¨O Brasil precisa reconstruir a sua credibilidade¨ 16/02/2008
- Agnaldo Brito - O Estado de S.Paulo
A crise do sistema de rastreabilidade de bovinos começa a afetar outros segmentos da pecuária nacional. O alerta é de Pedro Camargo Neto, pecuarista, ex-presidente da associação de exportadores de carne bovina e atual presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Carne Suína (Abipecs).
A União Européia disse que não enviará uma missão sanitária para avaliar a suinocultura catarinense, excluída do mercado da Europa desde 2002, enquanto não resolver a questão bovina.
Segundo ele, a Europa avisou o Brasil sobre os furos do Sisbov. Alertas, segundo diz, solenemente ignorados pelo governo, pelos frigoríficos e pelos pecuaristas.
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“A principal questão hoje é de credibilidade. O Brasil precisa reconstruir sua credibilidade”, diz ele, nesta entrevista ao Estado.
O Brasil terá de recuperar a credibilidade para não perder um mercado que levava 20% do volume exportado e gerava 30% da receita.
A credibilidade do Brasil como fornecedor foi para o brejo?
- A principal questão hoje é de credibilidade. Rastreabilidade e lista de propriedades tornaram-se questão secundária. O Brasil precisa reconstruir a sua credibilidade. É preciso entender que estamos partindo do zero com a União Européia. A questão não é de hoje. O comissário (europeu de saúde animal, Markus) Kyprionou esteve no Brasil alertando. A embaixadora brasileira em Bruxelas, Maria Celina, fez uma viagem ao Brasil no ano passado com o fim exclusivo de alertar sobre a gravidade da questão. Fui visitado por ela, assim como foram os demais representantes do setor privado e do governo. Todos foram informados dos riscos que corríamos. Estive duas vezes em Bruxelas em 2007 e só escutei isso: precisávamos colocar ordem no Sisbov. O pleito do setor de suínos de ser avaliado como possível exportador para a União Européia esta paralisado como resultado dessa pendência.
Diante disso, faz sentido discutir o assunto na OMC?
- Outro grande desencontro. Qualquer contencioso na OMC demoraria no mínimo três anos, período que provavelmente deixaríamos de exportar. Poderíamos até ganhar um contencioso que analisasse a consistência científica da obrigatoriedade de identificação individual de bovinos, mas perderíamos o contencioso centrado na questão da limitação em 300 propriedades. A limitação da União Européia não é em qualidade de propriedades, mas em capacidade de auditar as informações do Sisbov. Existe ampla documentação, resultado das missões realizadas, que prova que o Brasil audita muito mal.
Quem errou nessa confusão?
- Erramos todos. Erraram os pecuaristas, que aceitaram conviver com um sistema claramente com irregularidades que todos conheciam; erraram os frigoríficos, que não ajudaram a implantar o sistema, muito pelo contrário, trabalharam contra; erraram os governos estaduais, que produziram listas de propriedades imperfeitas; errou o ministério, muitas vezes, muitos anos. Esperamos a UE dar um ultimato em dezembro para fazer alguma mudança no Sisbov. Continuou errando ao levar primeiro uma lista de 2,6 mil fazendas, que não resistiu uma semana, e agora parece estar novamente errando ao alterar a lista em Bruxelas. Isso é improviso. Não se é líder dessa maneira.
A reação, até agora, tem sido imputar a culpa no protecionismo irlandês. Chegou-se até a dizer que o caso era igual ao do Canadá, que em 2001 disse que o Brasil tinha doença-da-vaca-louca.
- Não se desloca a produção dos outros, não se rebaixa os preços internacionais, não se torna o maior exportador sem a responsabilidade da posição de líder. Lógico que existe protecionismo. Aqui no Brasil também existiria. Imaginar que o pecuarista da Irlanda aceitaria imóvel nossa concorrência é desconhecer o comércio. No caso do Canadá, veja... Os parlamentares estão desinformados. Não se pode comparar esse embargo com o evento de janeiro de 2001. O Canadá agiu de surpresa, introduzindo a gravíssima dúvida, sem qualquer fundamento, da doença-da-vaca-louca. Foi um ataque comercial descabido, que provocou a revolta do produtor e, na seqüência, de toda a população. A UE vem alertando ano após ano que precisávamos cumprir o que havíamos prometido.
Mas, diante de tanta dúvida, o Sisbov ainda é aplicável?
- Repito. Hoje a questão é de credibilidade. A rastreabilidade individual em que cada animal tem um brinco numerado e um documento individual foi implantado na União Européia sob o impacto da crise da vaca-louca. O Brasil copiou meio obrigado o sistema. Hoje, longe do impacto da vaca-louca, parece não ter sentido. Deveria ser substituído por um sistema mais moderno e eficiente, dentro dos moldes de certificação de processos das normas ISO. Mas negociar agora uma alteração exige, porém, a credibilidade que perdemos. Não tem jeito, é cumprir essa bobagem dos brincos e depois evoluir para algo mais inteligente.
A tese de que os europeus vão voltar a comprar do Brasil por necessidade é real?
- É um equívoco imaginar que o Brasil é fornecedor imprescindível. Eles importam menos de 10% da carne bovina que consomem, o que representa ao redor de 2% da proteína animal, pois são grandes consumidores de aves, suínos e pescados. Não importar do Brasil provocaria uma alta de preços em alguns cortes, uma retração da demanda e um ajuste entre consumidores de alto poder aquisitivo. O boi da Irlanda se valorizaria. O ajuste do nosso lado será doloroso. Perder o maior cliente da pecuária, que representa 20% do volume exportado, será um prejuízo para o produtor. Perder um cliente que representa 30% da receita exportada será um enorme prejuízo para os frigoríficos. Precisamos recuperar esse mercado.
Mas até o ministro da Agricultura admitiu que os frigoríficos mandaram para a Europa carne não rastreada. Ficou mais difícil recuperar a credibilidade?
- Foi uma frase infeliz do ministro. É preciso que a fiscalização do governo antecipe a identificação de irregularidades para que missões da UE ou de qualquer outro país não encontrem nada irregular. Cumpre ao governo orientar, fiscalizar e, se necessário, punir. Infelizmente, as missões veterinárias da UE é que têm identificado irregularidades no sistema de rastreabilidade.