Lula diz que não renegocia tratado de Itaipu, mas Amorim admite revisão 21/04/2008
- Folha Online
A renegociação do tratado de Itaipu, assinado em 1973, foi tema de declarações contraditórias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, nesta segunda-feira, em Acra, capital de Gana (África). O reajuste do preço da energia da hidrelétrica binacional, da qual Brasil e Paraguai são sócios, foi uma das bandeiras de campanha de Fernando Lugo, eleito presidente do Paraguai no domingo.
Na manhã desta segunda, Lula afirmou que não vai alterar o tratado, como defende Lugo. ¨Nós temos um tratado, e o tratado vai se manter¨, disse depois de participar de uma reunião na Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
Ele afirmou que os dois países mantêm constantes reuniões para tratar de outros temas também polêmicos. ¨Não é apenas a questão de Itaipu, é a questão da nossa fronteira, que é muito grande, envolve vários Estados, é a questão da Ciudad del Leste¨.
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Mais tarde, porém, o ministro Celso Amorim afirmou que o Brasil pode reajustar o valor pago ao Paraguai pela energia excedente da hidrelétrica de Itaipu. Segundo Amorim, a medida já foi tomada no passado, apesar de o documento prever que o excedente de um dos sócios seja vendido ao outro pelo preço de custo.
¨Vamos continuar discutindo com o Paraguai normalmente como como ele pode obter uma remuneração adequada para sua energia. Isso é justo¨, disse o ministro.
De acordo com os termos do tratado de Itaipu, a energia gerada pela usina deve ser dividida igualmente entre os dois sócios. Mas o Paraguai utiliza apenas cerca de 5% dessa energia, quantia que é suficiente para suprir 95% de sua demanda. O excedente é vendido -- a preço de custo -- ao Brasil, onde 20% da energia elétrica consumida vem de Itaipu.
Amorim afirmou que o mais importante é que exista harmonia entre os países da região. ¨Não creio que vá haver [chantagem por parte do Paraguai]. Vai haver uma atitude normal de conversa, de encontrar soluções para um país com o qual temos uma relação muito próxima.¨
O ministro defendeu ajuda brasileira ao país vizinho. Uma das formas é a construção de uma linha de transmissão de Itaipu a Assunção, que aumentaria o acesso dos paraguaios à energia de Itaipu.
¨E um absurdo que a energia em Assunção seja ruim, mesmo o Paraguai sendo sócio da maior hidrelétrica do mundo¨, afirmou Amorim. ¨Vamos ajudá-lo a fazer linhas de transmissão importantes. É nossa responsabilidade ajudar os países mais pobres da região.¨
O frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, também disse ontem que fontes no governo brasileiro lhe asseguraram que o país poderá renegociar o tratado de Itaipu. (integra disponível para assinantes do jornal e do UOL)
O ex-bispo Fernando Lugo declarou ontem, após ser eleito, que pretende ¨discutir Itaipu ao máximo¨ --ele não descartou recorrer à Corte Internacional de Haia. Durante a campanha, ele já havia dito que os US$ 300 milhões pagos pelo Brasil ao país anualmente são ¨irrisórios¨ e defendeu um ´preço de mercado´, entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões.
Sobre a eleição, Lula disse que ainda não ligou para Lugo, mas que já mandou um telegrama dando os parabéns pela vitória. Ele afirmou que o resultado das eleições paraguaias consolida a democracia.
¨No Paraguai você tinha um partido que governava há 60 ou 70 anos. Ele venceu uma eleição muito disputada, reconhecida já por todos os outros candidatos¨, disse.
Lugo cria equipe para discutir preço da enegia
Um dia depois de eleito presidente do Paraguai, o ex-bispo católico Fernando Lugo disse que vai criar um equipe técnica para discutir ¨um preço justo¨ para a energia de Itaipu que o Brasil compra do Paraguai.
Lugo também disse que espera abrir uma ¨mesa de diálogo de técnicos¨ com o Brasil o ¨mais rápido possível¨.
¨As primeiras medidas são as de formar um equipe técnica. Assim como conversamos com o presidente Lula, e ele mostrava sua disposição, independente das posturas diversas confrontadas¨, disse Lugo.
Nesta segunda-feira, em Gana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o tratado ¨não muda¨.
Mediação
Questionado sobre o que faria se não houvesse entendimento com o governo brasileiro, Lugo levantou a possibilidade de convidar um terceiro país da região para atuar como mediador.
Na entrevista a jornalistas brasileiros nesta segunda-feira, Lugo procurou adotar um discurso moderado e disse que não recorrerá a nenhum tribunal internacional até ¨esgotar¨ a negocição com o Brasil.
Lugo também procurou evitar comparações com o presidente Evo Morales, que nacionalizou o setor de gás e petróleo na Bolívia e usou o Exército para cercar refinarias da Petrobras.
¨Acho que temos uma diferença. O tratado que temos com o Brasil é binacional. A Bolívia não tinha um tratado binacional, era um acordo com uma empresa¨, disse Lugo.
¨Por isso, nossa relação será de governo a governo, de Estado a Estado. E tomara que isso possa facilitar a busca de consenso para que seja o melhor para ambos países¨.
Governabilidade
Fernando Lugo foi eleito nesse domingo pela Aliança Patriótica para a Mudança (APC), tirando o Partido Colorado do poder pela primeira vez em 61 anos.
Apesar disso, ele diz não acreditar em problemas de governabilidade e se diz disposto a negociar.
¨Acho que agora chega o momento das grandes conversas, de alianças, dentro da aliança e no Parlamento, para que essa governabilidade seja mais eficiente.¨
Segundo Lugo, até a posse no dia 15 de agosto, será criada uma comissão de transição, com membros de sua equipe e do atual governo.
As declarações de Lugo foram feitas em sua casa, nesta segunda-feira, onde recebeu jornalistas brasileiros de calça jeans, camisa branca e sandálias franciscanas.
Lugo atendeu a imprensa na sala, decorada com pequenas bandeira do Paraguai e uma foto sua com uma frase de Paulo Coelho: ¨O mundo está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar e correr o risco de viver seus sonhos¨.