Anvisa põe em consulta cultivo de maconha medicinal 12/06/2019
- O ESTADO DE S.PAULO
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai levar à consulta pública a proposta para liberação do cultivo e da produção de maconha no País para fins medicinais e científicos.
A nova regra prevê o plantio restrito a lugares fechados por empresas credenciadas.
Associações e familiares de pacientes que, hoje, têm autorizações na Justiça para a produção do extrato de canabidiol, ficariam proibidos de manipular a planta.
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A Anvisa espera aprovar a regulamentação ainda este ano, mas há resistência dentro do governo federal.
Atualmente, a agência já permite o registro de medicamentos feitos com substâncias como canabidiol e tetrahidrocannabinol (THC), mas só um produto importado conseguiu a regulamentação.
A maioria dos pacientes que recebe prescrição médica de tratamentos com derivados da cannabis pede à Anvisa autorização para importar o produto.
Até o fim de 2018, cerca de 6 mil pacientes conseguiram a liberação.
O problema, porém, é custo. Um tratamento por três meses chega a R$ 2 mil.
Dois pontos na proposta já são criticados. O primeiro é a restrição da produção para fins medicinais em ambientes fechados, o que pode elevar o custo. O outro é a restrição de produção a empresas.
Segundo o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Elisaldo Carlini, um dos maiores especialistas em entorpecentes do Brasil, a proposta inviabiliza a pesquisa.
“Em ciência, é necessário controlar todo o processo, do plantio a produção do fármaco.”
Para o médico e presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, Leandro Ramires, a restrição às empresas manteria o mercado informal de usuários de medicamentos à base de cannabis no País.
Embora sejam cerca de 6 mil pessoas autorizadas a importar o medicamento, há estimativas de que mais de 60 mil fazem uso ilegal.
“O processo regulatório vai deixar o preço de produção muito caro”, diz.
“É importante que a regulamentação leve em consideração os pequenos empreendedores e, principalmente, associações que são, no fundo, os agentes que levaram a essa proposta de regulamentação”, afirma Rodrigo Mesquita, representando a Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas.
Já Carolina Nocetti, médica e consultora técnica em terapia canabinoide, lembra que a abertura para a discussão foi o primeiro passo em alguns Estados americanos.
A principal resistência à proposta deve vir de dentro do próprio governo.
Em maio, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou que seria “irresponsável” por parte da Anvisa liberar o uso de maconha medicinal.
Os grupos de trabalhos para a discussão foram formados em 2017, ainda sob a gestão do ex-presidente Michel Temer.
A reportagem apurou que há em curso no governo um movimento para retardar a aprovação da proposta. Capitaneada por Terra, a ideia é que o presidente Jair Bolsonaro indique um nome ligado à pasta para a vaga em aberto na diretoria da Anvisa. O indicado poderia barrar o andamento da proposta quando terminar a fase das audiências públicas, que vai durar 60 dias.
EXEMPLO
A consultora Elisabete Ferreira, de 39 anos, não aguentava mais apanhar da filha e ver a criança se agredindo.
A menina, de 11 anos, foi diagnosticada com autismo quando tinha 4 anos e meio e apresentava episódios de agressividade.
“A gente não conseguia mais sair de casa. Eu vivia com marcas e já tinha até um espaço no guarda-roupa para o meu filho mais novo se esconder.” No ano passado, ocorreu a indicação médica de um derivado de maconha. “Agora, ela é uma criança calma. Hoje, vejo um futuro para a minha filha. Consigo imaginar que ela vai frequentar a escola.”
MODELO CANADENSE
A proposta brasileira segue o modelo canadense e a produção não poderá ser ao ar livre.
As diretrizes da Anvisa só autorizam o cultivo em ambientes fechados que tiverem sistema de segurança 24 horas e a edificação reforçada com sistema de dupla porta e paredes e dutos resistentes à invasão.
As edificações não poderão ter nenhuma identificação.
A medida poderá inviabilizar financeiramente o pequeno produtor e empresas de startups, já que o custo para produção em plantio de áreas externas, em média, é de US$ 0,05 a grama; em áreas fechadas, o valor supera US$ 1, segundo empresas consultadas pela reportagem.
A normatização proposta pela Anvisa não prevê a necessidade de as empresas interessadas na produção de maconha pedirem autorização específica à Polícia Federal, mas, de acordo com a equipe técnica da agência, durante o processo de licenciamento, a Anvisa vai pedir um parecer da PF para que o órgão autorize o início da licença de produção.
Todos os registros terão a validade de dois anos, renováveis. Os responsáveis técnicos e administrativos também deverão apresentar atestado de antecedentes.
A venda e a entrega das plantas produzidas só poderá ser feita às instituições de pesquisa, fabricantes de insumos farmacêuticos e de medicamentos.
As regras de comercialização impedem, por exemplo, que pessoas físicas tenham acesso à planta de maconha de maneira legal. A medida proíbe ainda que a planta seca seja vendida e entregue para farmácias de manipulação.
Até o momento, dez empresas privadas já mostraram interesse em produzir maconha no País, conforme a Anvisa.
“Não há espaço para nenhum procedimento para que possa haver uso não medicinal desta substância”, afirma o diretor-presidente da agência, William Dib.