Ocupantes têm 60 dias para se enquadrar no perdil da Reforma Agrária 31/07/2008
- Montezuma Cruz e Kelly Souza - Agência Amazônia
Por determinação do Ministério Público Federal o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reuniu dados do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e constatou o não-enquadramento de milhares de produtores no Acre, Amazonas, Mato Grosso e Pará dentro do perfil exigido para ser cliente da reforma agrária. Em seguida, enviou uma notificação aos proprietários de lotes, concedendo-lhes prazo de 60 dias para se regularizem, sob pena de perder a terra. A decisão causou uma situação angustiante a famílias de agentes de saúde, professores, técnicos de diferentes setores, políticos de pequenas cidades e até aposentados que já eram proprietários antes de assumir novas funções ou profissões.
Não se conhece um número exato dos que se sentem prejudicados, mas sabe-se que cerca de 70% dos titulados pelo Incra não possuem registro da terra em cartório. Em Sena Madureira (AC), a 144 quilômetros de Rio Branco, no Vale do Purus, por exemplo, cerca de 200 propritários receberam a notificação e existem outros 4 mil em todo o estado que não se encaixam no perfil atualmente exigido pelo Incra. Em Tapurah (MT), 433 quilômetros ao norte de Cuiabá, a sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais ficou cheia esta semana. Cerca de 50 pessoas notificadas apelaram à entidade para esclarecer sua situação.
Segundo o advogado Valmir Fogaça, o clima é preocupante. ¨As notificações expedidas pelo Incra chegaram na semana passada à cidade e a maioria é endereçada a agentes de saúde, professores e outros profissionais que são produtores rurais antes mesmo de assumir alguma função no serviço público. Alguns já obtiveram financiamentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e ficaram pasmos com esse procedimento¨. Fogaça disse que buscará apoio parlamentar, a fim de esclarecer a situação e minimizar ¨possíveis prejuízos¨ aos proprietários. ¨São pessoas conhecidas, legítimos donos, trabalhadores que ainda estão na lida e certamente poderão ficar muito mais¨, ele justificou.
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Rigores do Incra
Procurado por assentados do Projeto Favo de Mel, em Sena Madureira, o deputado Fernando Melo (PT-AC) pediu audiência ao diretor de Programas do Incra, Raimundo Lima, com quem constatou que a situação desses proprietários ¨contraria o que determina as normas para concessão de lotes em projetos de assentamento¨. De acordo com a autarquia, ¨nenhum assentado pode ter vínculo empregatício com órgãos públicos, não possuir outra terra, e por isso a maioria dos produtores recebeu a notificação que estabelece um prazo legal de dois meses para se justificar, sob de pena de perdê-la¨. No entanto, o deputado acredita que houve uma precipitação do Incra.
Melo procurou o prefeito de Sena Madureira, Nilson Areal (PL), que se encarregou a assessoria jurídica da prefeitura a estudar caso a caso e oferecer justificativa à Superintendência Estadual do Incra. Segundo o parlamentar, mesmo com essa medida, constatou-se um clima de insegurança entre os antigos proprietários. ¨São pequenos lotes e muita gente encontra dificuldade em responder às notificações¨, ele explicou.
As famílias assentadas no projeto Favo de Mel estão no projeto de assentamento há mais de 20 anos, já investiram na propriedade, e agora estão preocupadas com a possibilidade de serem retiradas do local. ¨Eu comprei a terra, e só dois anos depois é que passei no concurso para professor¨, justifica Edmar da Silva, que trabalha no Ensino Fundamental.
¨Todo mundo tinha certeza que era dono¨
A explicação do professor Silva é ouvida de outros assentados. Há casos em que o executor da mão-de-obra rural no projeto é o cônjuge do assentado. No entanto, a maioria deles possui o título da propriedade concedido em 2001. O documento com a assinatura do então ministro do Desenvolvimento Agrário no governo FHC, Raul Jungmann, assegura o direito à posse. ¨Todo mundo aqui tinha certeza de que era realmente dono da sua terra e agora vem o Incra ameaçando tomar¨, desabafou José Ader, um dos notificados.
Em conversa com o deputado fernando Melo, o diretor de Programas do Incra, Raimundo Lima, tranqüilizou os proprietários. Disse que o cliente da reforma agrária que tiver filho terá oportunidade de regularizar a situação com maior rapidez, facilitando adiantar-se na fila de inscrições, caso ela existir na região dele. ¨Essa regularização se dará por meio da transferência do lote ao novo beneficiário.¨, explicou.