Amazônia é a ¨lixeira¨ de políticas públicas, diz economista 14/05/2008
- BBC
O economista e presidente da Assembléia Constituinte do Equador, Alberto Acosta, braço direito do presidente Rafael Correa, diz que a Amazônia tornou-se ¨uma lixeira de políticas públicas¨.
Em entrevista à BBC Brasil, o especialista em Amazônia defendeu para a região o que chama de ¨desenvolvimento glocal¨: um modelo que atenda à crescente demanda do mundo globalizado por recursos naturais respeitando as populações locais e a sua relação com a natureza.
¨Tivemos no passado um processo de depredação organizado sistematicamente pelo Estado, que transformou a Amazônia em uma lixeira de políticas públicas¨, afirmou.
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¨Nós sempre imaginamos que no subsolo da Amazônia há riquezas petroleiras e minerais, e há sim. Mas o que esses recursos geram são fluxos financeiros que não se traduzem em desenvolvimento, em reinvestimento produtivo sustentável.¨
No Equador, um país onde o petróleo - extraído da região amazônica - responde por um em cada dois dólares recebidos com exportações, o dilema é real.
O governo equatoriano tem buscado soluções para compensar a perda de receita caso proíba atividades de extração de petróleo em áreas protegidas, uma demanda freqüente entre comunidades indígenas que enfatizam sua ligação com a terra e a natureza.
¨Há 40 anos começou a fluir petróleo da Amazônia. Já extraímos mais de 4 bilhões de barris, recebemos mais de US$ 82 bilhões em termos líquidos, e o desenvolvimento não aparece em lugar nenhum. O Equador não se desenvolveu, pelo contrário. Na Amazônia a situação é mais grave do que antes.¨
¨A verdadeira riqueza da Amazônia é sua cultura, indígena ou mestiça, e sua biodiversidade. Só através da simbiose entre cultura e biodiversidade é possível aproveitar as riquezas regionais como estratégia de desenvolvimento¨, defende Alberto Acosta.
Recursos naturais
No Equador, as petroleiras estão aguardando para saber se o governo permitirá a exploração de petróleo no campo ITT, que fica no Parque Nacional Yasuní, uma área de proteção ambiental.
Os investimentos estão em marcha lenta até que a Constituinte presidida por Acosta apresente as novas regras do jogo, nos próximos meses.
O governo equatoriano diz que pode proibir a exploração em Yasuní se receber dinheiro em troca. Correa sugere um fundo internacional que garanta US$ 350 milhões ao Equador - o equivalente à metade do que o país estima que ganharia com a atividade petroleira no local.
O problema diz respeito ao Brasil porque a Petrobras é uma das interessadas na área. Em abril de 2007, a disposição para uma parceria com a estatal Petroecuador figura nos memorandos de entendimento assinados bilateralmente.
Mas na prática a indefinição tem mantido em suspenso os investimentos da Petrobras inclusive no campo 31, um bloco que fica na fronteira com Yasuní.
A única extração da Petrobras no Equador é realizada no bloco 18, e ainda assim a atividade é pequena - apenas 35 mil barris diários, em 700 mil barris diários produzidos no Equador.
¨Somos muito firmes em lutar para que não se produza petróleo da Amazônia¨, afirma Alberto Acosta, para quem a extração de petróleo é apenas um aspecto da insustentabilidade do que considera um modelo extracionista aplicado na região.
¨Por conta das atividades produtivas baseadas no monocultivo e da extração de madeira, a Amazônia tem índices de desmatamento enormes, de deterioro ambiental muito grande. Justamente nas províncias amazônicas, Sucumbíos e Orellana, se registram os maiores índices de pobreza do Equador.¨
Poder indígena
Em um livro escrito em 2005, Acosta reconheceu que seu discurso sobre a Amazônia mudou com o tempo.
De funcionário da PetroEcuador - ¨empresa à qual interessava e interessa, sem maiores preocupações ecológicas, maximizar a extração de petróleo na região¨, escreveu, fazendo um mea culpa -, ele se transformou em um dos mais duros críticos da atividade econômica na floresta.
O novo discurso acompanha as mudanças políticas no Equador, um país no qual a ascensão política da maioria indígena levou à eleição de presidentes que reivindicam soberania sobre os recursos naturais.
É o movimento étnico que encabeça, por exemplo, uma ação na Justiça que espera abocanhar da petroleira americana Chevron uma indenização de US$ 16 bilhões por danos ambientais causados pela Texaco - hoje sua controlada - em duas décadas de operação na Amazônia, entre 1972 e 1990.
Cerca de 30 mil habitantes da Amazônia alegam que foram prejudicados pela contaminação do meio ambiente e pela destruição do patrimônio cultural dos povos nativos. Espera-se que a sentença saia em 2009.
¨Os camponeses e indígenas estão assentados em áreas que serão fortemente afetadas por modelos, digamos, extracionistas de matérias-primas¨, afirma Ricardo Carrillo, porta-voz do principal partido indígena do Equador, Pachakutik.
¨O desenvolvimento econômico afeta muito os setores rurais e por isso uma das relações fundamentais do Equador tem de ser com o meio ambiente. Isso nunca foi tomado em conta.¨
¨Maldição da abundância¨
Acosta afirma que muitos países ¨estão dando um passo em direção ao ´neodesenvolvimentismo´¨. ¨É mais ou menos fazer o que se fez no passado: fortalecer o papel do Estado, impulsionar os mercados domésticos e forçar um crescimento econômico muito vigoroso¨, diz.
¨Mas em outros países há os que estamos envolvidos com mudanças, e achamos que é preciso fazer diferente. Não é fazer bem o que se fez antes, e sim fazer coisas novas, que passam, por exemplo, pelo respeito à natureza.¨
Manifestado entre palavras cautelosas, existem temores latentes de que a expansão de países maiores, e em especial do Brasil - nação com ¨marcado neodesenvolvimentismo¨, no entender de Acosta -, signifique a apropriação dos recursos naturais de vizinhos em situação de desvantagem.
¨Não quero usar um termo duro, mas poderia estar se constituindo na região uma espécie de subimperialismo, e isso não é bom para a região. Se há um país grande, que tem empresas transnacionais com práticas próprias e similares às dos países ricos, esse país não estaria dentro da lógica da integração (regional).¨
Há cerca de um ano e meio no governo, a equipe do presidente Rafael Correa ainda tenta definir na prática o modelo de desenvolvimento do país - uma tarefa simbolizada pela própria Assembléia Constituinte presidida por Acosta.
Ele diz que quer pôr em prática no Equador um modelo de desenvolvimento ¨centrado no ser humano¨, que fuja da ¨benção¨ e da ¨maldição¨ que os recursos naturais significam para os países sul-americanos.
¨Nós, como o Brasil, como a Argentina, como o Chile, somos exportadores de bens primários: cacau, banana, balsa, café, petróleo. Enquanto financiarmos nossas economias com esses bens naturais, não vamos nos desenvolver¨, diz Acosta.
¨Estamos presos na maldição da abundância. Somos países pobres porque somos ricos em recursos naturais, e não aproveitamos nossas verdadeiras capacidades, nossa verdadeira riqueza, que não está nos recursos naturais, e sim no ser humano.¨