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Por que os pobres pagam mais impostos que os ricos no Brasil?
26/08/2008 - Folha Online

O jornalista Gustavo Patu, coordenador de economia da sucursal da Folha em Brasília, explica a distorsão causada pela cobrança desses impostos no livro ¨A Escalada da Carga Tributária¨.

¨Na tributação sobre o consumo, quanto menor a renda, maior será a parcela tomada pelo Estado¨, explica o autor.

Leia abaixo a reprodução de trecho do livro e entenda por que os pobres pagam mais impostos que os ricos no Brasil:


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¨Milionários, ricos, remediados e emergentes percebem as distorções do sistema tributário brasileiro, mesmo quando têm coisas mais divertidas em mente, ao fazer compras em Miami ou algum outro destino turístico nos EUA. Podemos não conhecer a miríade de tributos indiretos embutidos aqui no preço de uma calça jeans ou um aparelho de DVD, mas é fácil notar que os produtos de lá são muito mais baratos, e a diferença é maior quanto mais sofisticado for o artigo comprado. A carga tributária americana não apenas é bem menor que a brasileira, mas também concentrada em tributos diretos, sobre a renda e, em proporções bem menores, a propriedade. Os tributos sobre o consumo, que respondem por metade da arrecadação no Brasil, são apenas 17% da receita pública nos EUA. Lá, essa modalidade praticamente se limita às sales taxes, cobradas pelos governos locais apenas nas vendas do varejo e cujo valor - como todo turista já pôde testemunhar - é informado sem rodeios ao consumidor.

Na Europa desenvolvida, a tributação do consumo é mais importante na arrecadação, mas nada que se aproxime do padrão brasileiro. Na Suécia, terceiro lugar na Copa de 1994 e campeã mundial de carga tributária, os impostos embutidos nos preços dos bens e serviços são apenas um quarto da arrecadação do governo, mesma proporção da França, Bélgica, Itália e Suíça. Na casa dos 30%, 35%, estão Reino Unido, Holanda, Finlândia e Dinamarca. No topo da lista, Islândia, Portugal e Eslovênia chegam aos 40%. No resto do mundo desenvolvido, a proporção fica pouco abaixo dos 20% no Japão, dos 30% na Austrália e dos 35% na Coréia do Sul; no Canadá, são 25%. Os percentuais eram bem mais altos 50 anos ou um século atrás; a arrecadação baseada na tributação direta da renda é uma tendência recente na história e só está consolidada nos países mais ricos, onde, é óbvio, há mais renda. Tributar a renda não é só mais difícil politicamente: também exige mais burocracia, mais funcionários, mais fiscalização.

Por isso, ainda é comum encontrar nos países das regiões menos prósperas do mundo governos que se mantêm graças à tributação indireta. O que não há nessas regiões é um Estado tão grande como o brasileiro, que consome mais de um terço da renda nacional. Com uma tributação sobre o consumo equivalente a algo como 18% do PIB, o país só tem alguns poucos e exóticos rivais no planeta, casos da semigelada Islândia e da turbulenta Turquia.

As conseqüências dessa anomalia não se resumem às bugigangas trazidas pelos turistas dos EUA ou à muamba dos sacoleiros que chegam do Paraguai. Os produtos nacionais, mais caros, perdem mercados no exterior, em especial os mais elaborados, que passam por diversas etapas de produção. Também é mais difícil comprar máquinas, veículos e equipamentos destinados a ampliar a capacidade produtiva do país, apesar do consenso geral contrário à tributação dos investimentos. Pequenos varejistas se tornam camelôs para escapar dos tributos; grandes estabelecimentos contratam escritórios especializados em busca de brechas na legislação. Um estudo conduzido pelo Banco Mundial e pela PricewaterhouseCoopers apontou que, no Brasil, empresas de médio porte gastam em média 2.600 horas por ano com a papelada necessária para o pagamento de impostos e contribuições. Em segundo lugar no ranking global, com 2.085 horas, vem a Ucrânia, uma ex-república soviética.

Mas não são os empresários quem têm mais a reclamar. Nem os ricos. Do milionário ao miserável, a tributação direta é decrescente. O primeiro está sujeito a um Imposto de Renda muito próximo do teto de 27,5%; o segundo não paga nada; entre um e outro, a combinação de alíquotas e deduções garante um sistema progressivo de tributação, no qual quem pode mais paga mais, e não apenas em valores absolutos - os mais abonados também têm de sacrificar uma parcela maior de seus ganhos para manter o Estado. Na tributação sobre o consumo acontece o exato oposto: quanto menor a renda, maior será a parcela tomada pelo Estado. Quem compra um par de sapatos por R$ 40 está pagando algo como R$ 16 em impostos e contribuições, seja qual for sua condição social. Para um grande banqueiro, é virtualmente nada; para o funcionário que recebe o maior salário autorizado no serviço público brasileiro, trata-se de 0,07% de sua renda mensal; para a empregada doméstica são 3,9% do salário mínimo; para a mãe de cinco crianças e adolescentes em situação de extrema pobreza são 9,3% do maior benefício pago pelo programa Bolsa Família.

Um estudo divulgado pelo Ministério da Fazenda em 2003 apontava que os 10% mais pobres da população destinavam perto de 30% de sua renda ao pagamento de tributos, indiretos na quase totalidade; para os 10% mais ricos, a tributação total, direta e indireta, não chegava a um quarto da renda. Números diferentes foram obtidos por outros estudos e outras metodologias, nenhuma delas capaz de calcular com precisão indiscutível o peso de todos os tributos, alíquotas e regras existentes. De consensual, sabe-se que os pobres brasileiros arcam com um custo desproporcionalmente alto para o financiamento do Estado e dos programas sociais que, ao menos em tese, deveriam beneficiá-los em primeiro lugar.¨

  

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