Registro de arma sobe 280%; Bolsonaro promete decreto para facilitar posse 30/12/2018
- O ESTADO DE S.PAULO*
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse ontem que pretende "garantir", por decreto, a posse de arma de fogo para cidadãos sem antecedentes criminais, além de tornar o registro do equipamento definitivo.
Especialistas questionam a mudança por decreto sem aval do Congresso, uma vez que afetaria o Estatuto do Desarmamento, lei de 2003.
Na prática, todo cidadão pode pedir a posse à Polícia Federal, se cumpridos alguns requisitos, como ficha criminal limpa e exames de aptidão.
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O total de registros tem crescido: o salto foi de 280% de 2009 a 2017, chegando a 33 mil licenças no País.
Ao anunciar a medida no Twitter, Bolsonaro não detalhou o decreto que está em planejamento.
Duas horas após a publicação, ele voltou à rede social para dizer que "a expansão temporal será de intermediação do Executivo, entretanto outras formas de aperfeiçoamento dependem também do Congresso Nacional, cabendo o envolvimento de todos os interessados".
Já tramitam no Congresso projetos que tentam revogar o estatuto.
A lei prevê regras para a concessão da posse, caracterizada pela possibilidade de permanência da arma na casa do proprietário ou no estabelecimento comercial.
O candidato deve se submeter a exames de aptidão psicológica e capacidade técnica, além de apresentar a razão da efetiva necessidade, "expondo fatos e circunstâncias que justifiquem", explica a PF.
Defensores da liberação de armas reclamam da subjetividade desses critérios.
Ao Estadão, o futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno Ribeiro, disse que o decreto deverá manter as exigências legais, como não ter antecedentes, fazer exame de vista e seguir as regras de registro.
"A posse será facultada para quem se submeter às exigências, será mais fácil ter a posse, para o cidadão de bem, que nas regras de hoje", disse.
"É lógico que ninguém vai vender arma na esquina."
A decisão de Bolsonaro de manter a facilitação para posse de arma foi tomada após conversa com o futuro ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro.
O argumento do futuro governo é garantir a legítima defesa aos cidadãos.
Segundo dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, em 2009 a quantidade de registros era de 8.679.
Até o ano anterior, ainda vigorava o prazo, previsto pelo Estatuto, de registro de quem já tinha armas irregularmente.
O número subiu ano a ano, até atingir pico de 36,8 mil licenças em 2015.
Também preocupa especialistas o número crescente de registros concedidos pelo Exército a atiradores esportivos.
Mudanças nas normas de obtenção e transporte dos equipamentos atraíram milhares de interessados em obter arma e que encontravam dificuldade de obter a liberação via PF.
Para o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, esse fenômeno está ligado à onda de descrença da população, com a escalada da violência urbana.
"Em situações estáveis, onde o Estado funciona, as pessoas não veem necessidade de ter arma, até porque ela contribui para que a violência aumente", diz.
"É um mito que a arma de fogo é um bom instrumento de defesa."
O risco, para especialistas, é que a facilitação da posse eleve ainda a circulação de armas ilegais.
EXPECTATIVA
Despachante e instrutor de armamento há quatro anos, Guilherme Dias diz que a demanda aumentou nos últimos meses, após a eleição.
"Muita gente acha que, por ele (Bolsonaro) ter ganhado e ser atirador, vai conceder porte."
Ele conta que hoje atende de sete a oito pedidos de registro por mês. Em 2015, esse número não passava de três.
Pelo serviço, que inclui todos os trâmites exigidos - como valor da arma, treinamento, exames e taxas-, ele cobra cerca de R$ 6 mil a R$ 8 mil.
Segundo ele, desde 2017 o interesse tem crescido, após a permissão do porte de arma para atiradores esportivos do local de treino até a residência.
"Este ano aumentou muito (a procura), está movimentado mesmo", concorda o instrutor e advogado, Mario Viggiani Neto.
Para ele, uma mudança na lei deve manter a exigência de provas de capacitação psicológica e de manuseio da arma.
"Quem nunca pegou arma não adianta fazer a prova, que não passa. Tem de ter o básico, saber as regras de segurança, como se usa, como se municia. É como uma autoescola."
O vigilante Danilo Alves, de 28 anos, obteve a posse legal em 2015.
"O motivo foi a insegurança pública que a gente vive nesse País. Sempre tive receio de sofrer alguma invasão residencial. Uma arma traz um conforto psicológico."
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*PRISCILA MENGUE, FABIO LEITE, MARCO ANTÔNIO CARVALHO, CRISTIAN FAVERO e LEONENCIO NOSSA