Governo faz mais concessões a ruralista endividado 05/08/2008
- Blog de Josias de Souza - Folha Online
Em solenidade no Planalto, o governo anunciou, em 27 de maio, a maior operação de socorro ao setor agrícola da história.
O pacote de auxílio aos inadimplentes embrulhou em papel de seda dívidas estimadas em R$ 75 bilhões. Nas mãos de cerca de 2,8 milhões de agricultores.
Autorizou-se a rolagem até das dívidas já inscritas no Cadin, um cadastro de inadimplentes que funciona como uma espécie de Serasa oficial do governo.
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O refresco foi acomodado numa medida provisória, a MP 432/08. Tem 35 páginas. Na Câmara, foi confiada à relatoria de um produtor rural: Luís Carlos Heinze (PP-RS).
Nesta segunda (4), sem alarde, Heinze visitou o prédio do ministério da Fazenda. Estava acompanhado do líder de Lula na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS).
A dupla reuniu-se com prepostos do ministro Guido Mantega. Saiu do encontro com concessões que transformam o socorro aos endividados de algo bom em coisa muito melhor.
A MP de Lula previa que, depois de renegociar suas dívidas, os agricultores encalacrados teriam cinco anos para quitá-las. O prazo será esticado para dez anos.
O governo concedera abatimentos nos passivos rurais que variavam de 40% a 75%. Agora, o alívio vai chegar a notáveis 80%.
O relator Heinze queria mais. Reivindicou uma queda nas taxas de juros da renegociação. Na MP, previu-se Selic, a taxa de juros oficial do Banco Central. O deputado pede 6,75% ao ano.
A Fazenda achou que era demais. De fato, cedendo neste ponto, o governo se arrisca a fazer do agricultor que honrou os seus débitos em dia um autêntico imbecil.
Heinze promete fechar o seu relatório ainda nesta nesta terça (5). Haverá na Câmara uma reunião de líderes, para deliberar sobre o dia em que a MP do calote agrícola será votada.
A bancada ruralista, estimada em cerca de 80 deputados –quase cem, se incluídos os simpatizantes da causa—, tem pressa. O presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), também tem pressa.
Antes das novas concessões, o governo estimara em R$ 1,2 bilhão o prejuízo resultante da mãozinha dada aos agricultores pendurados nos bancos. Bancos oficiais, na maioria dos casos.
Não se sabe por ora quanto será acrescido à cifra depois da reunião realizada na Fazenda. Na opinião do governo, o esforço é justificável.
Alega-se que, em meio a uma crise mundial de alimentos, o Brasil precisa tonificar a sua produção doméstica. E o endividamento do setor agrícola ameaçava esse objetivo estratégico.
Em maio, nas pegadas do anúncio do pacote, o ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) dissera que as medidas representavam uma ¨solução definitiva¨ para o endividamento agrícola.
Tachara de “preconceituosa” a visão segundo a qual ¨os agricultores são caloteiros¨. Dissera: ¨Mais de 90% dos que não pagam não têm condições de pagar. O desvio é pequeno.¨
O diabo é que qualquer dono de padaria, também um produtor de alimentos, quando está endividado, só tem duas alternativas: ou paga ou fecha as portas.
No caso dos agricultores, beneficiados com sucessivas ¨soluções definitivas¨ ao longo da história, concede-se a regalia de ficar endividado até a raiz do seu, do meu, do nosso cabelo.