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DIA A DIA

Amazônia por Carlos Nobre, o bom-senso vence as bobagens
12/08/2019 - O ESTADO DE S.PAULO

Recentemente o cientista Carlos Nobre foi entrevistado pela GloboNews. O programa, do qual fizeram parte Heraldo Pereira, André Trigueiro, Natuza Nery, Cris Lôbo, Merval Pereira, e Gerson Camarotti, a Amazônia por Carlos Nobre, foi uma aula de bom-senso como há muito não se via.

Ficou patente que nunca houve políticas públicas para a maior floresta úmida do planeta.

Nobre é climatologista, pesquisador, e um grande conhecedor dos problemas da Amazônia. Como climatologista, desenvolveu estudos sobre a região há muitos anos. Há três anos lançou o conceito da terceira via amazônica que ele mesmo explica:


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O elemento inovador da terceira via é propor trazer para o seio da floresta e das comunidades as modernas tecnologias que lhes propiciarão enorme poder de gerar novos conhecimentos.

Nobre confirmou os recentes dados do Inpe que custaram a cabeça de seu diretor Ricardo Galvão, "um nome consagrado da ciência brasileira", como disse.

Como se sabe, Bolsonaro e seu fiel escudeiro, aquele que jamais pôs os pés na Amazônia até ser escalado para o ministério do Meio Ambiente, contestaram os dados sem nenhuma base científica.

Apenas "porque não gostaram". Os dados apontavam aumento de 88% no desmatamento da floresta Amazônica em junho, em comparação ao mesmo mês do ano anterior.

O presidente, em seu estilo tosco, disse que os números estavam errados. E sugeriu que o diretor poderia estar a “serviço de alguma ONG”. Em seguida demitiu-o.

Foi um quiprocó dos diabos. E, mais uma vez, mostrou o lado autoritário de Bolsonaro. Houve barulho e protestos em todo o mundo. O programa da GloboNews foi longo. Destacamos os pontos que nos parecem mais importantes.

Um deles, diz Nobre, é o projeto de Lei que está no senado e acaba com a Reserva Legal. Este é um projeto de Flávio Bolsonaro…

Nobre diz o óbvio: que estas medidas “passam para os agentes interessados uma mensagem de que no futuro não haverá punição”.

E explica como nasceu o contestado sistema Deter.

“Ele foi criado depois que explodiram os dados de desmatamento entre 2003, 2004. Foram 27 mil km2, o maior nível de desmatamento já alcançado. Naquele tempo só havia o sistema Prodes, que uma vez por ano publica seus dados. Mas aí, é tarde demais. O Prodes é um sistema pós-desmatamento".

Por isso, diz, “o ministério do Meio Ambiente solicitou ao Inpe para desenvolver o sistema Deter. Ele foi criado para dar ao Ibama informações diárias”.

Com estes dados, “a partir de 2005, houve uma enorme redução do desmatamento. O Brasil tornou-se protagonista mundial da questão ambiental.”

Sobre a agricultura brasileira, nem tão tech assim…

Instado a falar sobre políticas públicas, Carlos Nobre foi enfático:

“é preciso intensificar a agricultura sustentável. A média de ocupação do gado aqui é de 1,35 cabeças por hectare, um campo e futebol, isso é muito baixo. Pode-se jogar isso para três cabeças por hectare. Mesmo a soja, que nos últimos anos aumentou muito a produtividade, ainda é baixa se comparada à dos Estados Unidos. A nossa é metade da que conseguem os americanos.”

Nobre falou da área da agricultura e pecuária no Brasil, de 2,6 a 2,8 milhões de km2. Com a intensificação da sustentabilidade “teríamos como diminuir a área, aumentar a produtividade, e assim reduzir a pressão do desmatamento.”

Perguntado sobre "qual a estratégia do governo para a Amazônia?", a aula que já era boa, ficou ainda melhor.

“Falta, a este governo, e aos anteriores, nós, os brasileiros, nos enxergarmos como o País da maior biodiversidade do planeta. Qual o potencial econômico da biodiversidade? Este potencial é pouquíssimo explorado em todas as florestas tropicais. O potencial é muito superior a pecuária e aos grãos, mas muito mais superior. "Pegue o exemplo do açaí que gera um bilhão de dólares para a Amazônia”.

“O açaí já gera mais de um bilhão de dólares para a Amazônia. Na economia mundial, muito mais. O açaí está sendo industrializado. Os produtos da fruta foram desenvolvidos no Vale do Silício, na Califórnia. Porque lá tem ciência, tem tecnologia que transforma em produtos que todos querem consumir. É um belíssimo exemplo do caminho futuro para a Amazônia. Nós nunca tivemos esta visão. A culpa não é só deste governo. Mas o grande potencial econômico que nós temos é a biodiversidade.”

Um parêntesis. Com o caso do açaí, fica claro que nenhum governo, recente ou não, criou o que se chama de políticas públicas para a Amazônia.

O que fizeram os militares? "Integrar para não entregar", era este o lema da época. E resultou em enormes estradas, muitas vezes sem sentido, que apenas contribuíram para o desmatamento que hoje se vê.

Depois deles, os civis não foram além de tentar brecar o desmatamento com maior ou menor sucesso. Mas nenhum estudou e implementou políticas públicas que ajudem a desenvolver a região, tirando da pobreza os cerca de 20 milhões de brasileiros que vivem no que conhecemos como Amazônia Legal. E mantendo a floresta de pé.

Carlos Nobre começa a sugerir o que falta: explorar o que temos de sobra, a biodiversidade.

“Qual o futuro do Brasil?”

Para Carlos Nobre, "falta industrializar a biodiversidade. E o que fizemos? Nós nos desindustrializamos nos últimos 30 anos Existem mais de 400 produtos da Amazônia com algum uso, mas em muito pequena escala. No entanto, o açaí atingiu escala mundial. Este é o grande futuro. Sistemas florestais com açaí rendem entre US$ 200,00 e US$ 1.500,00 dólares de lucro por ano por hectare. O gado na Amazônia mais lucrativo rende US$ 100,00 por hectare.”

E conclui: “estamos indo para um caminho econômico que não faz sentido. Precisamos é de indústria, ciência e tecnologia que desenvolvam este potencial.”

Ou seja, o cientista está falando de políticas públicas coerentes para a região. Hoje, tudo que se houve é sobre o avanço da agricultura e pecuária na Amazônia, com aval presidencial.

Aquecimento global

O professor foi provocado pelos entrevistadores sobre o ceticismo de nosso chanceler, Ernesto Araújo, que não acredita no aquecimento global. Ele é seguido pelo presidente, e pelo neófito ministro, na tese.

Nobre, com extrema elegância, e esbanjando conhecimento, demonstrou o contrário.

"A ciência climática é muito bem estabelecida, a razão das mudanças climáticas são antropogênicas, ou seja, nós".

“Milhares de artigos científicos sobre o clima dizem que a razão é antropogênica. Só 0,7% deles são de pesquisadores que negam a tese.”

Em seguida comparou estes textos com outros, do final dos anos 60 quando médicos, a soldo dos fabricantes, negavam o perigo de câncer para fumantes.

"O que a gente vê nestes céticos do clima, nos Estados Unidos é muito comum, é que estão a serviço da indústria petrolífera.”

Cumpriremos nossa parte no Acordo de Paris?

“Se o País quiser, sim.”

Em seguida, Carlos Nobre falou da imensa possibilidade do Brasil voltar a ser a liderança nas questões do clima, até que Bolsonaro foi eleito. E voltou a ironizar os "negacionistas".

“Não ver o aquecimento é fazer como o avestruz. Enfiar a cabeça no chão.”

E lembrou o físico sueco, “Arrhenius, (Svante August Arrhenius, Nobel de Química de 1903) que mostrou o aquecimento global em razão do gás carbônico, em 1896. Isso é algo que a ciência domina há mais de um século.”

“Área agrícola está diminuindo no mundo. Só nos trópicos ela aumenta…”

Esta foi a grande revelação do programa. Mostrar que há enorme potencial na Amazônia, desde que se invista em ciência e pesquisa.

Carlos Nobre voltou ao tema várias vezes durante a entrevista. E mostrou que a área agrícola está diminuindo nos Estados Unidos, Europa no Japão, e até na China.

“Ela só está aumentando nos trópicos”.

E por que? Porque nestes países há grande produtividade. No Brasil, menos. Para ele há dois caminhos: explorar o potencial da biodiversidade junto com a intensificação sustentável da agricultura.

O aumento da produção nos trópicos acontece menos pela tecnologia, e mais pela expansão da área, disse.

E voltou a lembrar o caso do açaí, levado para os Estados Unidos nos anos 90 por dois surfistas que gostaram da fruta. Então, no Vale do Silício aconteceu a transformação.

Mineração em área indígena

Mais uma tese estapafúrdia de Bolsonaro. “O modelo de exploração de garimpo, não a mineração industrial, historicamente tem sido muito destrutiva na Amazônia. Quase tudo é ilegal, a atividade não gera riqueza, o fluxo de garimpeiros gera violência, e historicamente tem trazido uma série de doenças para a Amazônia que dizimam populações indígenas”.

E foi além, “a gente vê alguma explorações de minérios na Amazônia, mas o índice de desenvolvimento destas regiões não aumenta, ou aumenta muito pouco.”

E, mais uma vez, volta ao tema: “mineração associada com industrialização, intensificação sustentável da agricultura associado com industrialização dos produtos agrícolas, não só vender a maior parte dos grãos in natura. Esta industrialização, até de minérios, pode sim, ser positiva. Mas não tem sido a história. Precisamos de um novo modelo.”

Ligações durante o programa

Foi interessante perceber que o neófito ministro assistia ao programa. Às tantas Natuza Nery, em vez de pergunta, diz a Carlos Nobre que "acabara de receber mensagem de zap de Ricardo Salles", que este percebera bom-senso em suas respostas e queria um encontro. Carlos Nobre acedeu.

O acaso terá salvado Ricardo Salles?

É incrível que um rapaz de 45 anos, colocado de repente como ministro, e ignorante na área, não tenha tomado a iniciativa de procurar aqueles que passaram suas vidas estudando a matéria que desconhece.

Até agora o ministro só espezinhou a categoria. Faz questão de se indispor. Ataca e desqualifica qualquer um que não pense como ele. Não importa se são técnicos do Ibama e ICMBio, ou expoentes da academia como o recém demitido Ricardo Galvão.

No tempo que sobra, ou agride parceiros que investem na Amazônia como Noruega e Alemanha, ou desmonta o sistema de conservação, com falhas sim, mas a duras penas construído. Será que finalmente a ficha caiu?

  

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