Safra de grãos dos EUA indica um ano de ¨perigo¨ 01/04/2008
- Mauro Zafalon - Folha de S.Paulo
O mundo vai viver dias ainda mais perigosos no abastecimento de grãos neste ano. É o que mostram os dados de ontem do Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) sobre a intenção de plantio dos produtores norte-americanos para este ano.
Mesmo com o plantio de grãos avançando sobre áreas de preservação ambiental, e com estimativas de produtividade próximas a números recordes, os norte-americanos devem chegar ao final do ano-safra 2008/9 com estoques extremamente perigosos.
Se tudo der certo, os Estados Unidos terminam a safra com estoques finais de milho suficientes para apenas duas semanas de consumo -- o menor da história. Já os de soja, produto que ganhou a preferência dos norte-americanos neste ano, serão para apenas 34 dias.
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Esse cenário é ¨absolutamente dramático¨, principalmente no caso do milho, segundo Daniele Siqueira, analista da Agência Rural, em Iowa (EUA). Com o líder mundial na produção de soja e de milho tendo números extremamente apertados entre oferta e demanda, Brasil e Argentina ganham importância nesse cenário.
A safra americana só poderá ser mais bem avaliada no segundo semestre, período em que brasileiros e argentinos começam a definir o que vão plantar na safra de verão deste ano.
Sem áreas novas de plantio, os Estados Unidos estão sofrendo uma revolução nesse período de preços elevados das commodities. A soja, o produto mais atrativo neste ano, deve incorporar 4,6 milhões de hectares no plantio, que sobe para 30,3 milhões, 18% acima do registrado no ano passado. Esses dados superaram a expectativa do mercado.
Siqueira diz que a boa recuperação dos preços da soja fez a oleaginosa avançar sobre áreas de milho, algodão, pastagens e até reserva ambiental.
Rotação
Essas reservas ambientais são áreas que o governo paga para os produtores não plantarem. Em geral, os contratos são feitos por dez anos, e parte dos que estão vencendo -- 1 milhão de hectares -- não está sendo renovada devido à boa valorização das commodities.
Apesar do grande aumento da área de soja, que na verdade é uma recuperação das perdas do ano passado, ¨o quadro da soja segue apertado¨, segundo a analista da AgRural nos EUA.
Essa recuperação se deve a vários fatores, que vão desde aumento dos preços da soja a uma rotação de culturas, feita para elevar a produtividade. Pesaram, ainda, a favor da soja, os elevados custos do milho, por causa do uso de nitrogenados -- escassos e caros.
O grande perdedor nesse rearranjo do plantio norte-americano é o algodão. Nos últimos dois anos, o produto já perdeu 37% de área, ou seja, 3,5 milhões de hectares.
A área de trigo também se recupera e vai a 25,8 milhões de hectares, com aumento de 5,6%. A área de girassol sobe 4,1%, mas a de sorgo recua 4%.
Os dados do Usda trazem pressão negativa sobre o mercado no momento, segundo Siqueira. A soja caiu 5,5% ontem, e o milho subiu 1,2%. O risco climático sobre a safra, porém, deve perdurar nos próximos meses, segurando os preços.
A exemplo do milho, o Usda espera produtividade elevada para a soja -- de 47,2 sacas por hectare. Se confirmada, será a terceira maior da história e bem acima da média de 44,2 sacas dos últimos dez anos.
No caso do milho, a produtividade prevista é de 162 sacas por hectare, acima da média histórica de 148,9 sacas. Apesar da redução de área e da produção, o Usda vê ajuste entre produção e demanda.
Exportar menos
Para equacionar esse cenário, a entidade norte-americana prevê corte de 7,6 milhões de toneladas nas exportações. Entram em cena Brasil e Argentina, cobrindo esse buraco deixado pelos americanos.
O milho destinado à produção de álcool deve ficar próximo de 100 milhões de toneladas, enquanto o que vai para a produção de ração recua de 151,1 milhões em 2007 para 137,2 milhões neste ano-safra, na avaliação do Usda.
Apesar dessa estimativa do Usda, ¨quem vai definir o consumo de milho será o mercado¨, diz Siqueira. Com produção menor, o preço do milho deve subir e fazer com que muitas usinas de álcool diminuam o ritmo de produção.
A meta de consumo neste ano é de 34 bilhões de litros nos Estados Unidos. Se as usinas não produzirem o suficiente, principalmente devido aos preços, os EUA deverão importar do Brasil ou mudar a lei que regulamenta o setor, a ¨Energy Bill¨. Para Siqueira, a mudança na lei fica difícil porque este é um ano eleitoral, e a alteração contraria o interesse dos produtores de milho.