100 dias anárquicos 06/04/2019
- Rudolfo Lago e Wilson Lima - ISTO-E
Um jantar na segunda-feira 1 que reuniu em São Paulo alguns dos principais empresários do País para conversar sobre os primeiros cem dias do governo Jair Bolsonaro acabou resultando em um grande debate sobre o nada.
De acordo com alguns dos comensais, revelou-se ali a imensa frustração do setor produtivo brasileiro com o que até agora fez o capitão reformado.
A expectativa inicial de que Bolsonaro imprimiria mudanças importantes para dar fim à era do PT no poder, fortemente marcada pela corrupção, murchou quase que inteiramente.
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Os empresários enxergam agora um presidente que parece demonstrar despreparo para o exercício do cargo.
Até, talvez, com limitações intelectuais para compreender seu papel, posando para fotos oficiais de chinelos e camiseta pirata de time de futebol.
Cercado de alguns ministros que beiram o folclórico e que protagonizam brigas tolas e desnecessárias com os chefes dos demais poderes, especialmente do Legislativo.
Além disso, se envolve em debates diversionistas e constrangedores pelas redes sociais, postando vídeos pornográficos ou mesmo questionando se o nazismo foi um movimento de esquerda ou de direita.
Enquanto isso, muito pouco ou nada se enxerga de concreto.
Fora as polêmicas desnecessárias, Bolsonaro não parece ter muito a apresentar passados três meses de governo.
De 35 metas prometidas, ISTOÉ apurou que a maior parte delas não foi implementada ou está em estudos.
Algumas, como o pagamento de 13º salário para beneficiários do Bolsa-Família, poderão vir a ser anunciadas até quinta-feira.
O fato, porém, é que tenha ou não algo concreto para apresentar, essa está longe de ser a percepção da sociedade e do meio econômico.
O setor produtivo, como ficou evidenciado no jantar da segunda-feira, já revê para baixo todas as metas que projetava para 2019.
Uma retomada do crescimento do País já está adiada para 2020.
Isso se o governo conseguir aprovar a Reforma da Previdência, algo que já começa a ser posto em dúvida.
A taxa de ociosidade média das empresas, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas, é de altíssimos 26%.
No ano passado, era de 23%, já muito elevada – um sinal da falta de confiança do empresariado em fazer novos investimentos e colocar a pleno suas linhas de produção.
O Índice de Confiança na Economia está abaixo de 100 em todos os setores – comércio, indústria, serviços, consumidor e construção.
Para a sociedade, o resultado disso é recessão e desemprego.
Na semana passada, 15 mil pessoas aglomeravam-se em São Paulo em um evento batizado de Mutirão do Emprego.
Aceitaram ficar cerca de 14 horas na fila em busca de uma oportunidade.
Segundo o IBGE, a taxa de desemprego atingiu 12,9%.
É o dobro da registrada no final de 2014, quando começaram a acender os sinais amarelos da recessão.
São nada menos que 13 milhões de brasileiros desempregados.
E, em vez de se preocupar com os números, Jair Bolsonaro reage dizendo que o método de aferição do IBGE é que está errado.
Lentes cor de rosa mascaram a visão, mas não ajudam a resolver o problema.
Dados coletados pelo próprio Banco Central mostram o viés de pessimismo da economia.
As projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) vêm sendo periodicamente surradas pelo Relatório Focus, pesquisa que o BC faz junto a uma centena de instituições financeiras.
As estimativas já caíram cinco vezes.
No último relatório, divulgado na segunda-feira, 1, a projeção de crescimento do PIB baixou de 2% para 1,9%.
É a primeira vez que aparece abaixo de 2%.
No relatório anterior, a previsão era de 2,5%.
De acordo com o economista Marcel Balessiano, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), esses números, caso não se revertam, farão com que o País chegue a 2020 com o pior crescimento em um período de dez anos dos últimos 120 anos.
Baterá a década de 1980, chamada de década perdida.
Segundo Balessiano, para que isso não aconteça, o Brasil precisaria crescer 5,7% este ano e outros 5,7% em 2020.
E é altamente improvável que isso aconteça.
No bolso dos brasileiros, aumenta a inflação.
Ainda que baixa se comparada aos padrões dos tempos de hiperinflação, o índice IPC-S subiu de 0,35% em fevereiro para 0,65% em março.
A expectativa de inflação para o ano de 2019 cresceu de 3,87 para 3,89%.
São números que produzem um clima de desalento.
Não por acaso, murcha também a popularidade do presidente, que, segundo pesquisas do Ibope, caiu 15 pontos percentuais desde janeiro.
Quando o governo começou, 49% dos brasileiros tinham uma avaliação positiva do país presidido por Bolsonaro.
Esse percentual caiu 10 pontos em fevereiro: foi para 39%.
Em março, registrou-se 34%.
A maior debandada partiu das classes C,D e E, que não vêem melhoras nos serviços públicos, no social e no emprego.
O pior é que a imagem negativa projeta-se para o Congresso.
A aprovação da Reforma da Previdência é o principal item da pauta de realizações que Bolsonaro pretende entregar.
É ela que pode garantir o retorno de um ambiente de otimismo ao setor produtivo, trazer economia aos cofres públicos e fazer o País respirar novos ares.
Mas as recentes brigas de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fizeram azedar o clima também no Legislativo.
É o que revela uma pesquisa feita pela Arko Advice, empresa de análise e consultoria.
Obtida por ISTOÉ, o levantamento revela dados preocupantes.
De acordo com as aferições, 33,95% dos deputados consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo.
Em fevereiro, esse percentual era de 22,95%.
Os partidos declaradamente de oposição somam 27% da Câmara.
Ou seja, há gente na base do governo que considera o governo muito ruim.
Impressionante é o percentual daqueles que julgam que a relação entre o governo e o Congresso é ruim ou péssima: nada menos que 60,55% – em fevereiro, o percentual era de 17,4%.
“Ninguém pode negar que o governo se envolveu em polêmicas desnecessárias e, de fato, apresentou muito pouco”, avalia o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice.