Lava Jato não vencerá epidemia da corrupção sozinha, diz economista 21/02/2019
- O ESTADO DE S.PAULO
É preciso tornar o risco para os corruptos maior a fim de que a corrupção se torne menor no País.
Modificações institucionais são para a economista Maria Cristina Pinotti necessárias para completar o trabalho da Lava Jato.
Combater a corrupção, não é só um imperativo ético. Ele é necessário para garantir o desenvolvimento do País e produzir uma sociedade mais justa. Sem isso, o futuro será a estagnação econômica, como a Itália, que não aproveitou a Operação Mãos Limpas para mudar.
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Essa é a tese central da economista em “Corrupção, instituições e estagnação econômica: Brasil e Itália”, parte do livro “Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas”, organizado por Maria Cristina, que contém artigos dos magistrados italianos da Mãos Limpas Gherardo Colombo e Piercamilo Davigo, dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon e do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
O prefácio é do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
Após o lançamento da obra, todos devem participar de um debate no Estado que discutirá os ensinamentos das operações.
Leia a entrevista.
Por que combater a corrupção é central para um País mais justo?
— O mau uso de recursos públicos significa que a população receberá um serviço de pior qualidade do que a quantidade de dinheiro que ela paga de impostos estaria a pressupor. Não há País que funcione sem oferta de serviço público decente, a começar da Educação, fundamental para qualquer ideia de desenvolvimento econômico. Assim também a Saúde e o Transporte.
Ações nessas áreas são formas de redução de desigualdade?
— Exatamente. As instituições que garantem o desenvolvimento também garantem a baixa corrupção. É a mesma raiz. A corrupção não causa a pobreza nem a pobreza, a corrupção. Elas têm uma raiz comum, que é a qualidade das instituições.
Quando falo em instituições, falo nas formais – as leis, regulamentos e regras – e as informais, ligadas à cultura, à maneira como as leis e os ordenamentos são encarados. Somos todos vítimas difusas da corrupção.
Seu custo é incalculável; o viaduto que cai, a criança que deixou de receber o ensino que devia e cuja educação devia ser melhor. Como quantificar isso?
A produtividade do trabalho é afetada também?
— Sim, se não se alimenta alguém na infância, o que se pode fazer depois? É por isso que é preciso redesenhar as instituições para garantir transparência no gasto público e a responsabilização de quem comete crime contra a população.
Há necessidade de regras claras, que aumentem a concorrência no setor privado e a abertura da economia que leve as pessoas a confiarem uma nas outras, o que é crucial.
Como a corrupção afeta o desenvolvimento do País?
— Há aspectos macro e micro. Os macroeconômicos mostram que ela afeta a produtividade. Com uma quantidade de dinheiro se produz menos do que seus pares, casos da Itália e do Brasil. Isso leva à estagnação da economia.
Não adianta investir se a produtividade é baixa, pois a Educação não funciona, a Saúde não funciona e as regras não são claras. Quando há um cartel, o Estado não contrata o mais eficiente, mas quem paga a maior propina.
O governo compra serviço ruim por preço alto. O efeito micro é a má alocação do recurso, com a construção de catedrais no deserto.
A corrupção não cria as condições para que seja derrotada?
— Não. A impunidade leva as pessoas ao mau equilíbrio. A grande maioria gostaria de ser honesta, mas se deixa envolver. O comportamento corrupto se estabelece pela inércia.
É preciso mudar a cultura. As operações Lava Jato e Mãos Limpas tinham condições de começar essa mudança. Estamos diante de um caso de corrupção sistêmica, que envolve todos os poderes. Não chegamos aos municípios ainda.
A hora que destampar vai encontrar coisas piores, pois é uma epidemia. Não é Lava Jato sozinha que vai vencer a epidemia. Ela vai mostrar a existência. Não é papel dela vencer e erradicar a corrupção.
Como a corrupção se tornou sistêmica no Brasil?
— Primeiro, um outro grupo subiu ao poder, com uma visão diferente, com expectativas e ideias que não acreditavam em economia de mercado e em transparência. É uma lógica, não um plano.
Há marcos de mudanças nas instituições que facilitaram o processo como o fim da cláusula de barreira, o financiamento de partidos pelas empresas, o fim da prisão após a condenação em 2.ª instância e a extensão do foro privilegiado.
Não temos uma visão de que o empreendedor é só uma vítima, quando para haver corrupção passiva é preciso ter a ativa?
— O comportamento das pessoas é determinado pelos incentivos aos quais estão submetidas. Incentivos são o outro lado da moeda das instituições.
O empresário vê essa estrutura tributária que faz com que seu produto não seja competitivo e pensa que é mais fácil ir à Brasília pedir uma benesse do que ser eficiente.
Não adianta a gente querer que não pague propina quando não tem lei e quando ela não é cumprida.
A divisão política afeta o apoio popular à Lava Jato?
— Não. A Lava Jato chegou a ter 70% de aprovação. A população vê a corrupção como questão suprapartidária.
É curioso. Sinto em alguns ambientes que a corrupção é tida como tabu, algo que não pode ser discutido, que se deve deixar como está, pois a Lava Jato está errada de fazer o que faz. Isso existe na elite.
Na população não. Ela tem mais a percepção de que a corrupção é suprapartidária.