Consumo é vilão ambiental, diz antropólogo 25/06/2008
- Eduardo Geraque - Folha de S.Paulo
Para resolver o problema ambiental nº 1 do mundo, a receita do antropólogo Emilio Moran, 61, nascido em Cuba, mas morador dos Estados Unidos desde os 14 anos, chega a ser prosaica. ¨Temos que aprender a desligar a televisão. Ela é a principal ferramenta do consumismo¨, afirma o especialista em América Latina, que há mais 30 anos investiga o desenvolvimento humano da Amazônia brasileira.
Apesar de a entrevista ter sido feita em um hotel a meio quarteirão da rua Oscar Freire (o palco das grandes grifes mundiais em São Paulo fora dos shoppings) o entrevistado, com orgulho, comenta: ¨Esta calça que estou usando eu comprei há 25 anos.¨
Moran é um acadêmico tradicional e assiste televisão. Na Universidade de Indiana, ele dirige um centro que une a antropologia às mudanças climáticas globais -- o agricultor amazônico, por exemplo, segundo uma pesquisa feita pelo grupo, não sabe se proteger contra o El Niño, porque ele não registra essas oscilações naturais ao longo do tempo.
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Pobreza amazônica
Se o modelo mundial de desenvolvimento, para o pesquisador, está errado, o da Amazônia idem. ¨Nos últimos 30 anos, o aumento do PIB da população amazônica subiu menos de 1%. Na região, quem ganha é quem já era rico em São Paulo e no Rio de Janeiro.¨
O antropólogo, que chegou à floresta no início das obras da rodovia Transamazônica, diz que pouco mudou na região. ¨Não existe infra-estrutura para o pequeno agricultor. A estrada, por exemplo, não mudou muito, continua ruim. Existe ausência de governo na Amazônia com toda a certeza.¨
Os grandes produtores, lembra o pesquisador, montam sua própria infra-estrutura e acabam fugindo do problema encontrado pelos menores.
¨Falta compromisso com a indústria regional, que poderia valorizar os produtos amazônicos. Daria, por exemplo, para fazer uma fábrica de abacaxi enlatado, ou de suco¨. São várias opções disponíveis, diz Moran, que trabalha em áreas críticas, como Altamira (PA).
A experiência acumulada no campo, inclusive nos recantos amazônicos, é que leva o antropólogo a afirmar: ¨O maior problema ambiental do mundo é o consumismo. O mercado ensina egoísmo e o indivíduo cada vez mais está centrado em si mesmo¨, afirma.
Parte do caminho para sair dessa cilada ambiental, Moran apresenta no livro ¨Nós e a Natureza¨ (Editora Senac), lançado anteontem no Brasil. ¨É um livro mais apaixonado. Experimentei a sensação de ir além dos escritos acadêmicos¨, diz.
Para reforçar seu ponto de vista, de que o modelo mundial é insustentável, Moran usa exemplos da classe média brasileira e da sociedade americana. Ambas ele conhece bem. No caso nacional, cita a história em que um filho de uma família de classe média do interior de São Paulo comentou com a mãe que eles eram pobres. O motivo era a ausência de uma televisão de plasma na sala, em comparação com a residência do vizinho.
¨Subprime¨ ambiental
¨No caso americano, a crise imobiliária é também um problema claro de consumismo¨, afirma Moran. ¨O americano, na média, está todo endividado. A maioria paga apenas os juros. Cada um tem uns US$ 20 mil em dívidas só no cartão de crédito¨. E isso, segundo ele, apenas para querer ter mais e mais. ¨No caso do mercado imobiliário, por exemplo, muitos fazem a segunda hipoteca [antes de quitar a primeira] para mudar para uma casa maior.
Segundo o antropólogo, enquanto nos anos 1950 a casa de uma família média americana tinha uma vaga na garagem e 140 metros quadrados para seis pessoas, hoje ela tem espaço para três carros e 300 metros quadrados para quatro pessoas.
E os carros, lembra Moran, queimam petróleo cada vez mais em maior quantidade, por causa do tamanho e da potência do motor. ¨Tenho feito o caminho inverso. Hoje, tenho um carro pequeno e de quatro cilindros¨, conta o cientista.
Apesar de o quadro ambiental mundial ser dramático, o antropólogo afirma ser otimista e retrata isso em seu novo livro também. ¨Se não existir esperança, o melhor é pendurar as chuteiras e ir embora.¨
Para Moran, é o consumidor individual o único que tem poder de ação de fato. ¨As pessoas podem chegar e dizer ¨não¨. Elas podem não consumir mais porque aquilo vai endividá-las e criar pressões (ambientais)¨.
Além de ensinar os filhos a lerem com um olhar crítico os comerciais, todos deveriam olhar suas gavetas, seus armários, diz ele. ¨O importante é saber que não se está sozinho. Existem milhões de pessoas no mundo que já não aceitam esse modelo (de desenvolvimento) que nos levará ao colapso.¨