ESTUDIOSA DO POLITICAMENTE CORRETO AFIRMA QUE ELE NÃO EXISTE. É UM INIMIGO IMAGINÁRIO 18/01/2019
- Elisa Martins - Época
Pesquisadora de Harvard, Moira Weigel está escrevendo um livro sobre a história do politicamente correto, a conspiração do “marxismo cultural” e a relação dos movimentos de direita com a filosofia na era das redes sociais.
ENTREVISTA
Qual é sua definição de politicamente correto?
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- Para mim, politicamente correto é um sinônimo de educação. Essa é minha definição. Para outras pessoas, críticas do conceito, politicamente correto quer dizer algo ruim, uma espécie de censura que impede que as pessoas falem livremente sobre todos os assuntos.
O curioso é que nenhuma figura pública importante se descreve como politicamente correta. O termo tem alto peso político, tanto para quem o defende como para quem o critica.
Qual é a origem do termo?
— O termo ganhou força nos Estados Unidos num momento de discordância nacional, no final dos anos 80, início dos 90. Antes disso, era usado por negros ativistas, pessoas de esquerda, feministas e membros do movimento estudantil.
É importante salientar que, quando ainda era um termo usado por minorias, tinha uma conotação irônica. As pessoas chamavam umas às outras de politicamente corretas como uma piada, para chatear quem agia com muita retidão ou quem se dava muita importância.
Depois, nos anos 90, deixou de ser um termo usado apenas por minorias. Foi quando a nova direita passou a usar o termo para criticar principalmente professores e acadêmicos em universidades, dizendo que eles eram radicais em suas falas no campus e que quem não seguia essas regras era hostilizado e punido.
Tinha uma implicação política, os professores eram acusados de ensinar ideias radicais e de esquerda, que poluiriam a mente da juventude americana.
Outro termo que começou a ser usado foi “marxismo cultural”.
Soube que Jair Bolsonaro e seus filhos o usam bastante no Brasil.
Usam muito também “marxismo cultural”.
— O conceito de “marxismo cultural” veio da extrema-direita. Era usado, no começo, por nacionalistas brancos e negadores do Holocausto.
A teoria, ou teoria da conspiração, do marxismo cultural ecoa direta e deliberadamente uma teoria que Adolf Hitler descreve no livro Minha luta.
Segundo Hitler, com o fracasso do marxismo econômico, os intelectuais judeus estavam tomando a cultura ocidental a fim de destruí-la. Os nazistas chamavam isso de bolchevismo cultural.
Com o politicamente correto, algumas questões acabaram virando tabu?
— Não. Realmente não acredito que o politicamente correto exista. Você pode perguntar: mas então a que as pessoas se referem quando usam esse termo?
É à linguagem que usamos e aos cuidados que temos quando falamos para não ofender ninguém.
O que existe são formas diferentes de diálogo, de discurso, à medida que a sociedade se desenvolve e diversifica.
Se você olhar para as universidades, como a da Califórnia, por exemplo, vai ver que, em meados dos anos 80, a maioria dos estudantes era branca. Isso mudou. A diversidade aumentou.
Quando isso acontece, a maneira como você fala também muda e você passa a se preocupar em não ofender os outros.
Não existe nenhuma organização política secreta forçando as pessoas a falar de certa maneira.
É importante lembrar que liberdade de expressão não quer dizer que uma pessoa pode sair por aí ofendendo as outras.
Por que, então, a maioria dos americanos tem a sensação de que o politicamente correto foi longe demais?
— Não acho que seja isso. As pessoas gostam de ouvir o presidente americano, Donald Trump, falar contra o politicamente correto porque muitas não se sentem empoderadas, se sentem deixadas para trás pelo sistema econômico vigente, o que é verdade.
Ver alguém quebrando as regras do sistema traz uma espécie de satisfação para essas pessoas.
Em sua visão, o termo politicamente correto é usado pela extrema-direita para criar um inimigo imaginário. É isso?
Sim. Os políticos usam essa estratégia. É bom poder jogar a culpa naqueles “jovens mimados de esquerda” das faculdades.
O ex-presidente americano George Bush, herdeiro de bilionários, exibia um certo anti-intelectualismo para se aproximar da classe trabalhadora.
Nesse mesmo sentido, o termo politicamente correto desempenhou um papel importante na tentativa de tornar o populismo crível e mais atraente.
É um truque antigo: racismo e sexismo servem para dividir a maioria das pessoas umas contra as outras.
No discurso de posse, o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, disse que pretende “acabar com o socialismo e o politicamente correto”. Que mensagem passa essa declaração?
— Não sou especialista em Brasil, mas há um uso político desse termo, porque é algo muito vago e pode significar várias coisas. Parece uma maneira útil e poderosa de consolidar algum tipo de identidade política antidemocrática.
Quando você chama alguém de politicamente correto, você não só diz que ele está errado, mas que é desonesto e tem motivos escusos para agir dessa maneira.
Isso dá poder para que um político chegue e diga: “Eu vou decidir o que é certo e errado”.
Isso é perigoso. E, se você é de alguma minoria que não faz parte disso, será excluído do processo democrático.
Como as redes sociais acirraram essa polêmica?
— Em geral, o ponto de discussão na internet sobre o politicamente correto nos EUA e na Europa é desvalidar instituições democráticas e educacionais.
Quando as redes sociais começaram a crescer nos EUA, tinha-se a ideia de que eram algo progressista. Barack Obama foi eleito com a ajuda das redes sociais. As pessoas que antes não eram importantes passaram a ter voz.
Mas, quando se diz que a mídia mente porque é politicamente correta e que as universidades são politicamente corretas, o que realmente se quer é atacar fontes de autoridade.
Não é coincidência que hoje todos esses líderes autoritários, como Trump nos EUA, Rodrigo Duterte, nas Filipinas, e Narendra Modi, na Índia, usem redes sociais.
É uma maneira de construir um movimento de massa de extrema-direita que não precisa passar pelo processo de checagem de fatos e que está livre da autoridade de instituições democráticas.
O que nos espera para o futuro nesse sentido: novas discordâncias ou consensos?
— Os movimentos populistas deverão crescer. São reações à crise global que começou em 2008. O consenso que vem dos anos 90 até 2016, ano da eleição de Trump, poderá ser destruído.
Autoritários vão continuar usando redes sociais para atacar e desacreditar oponentes, a democracia e o jornalismo.
Claro que não dá para comparar a audiência do Twitter com a da TV, mas Trump escreve coisas tão absurdas que acabam aparecendo na TV. É uma forma de manipular a mídia tradicional.
Se essas instituições democráticas que nos permitiram evoluir nos últimos 100 ou 200 anos forem destruídas por tipos como Trump ou Bolsonaro, teremos de descobrir outra maneira.
É importante reforçar que as pessoas gostam tanto de falar sobre o politicamente correto porque se sentem sem importância, como se houvesse alguém controlando o que elas podem dizer ou fazer.
Então, o ponto da virada seria reempoderar essas pessoas de uma outra forma.
Obviamente não é por causa das minorias que elas não se sentem empoderadas.