CUIDAR DO MEIO AMBIENTE NÃO É ENTRAVE BUROCRÁTICO, DIZ PESQUISADOR 27/01/2019
- Matheus Rocha - Época
Poucos dias após o presidente Jair Bolsonaro afirmar que o Brasil é o país onde mais se preserva o meio ambiente, uma barragem da mineradora Vale rompeu, levando um mar de lama e destruição à cidade mineira de Brumadinho.
Já foram resgatados dez corpos e pelo menos 300 pessoas estão desaparecidas.
A tragédia aconteceu três anos após a barragem de Fundão ter rompido em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana.
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O acidente matou 19 pessoas e era até então o maior desastre ambiental da história do país.
O geógrafo Leandro Dias de Oliveira, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), afirma que essas tragédias têm se tornado frequentes em razão da falta de atenção dos órgãos ambientais.
“O poder público não é apenas um protocolo frágil, um estudo inicial. Ele tem de reforçar seu papel de vigiar, avaliar e cobrar a qualquer agente que faça esse tipo de destruição.”
Em entrevista a ÉPOCA, o pesquisador explicou como evitar o rompimento de barragens, aprimorar leis ambientais e fomentar uma cultura de respeito ao meio ambiente.
A ENTREVISTA
Por que acidentes como os que aconteceram em Brumadinho e em Mariana têm se tornado tão difíceis de evitar?
— Têm se tornado difíceis porque não está havendo a devida atenção técnica para evitar tais problemas.
A lição é que deveria haver um papel mais ativo de equipes técnicas especializadas vinculadas a órgãos ambientais do estado para detectar os problemas, mas também para indicar a correção a empresas.
É preciso haver um papel mais ativo desses órgãos na identificação, na sugestão e no controle das correções.
A questão ambiental não pode ser vista como um entrave burocrático, mas, sim, como um investimento no presente e no futuro de empresas e da sociedade como um todo.
Deve haver uma legislação específica que leve em consideração as características do local em que está inserida a barragem, a sua viabilidade, a segurança de determinada localidade.
Então os estudos e as legislações devem levar em conta a segurança, os direitos citadinos.
Outro ajuste fundamental é um ajuste no tempo de existência de empreendimento de risco.
Quanto menos se extrapolar o tempo em que não apresenta problemas, menores serão os ricos.
E, ao mesmo tempo, quanto menor a área de barragens, hidrelétricas, menor o impacto.
Alguns especialistas acreditam que a legislação ambiental é avançada, mas não é aplicada como deveria ser. Por que isso acontece?
— Acredito que a lei ambiental tem que ser mais clara e mais precisa.
Permitir que a questão ambiental e suas diferentes frentes sejam discutidas por uma equipe especializada e científica e menos por meio de idas e vindas de protocolos e ações que, às vezes, são infrutíferas e demasiado problemáticas por saírem do campo técnico, científico e ambiental.
Por outro lado, também acho que não pode haver negligência com indícios de problemas nestas estruturas.
Existem dezenas de barragens, e a Agência Nacional das Águas (Ana) tem detectado problemas em muitas.
Não só em Minas, mas também na Bahia.
Então seja a empresa pública, seja ela privada, independentemente dos investimentos necessários, há que se corrigir qualquer falha para evitar estragos como o que aconteceu em Mariana e agora em Brumadinho.
A lei tem de ser mais que o caminho, ela tem de ser construtora de uma cultura de segurança.
Ela precisa edificar uma cultura de segurança onde o meio ambiente seja um valor imensurável.
Ele não pode ser subalternizado por causa de nenhuma decisão de caráter econômico.
Como essa cultura pode ser criada?
— Em um primeiro momento, não podemos relativizar os desastres.
Ainda é cedo para ter uma dimensão exata do que aconteceu em Brumadinho, mas os números de Marina são muito impactantes.
A lama percorreu 650 km e matou 19 pessoas. Os estragos foram imensos.
Então isso não pode ser relativizado.
As decisões tomadas a partir daqui têm de levar em conta que esses impactos ambientais foram muito violentos.
Estou falando de Mariana e agora de Brumadinho.
As perdas são irreparáveis.
Há que se compensar, ainda que parcialmente, os danos causados.
Tem de ter subsídios financeiros para diminuir a dor das famílias que perderam seus entes queridos e dos trabalhadores que perderam seu sustento.
Devem ser feitas cobranças específicas aos órgãos envolvidos para que a tragédias como essas não se repitam. Isso vira uma cultura quando, a partir do problema, cria-se uma série de ações que permitem deixar um legado.
A multa não é apenas pedagógica, tampouco uma vingança.
Mas, sim, uma forma de deixar claro que é inviável que ações como essas voltem a acontecer.
Muitas pessoas consideram que as punições impostas à Samarco depois da tragédia de Mariana foram muito brandas. Como o senhor avalia esse cenário?
— Existe uma legislação que permite um teto de multa, mas prefiro caminhar no sentido de que deve ser compromisso do causador combater o assoreamento de vales e cursos d'água causado por tragédias como essas.
Não é possível reconstruir a natureza.
Nós não temos o poder de “renaturalizar” o ambiente.
Mas é possível compensar e requalificar.
Enquanto não houver o desassoreamento pleno, a dívida ambiental permanece.
Enquanto os cursos d'água estiverem assoreados, a destruição do ecossistema não tiver sido ao menos abrandada, o solo não tiver sido minimamente recuperado, enquanto as pessoas que ali sofreram não tiverem sido compensadas e recebido oportunidade de recriar as suas vidas, não houve uma compensação plena.
Enquanto houver o problema, não teremos chegado a uma solução.
De que forma o poder público pode fiscalizar essas empresas privadas e evitar tragédias como a de ontem?
— O poder público deve ter um papel altivo na implantação no projeto, na construção, no uso e na desativação desse tipo de empreendimento, ou seja, fortalecer o papel das agências reguladoras.
Todo o complexo de órgãos relativos ao meio ambiente precisa ter a capacidade de cogestão nas áreas.
O poder público não é apenas um protocolo frágil, um estudo inicial.
Ele tem de reforçar seu papel de vigiar, avaliar e cobrar a qualquer agente que faça esse tipo de destruição.
O poder público deve criar um ambiente calcado na ideia de que a natureza é central e as empresas têm de preservá-la.
O que aconteceu ontem não é algo a ser estudado apenas por corpos jurídicos, mas ser estudado por uma série de especialistas em meio ambiente que existem em quantidades muito razoáveis no país e com capacidade de oferecer uma resposta qualificada à sociedade.
Quais são as consequências ambientais imediatas do rompimento da barragem de rejeitos?
— A principal consequência acontece nos corpos d'água.
Nesses casos, é praticamente a destruição da vida dos cursos fluviais.
Os rios acabam se tornando canais de propagação de problemas.
Com isso, ao mexer com o ciclo da água, a própria sobrevivência humana fica ameaçada com o impacto nas nascentes.
Além da destruição da vida fluvial, ela impacta diretamente outros ecossistemas.
Tem ainda a destruição do solo.
As imagens são reveladoras.
Esses rejeitos de extração de ferro têm uma potência muito grande, evitando que esse solo permaneça rico para eventuais plantações.
Os impactos são de difícil reversão imediata.
E tem as consequências socioambientais, direcionados às camadas mais pobres que porventura moravam nas proximidades e perdem suas casas, suas vidas e até seu cotidiano.