A crise da Amazônia foi desnecessária 26/09/2019
- O ESTADO DE S.PAULO
O setor de construção, como se sabe, foi o principal atingido pela Lava Jato. Mesmo empresas que não tiveram qualquer envolvimento no escândalo, como a Racional Engenharia, sofreram.
Fundada em 1971, a construtora viu seu faturamento ir de cerca de R$ 2 bilhões, em 2013, para R$ 700 milhões, no ano passado.
Segundo Newton Simões, presidente da Racional, há sinais de melhoria, com o aumento da demanda de projetos e estudos.
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Só que ruídos, principalmente causados pelo próprio governo, têm atrapalhado uma retomada mais forte.
“Tenho ouvido de investidores internacionais que estão adorando o caminho que o País está fazendo (na economia), mas dizem que o conselho pede para esperar (decisões de investimento)”, diz ele.
“A crise da Amazônia, por exemplo, foi desnecessária. Não conquistamos nada com isso”.
A seguir, trechos da entrevista.
Como a Racional tem sobrevivido à crise?
— Entramos na crise depois de uma série de anos positivos, bastante capitalizados e sem dívida. Mas 2015 e 2016 foram muito ruins. Decidimos conservar ao máximo nosso capital intelectual, que é difícil de repor. Este ano devemos fechar em R$ 750 milhões. Tão cedo não vamos ter a rentabilidade de 2013. Nem posso querer ter com um mercado altamente deprimido como hoje. Se encolher demais, a companhia perde a essência. Então, sacrificamos a rentabilidade.
Não há sinal de retomada?
— Estamos percebendo aumento da demanda por propostas e estudos, mas ainda sem efetivação e contratação. É uma sinalização, mas ainda há incertezas, especialmente para o investidor que vem de fora. A crise da Amazônia, por exemplo, foi desnecessária. Não estamos conquistando nada com isso. Tenho ouvido de investidores internacionais que estão adorando o Brasil, o caminho do País rumo às privatizações, mas dizem que o conselho pede para esperar. Estamos fazendo a lição de casa no plano econômico e em infraestrutura, mas não vejo forte crescimento em 2020 e 2021. A retomada será gradual, principalmente porque a mudança de paradigma é muito grande.
Em que aspecto?
— Não temos mais recursos abundantes do BNDES, do Banco do Nordeste, etc. A crise foi terrível para o nosso setor, mesmo para quem não teve envolvimento com a Lava Jato. As empresas ficaram muito machucadas, não só as construtoras, mas toda a cadeia produtiva. Muitas empresas entraram em recuperação judicial, fecharam as portas ou estão tremendamente machucadas. Hoje, temos de cuidar da saúde financeira dos nossos fornecedores e arrumar funding (recursos) para continuarem operando. Temos feito coisas que nunca fizemos antes. Isso aí não vai retomar de uma hora para a outra. Pode ser que o mercado comece a oferecer mais oportunidade, mas como vamos executá-las com uma cadeia produtiva tão machucada?
O senhor acredita que a Lava Jato reduzirá a corrupção no Brasil?
— Mudar uma cultura de negócios praticada há tantos anos exige tempo. O processo foi construído em cima da ineficiência do Estado e da necessidade de rentabilidade das empresas. Se o Estado não está preparado para fazer essa gestão, cria um ambiente propício para a deterioração de valores éticos. Não acho que o Brasil vai virar uma Dinamarca. Não se muda cultura rapidamente. Cultura não dá cavalo de pau. Você pode mexer na legislação, na Constituição e fazer reformas, mas isso é a parte mais fácil – exagerando, é claro – da transformação. Mas os limites desse processo foram tão expostos que a população passou a conhecer uma coisa que não era tão pública. A população está mais consciente e os políticos precisam saber interpretar o que o povo quer. Esse é o lado positivo. Agora não sei dizer quando uma transformação ocorreria. Sou otimista, mas com pé no chão. Não vamos acreditar em Papai Noel.
Como está a carteira de projetos da Racional?
— Estamos com um portfólio de oito obras, sendo cinco para 2020. São emblemáticas, como o Siriús (projeto de fonte de luz sincroton) e o Centro de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. Nossa carteira está em R$ 1,25 bilhão. A expectativa é crescer 10% neste ano. Parece pouco, mas, com um PIB fraco, é bastante.
O juro baixo pode ajudar?
— Há uma mudança de paradigmas, com um cenário de juros baixíssimos, inflação controlada e reformas em andamento. Essas reformas são fundamentais para transformar o ambiente de negócios e, principalmente, resolver o encolhimento do Estado. Estamos bem posicionados. A Racional se modelou em cima dos atributos que começam a ser mais importantes. Estamos otimistas com a nova configuração do setor privado na economia, tendo mas protagonismo nesse ciclo.