Não dá para confundir previdência e assistência 13/01/2019
- O ESTADO DE S.PAULO
Previdência e assistência social respondem por 60% do gasto primário e são hoje a maior despesa do governo federal. Poucos anos atrás, essa fatia era de 40%.
O crescimento acelerado desses gastos está asfixiando o Estado brasileiro e a sociedade, avalia o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper.
Ele defende a reforma da Previdência como um ponto central para a retomada do crescimento.
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No entanto, para desatar esse nó, o economista alerta que “não se pode confundir previdência com assistência”, algo que, na sua opinião, ocorre no País.
“Não tem de atrelar um ao outro, mas, no Brasil, a gente atrela.”
Lisboa argumenta que previdência é o resultado do trabalho e assistência é política social compensatória para grupos específicos.
Neste caso, os benefícios são concedidos em paralelo, mas respeitando-se a disponibilidade de dinheiro.
A seguir, trechos da entrevista.
O tema da reforma da Previdência é central? Por quê?
— A primeira razão é que a Previdência e assistência social são responsáveis por 60% do gasto primário do governo federal. É o maior gasto do governo.
Em segundo lugar, é um gasto que cresce muito rapidamente – há poucos anos era 40%. Isso está asfixiando o Estado brasileiro e a sociedade.
Quais as razões?
— A razão é que o Brasil adotou regras de previdência que permitem aposentadorias muito precoces. Em média, um homem se aposenta por tempo de contribuição aos 55 anos e uma mulher, aos 53 anos.
No resto do mundo, tradicionalmente, a idade mínima é de 65 anos ou mais – sobretudo nos países desenvolvidos.
No Brasil, as pessoas se aposentam muito cedo. Você olha o quanto contribuem e o quanto recebem de aposentadoria e a conta não fecha.
Nós trabalhamos muito menos ao longo da nossa vida do que os demais países. Estamos também envelhecendo muito rapidamente.
O Brasil teve uma transição demográfica entre as dez mais rápidas do mundo. Gastamos o mesmo valor com aposentadorias do que o Japão, só que eles têm três vezes mais o número de idosos.
Mas tem mais uma razão pela qual a reforma da Previdência é essencial: justiça.
A nossa Previdência beneficia os mais ricos. Aquele trabalhador do tempo de contribuição que eu mencionei, que é o trabalhador formal, com carteira assinada: esse trabalhador se aposenta aos 55 anos, e as trabalhadoras, aos 53. Mas, os informais, não.
Os trabalhadores de baixa renda, que não têm carteira assinada, no campo se aposentam aos 60; nas cidades, aos 65 anos.
Então, os pobres têm de trabalhar muito mais do que os ricos para se aposentar.
E os militares?
— Aí, estamos numa armadilha porque, de fato, militar é uma profissão diferente.
Temos as melhores regras? Não sei. Nós deveríamos comparar com as regras dos demais países para ver como funciona a previdência deles, porque militar é uma carreira diferente.
O problema no Brasil é que militar carrega o policial militar, que é a polícia. E o tratamento acaba sendo o mesmo. Só que polícia militar é polícia, não é militar.
O Brasil inventou essa categoria curiosa. Mas é polícia, e deveria seguir a regra dos demais servidores públicos.
Então, acho que o primeiro passo é separar a polícia militar dos militares.
Que reforma o sr. defenderia?
— Você tem pequenas diferenças técnicas entre as propostas atualmente em voga, do Marcelo Caetano, e do Paulo Tafner e Pedro Nery, que fizeram um trabalho maravilhoso, de muito detalhamento.
A reforma da previdência é meio que um padrão no mundo. Tem de ter uma idade mínima. E não se pode confundir previdência com assistência.
Não tem de atrelar um ao outro, mas no Brasil a gente atrela.
Previdência é o resultado do trabalho; assistência são políticas sociais compensatórias para grupos específicos, como deficientes, famílias carentes e por aí vai.
É uma série de benefícios em paralelo, que você concede, mas respeitando o fato de ter dinheiro para pagar a conta.
Essa é a previdência no mundo.
A chave principal é a idade mínima?
— É a principal, mas está longe de ser a única. Tem outras coisas para fazer também, como pensão por morte, uma série de itens para serem revistos.
E tem a questão dos Estados, que é um problema gravíssimo. Não basta botar idade, tem de fazer muito mais ali para poder resolver.
Ainda assim o trabalhador privado recebe muito pouco de aposentadoria no Brasil. Ou não?
— Não! O Brasil é um país pobre. A gente esquece que o Brasil é um país pobre.
Um salário mínimo, para o Brasil, não é um salário baixo.
O Brasil é um país de renda média de R$ 2 mil a R$ 3 mil ao mês.
Quarenta por cento da população brasileira ganha menos que um salário mínimo.
O Brasil tem a fantasia de que somos um país rico, porém desigual. E que se nós dividirmos melhor o pedaço do bolo, a gente vira um país europeu. Não viramos.
O Chile, aqui do lado, é quase duas vezes mais rico que o Brasil. Portugal e Grécia – os países pobres da Europa – são duas vezes mais ricos que o Brasil em termos per capita.
Os países de renda média e alta aproveitaram o bônus demográfico – momento com muita gente trabalhando e pouca gente aposentada – para fazer infraestrutura, cuidar da educação, formar novas gerações mais produtivas, preparar o país.
Nós aqui jogamos o dinheiro fora.
Uma parte foi para Previdência e outra para maus investimentos.