sido ameaçada de morte pelo próprio João de Deus quando testemunhou um de seus abusos.

Ela contou ter flagrado uma mulher ajoelhada, gritando por socorro, enquanto o médium a forçava a fazer sexo oral; também afirma que uma funcionária da Casa contou ter limpado sêmen da boca de uma criança.

Ao longo da manhã, o mar de pessoas vestidas de branco dos pés à cabeça é dividido em três filas. Os visitantes, que lotam a área de espera no pátio da Casa, devem se colocar em oração silenciosa enquanto são separados entre aqueles que estão ali pela primeira vez, os que voltam para uma revisão ao fim de um tratamento e os que querem começar um novo tratamento.

Durante as sessões, que levam em torno de quatro horas cada uma, instruções são repetidas nos microfones e depois traduzidas para o inglês, francês e alemão, mas a pregação e as preces são majoritariamente recitadas em português.

O complexo hospitalar é composto por construções simples, pintadas de branco e azul, cobertas por uma fina camada de terra avermelhada que vem das ruas ao redor.

Naquela região, a única via devidamente asfaltada é a Rua Quatro, que liga a Casa à rodovia federal. O asfalto acaba logo após o portão do centro espiritualista.

Passando pela entrada, há um conjunto de construções à esquerda onde se encontram o laboratório e a lanchonete. À direita ficam os espaços de atendimento.

Quem entra na Casa deve dirigir-se à direita, para o pátio coberto, em frente ao qual há uma varanda que dá acesso ao cômodo onde os atendimentos são feitos. Entre os dois ambientes cabem aproximadamente 1.000 pessoas sentadas — os assentos não são suficientes para todos.

Ao lado, há um grande jardim ornamentado com cristais, onde os visitantes buscam um lugar ao sol nos bancos de madeira incrustados com placas de metal em formato de coração e gravadas com agradecimentos em inglês.

Ali também há uma pequena casa que abriga um escritório para o médium descansar entre os trabalhos, além de uma sala onde são recolhidos itens entregues em agradecimento por supostas curas alcançadas; em uma estante são empilhadas muletas, coletes ortopédicos, bengalas e próteses.

Ao lado, há um segundo cômodo com porta de vidro e paredes cobertas por fotos de João de Deus com celebridades, retratos de santos e certificados de honra entregues por organizações religiosas, políticas e militares.

Nos demais espaços, é possível ver pinturas de Jesus e de santos católicos, além de escrituras budistas e um desconcertante quadro em que uma figura, aparentemente feminina, está com o rosto coberto por um véu, uma bata longa branca e flores nas mãos.

Uma televisão repete à exaustão as “cirurgias visíveis”. Na primeira filmagem, João passa uma faca de cozinha no globo ocular de uma mulher; na segunda enfia uma tesoura com algodão no nariz de um senhor e gira; na terceira faz um corte na barriga de uma jovem e aperta.

Esse tipo de procedimento só é feito a pedido do fiel. Após uma intervenção, visível ou não, é necessário repouso absoluto por 24 horas.

Em torno da área de espera encontra-se também a livraria, que vende lembranças variadas, pedras semipreciosas e os curiosos terços que apresentam um triângulo no lugar do crucifixo.

O triângulo é um símbolo da Casa. As três arestas simbolizam os três pilares que a Casa diz seguir: fé, amor e caridade. Na varanda em frente ao cômodo onde são feitos os atendimentos, há um altar com um triângulo de madeira na parede, com aproximadamente 1 metro de altura, no qual fiéis encostam a testa ou colocam fotos, exames médicos e cartas.

Passando por uma pequena porta azul que leva à sala em formato de U onde são feitos os trabalhos, outro triângulo, esse translúcido, está pregado na parede acima da cadeira em que João de Deus se encontra.

Após duas horas de espera, finalmente entrei no espaço climatizado e de luminosidade reduzida, onde aproximadamente 300 pessoas estão sentadas de olhos fechados, muitas usando vendas, em corrente de oração silenciosa.

A sala a qual as vítimas se referem como o espaço onde João cometeu os abusos - todas elas descrevem o mesmo lugar - dá acesso a esse espaço. Apesar de me levarem em uma tour pela casa, inclusive pelos laboratórios, nas duas semanas em que estive em Abadiânia essa sala específica mencionada pelas vítimas não me foi apresentada.

Da mesma forma, não tive acesso ao espaço onde os pacientes repousam após as cirurgias físicas.

Dentro do grande salão em formato de U onde João faz os atendimentos públicos, um rádio alterna hinos católicos com canções sobre a Casa tocadas em moda de viola e, não raro, algumas músicas de Roberto Carlos.

No corredor de entrada, portas à direita levam à enfermaria onde os operados repousam.

Após a última porta, o cômodo faz a primeira curva à esquerda e se alarga. A fila de pacientes serpenteia, então, entre dois grupos de bancos largos, como os de uma igreja, que mais à frente dão lugar a cadeiras unitárias viradas para quem passa.

À frente se encontra João sentado em uma cadeira sobre um pequeno degrau, com um altar cheio de cristais de aproximadamente 1 metro de altura à direita e uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que quase toca o teto.

À esquerda do médium, um grande cesto de vime forrado com um pano branco guarda as fotos de amigos e familiares levadas por fiéis. Sobre uma pequena mesa repousam uma bandeira prateada com água e algodão (para o caso de as entidades precisarem fazer uma cirurgia visível ali mesmo), um copo de chá de frutas vermelhas e uma garrafa de azeite de oliva, que João passa nas mãos.

Meus dois primeiros encontros foram breves. Isso acontece com muitos dos que vão à casa em busca de tratamento: a pessoa passa horas na fila, chega em frente ao médium e algumas vezes nem sequer troca palavras com ele. Apenas recebe uma receita que deve ser entregue na farmácia. Os funcionários da Casa explicam, no microfone, que o trabalho dos espíritos já começa quando a pessoa entra na fila. Por isso, é preciso manter concentração e silêncio o tempo inteiro.

Em minha primeira sessão, disse a ele que eu era jornalista, mas não contei que estava ali para escrever sobre ele. "Eu te conheço", me disse João, antes mesmo de eu me apresentar. Me entregou uma receita e pediu que voltasse quando terminasse o tratamento.

Ninguém soube me informar qual era a entidade que ele estava incorporando naquele momento. Meses depois, ouvi de algumas das vítimas relatos similares desse primeiro contato. "Nos conhecemos de outras vidas", disse ele a uma delas. "Te vi em sonhos", disse a outra.

Na terceira e última sessão da qual participei, agora acompanhada de sua assessora de imprensa e contando que estava escrevendo uma matéria sobre a cidade e sobre a Casa, consegui conversar um pouco mais com João de Deus. Em minha frente, na fila, uma senhora com várias fotos começou a ser atendida.

Sentado em uma cadeira, ele a pegou pela mão e a deslocou levemente para a esquerda, de modo que mantinha o diálogo com a mulher, mas seus olhos permaneciam fixos nos meus.

Diferentemente dos dois atendimentos anteriores, quando sua voz estava rouca e baixa, dessa vez a voz que saía da boca de João soava alta e clara.

Perguntou em alto tom onde a mulher trabalhava, ela respondeu ser funcionária da Fundação Oswaldo Cruz. Perguntou então o que ela — “uma profissional de saúde”, ele ressaltou — achava dos trabalhos daquela Casa, tudo isso sem desviar o olhar de mim.

“Aqui se faz mais do que os médicos da Terra conseguem”, respondeu a fiel. Ele falou com ela sobre a política interna da Fundação, abençoou-a, entregou uma pilha de receitas e a dispensou.

Nas duas sessões que presenciei anteriormente, nunca tinha visto o médium falar por tanto tempo com um paciente.

Chegara minha vez. Foi ele quem começou a conversa, puxando-me pela mão.

"A filha andou bastante pela cidade?"

"Andei."

"Viu, então, que a cidade é repartida."

Depois de falar que há quem goste e quem não goste do médium e de seu trabalho, lembrou que nem Jesus agradou a todos. Na Casa, as imagens de Dom Inácio estão sempre com lágrimas caindo pelo rosto.

Perguntei o motivo. “As pessoas não vêm aqui para fazer perguntas”, foi a resposta imediata.

Depois de certa insistência, ele respondeu que essas lágrimas seriam de devoção e estariam destinadas “ao coração de Jesus”.

Chamou, então, uma senhora posicionada a sua esquerda, que abriu a camisa de botão para me mostrar a cicatriz em seu seio direito. Ela disse que, depois de curada, teve três filhos, todos afilhados de João.

Durante a tarde, acompanhada pelo fotógrafo, sentei em um dos bancos próximos de João de Deus por cerca de uma hora, em silêncio. Ordens das entidades. Sentar na corrente também é considerado um tratamento.

O objetivo da meditação é a troca energética com os demais presentes e com os protetores da Casa. “Enquanto vocês estão aqui, estão sendo curados”, dizem os auxiliares.

João de Deus, quando não está incorporado, dá respostas vagas e escorregadias em tom de voz doce e baixo. Após a sessão, conseguimos alguns minutos de entrevista.

Depois de conversar com pessoas próximas e ouvir que ele sai cansado e confuso das sessões, quando não irritado, perguntei a ele como se sentia ao fim dos trabalhos. “Em paz”, respondeu.

Insisti, questionando se ele não se cansa de curar pessoas, se não lhe demanda muita energia. “Eu estou sempre em paz”, também insistiu.

A conversa aconteceu na presença de sua assessora de imprensa e outras duas filhas da Casa. Ele confirmou não se recordar de nada do que se passa durante as sessões.

Disse que “quem cura é Deus” e me entregou a digitalização de uma carta de próprio punho assinada por Chico Xavier em 1993.

Acima de uma foto em que os dois médiuns estão apertando mãos, as letras cursivas declaram: “Prezado João, caro amigo, Abadiânia é o abençoado recinto de sua iluminada missão e de sua paz”.

Uma parte importante do tratamento oferecido na Casa de Dom Inácio são as pílulas de passiflora. Vendidas em frascos de 50 unidades, devem ser tomadas todos os dias pela manhã e pela tarde, de forma que cobram-se R$ 100 pelos dois frascos necessários para os 50 dias de tratamento.

Na farmácia da Casa também são vendidos remédios que seriam indicados para emagrecimento, xarope e uma pomada para cicatrização. Tudo vem de um laboratório posicionado nos fundos do complexo hospitalar, fora da casa onde circulam os pacientes.

Ali, uma moça de salto alto e longos cabelos lisos e pretos veste um uniforme branco diferente: jaleco, touca e um protetor que cobre nariz e boca.

A farmacêutica Ângela Queiroz, de 33 anos, é uma das coordenadoras da produção dos remédios.

Há quatro anos frequenta o hospital espiritual como fiel e funcionária, recebendo o piso do mercado. Em seu laboratório, os remédios já chegam praticamente prontos.

A passiflora é um extrato de maracujá em pó produzido pela empresa Florien Fitoativos, de Piracicaba, São Paulo.

Na Casa, ele é encapsulado e embalado, para depois ser energizado pelas entidades protetoras da casa, conforme afirmam os auxiliares de João de Deus.

Durante todo o tempo das sessões, é repetido aos frequentadores que o importante é a energização e que, por isso, a passiflora vendida ali é diferente da encontrada em farmácias comuns — nas quais o preço chega a ser metade do cobrado na Casa.

Também é explicado que, como cada frasco seria energizado especificamente de acordo com a receita apresentada, duas pessoas não podem tomar o remédio do mesmo frasco.

Deve-se tomar cuidado para não confundir os frascos caso alguém retire remédios para mais de uma pessoa, alertam.

Um levantamento das empresas em nome de João Teixeira de Farias mostra quatro CNPJs, todos eles ligados à Casa de Dom Inácio, um dos quais é voltado apenas para a farmácia.

Edna Gomes é a assessora de imprensa da Casa. Loura, de cabelos curtos e olhos esverdeados, ela chega em meu oitavo dia de viagem usando salto alto e um terno branco justo bem alinhado.

Pergunto como consegue se equilibrar no salto nas ruas esburacadas de Abadiânia. “Eu era modelo. Na Casa, desci do salto e coloquei o pé no chão... figurativamente. Me sinto mais confortável de salto do que em qualquer outro sapato”, explica, rindo.

Ela também é responsável pela divulgação do documentário "O silêncio é uma prece", que o cineasta carioca Candé Salles fez sobre João de Deus.

Entramos juntas na fila de atendimento — preciso ter autorização das entidades para seguir os trabalhos e tirar fotos na casa.

Depois da bênção do plano espiritual, ela me leva para conhecer os outros tratamentos da casa.

Primeiro, o banho de cristal. No centro de um quarto branco, com apenas uma pequena foto de Chico Xavier na parede, há uma cama acoplada a uma estrutura metálica de onde saem sete cristais de quartzo, que devem ser ajustados para irradiar luzes coloridas na direção de cada um dos chacras do paciente.

O tratamento-padrão dura 20 minutos, mas Edna me diz que as entidades da Casa pediram que eu fizesse por 40 minutos. Depois disso, vou para a cachoeira. Um caminho de madeira leva à pequena cascata, que tem pouco menos de 2 metros de altura. Brasileiros entram sozinhos, estrangeiros chegam em grupos acompanhados de guias.

Edna me coloca em um táxi e informa ao motorista que quem me envia é Seu João, que pagará a corrida.

No dia seguinte, ela me liga para avisar que na tarde anterior João havia se mostrado preocupado comigo.

"Ele achou seu olhar triste", ela me relata, contando que por isso eles usaram minha foto do whatsapp para fazer um trabalho "muito bonito" para mim.

Dois meses após a minha partida, voltei a falar com Edna para avisar que as primeiras denúncias de abuso sexual haviam chegado. Queríamos ouvir o outro lado.

É ela quem assina o e-mail de resposta da Casa, em nome de João, chamando as denúncias de "fantasiosas" e "falsas".

"Se houver por parte do jornalismo uma irresponsabilidade, ela estará denegrindo a imagem de quem realmente é a vitima em notícias trazidas por palavras de pessoas vazias e sem credibilidade", escreveu para mim, em tom bem diferente do anterior.

Do lado de fora do hospital espiritual, as casas de massagem são destino dos pacientes que, após a consulta espiritual, recebem um cartão de visitas do profissional específico que deverá atendê-lo. Uma massagem dura de 40 minutos a uma hora e custa R$100.

As fisioterapeutas Bruna Trajano e Rozeline Oliveira, as duas com 29 anos, contam que começaram atendendo em um espaço perto da estrada.

Mudaram-se para um ponto mais próximo da Casa a pedido do plano espiritual — ou seja, de João, durante uma sessão —, é assim com todos que possuem comércio e serviços naquela área.

Como ali as energias seriam mais positivas e intensas, explicam, os terrenos mais próximos ao templo são os mais disputados — e os mais caros.

Elas evitam mencionar o valor numérico dessa dificuldade em arrumar um espaço nas quadras vizinhas à Casa.

As duas sócias se conheceram na faculdade de fisioterapia, em Anápolis, em 2009.

Trajano é evangélica e tem permissão de seu pastor para fazer os atendimentos ligados à casa.

Oliveira é católica e canta louvores enquanto massageia os clientes:

“Já aconteceu de eu só encostar em uma senhora e ela começar a chorar, então eu senti uma vontade inexplicável de cantar. Também já ouvi relatos de clientesque conseguem ver espíritos e que dizem ter visto anjos nos acompanhando. Independente da religião, é uma oportunidade de ajudar o outro espiritualmente”.


  

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