Aquecimento já chegou às lavouras 03/09/2008
- Tânia Rabello e Fernanda Yoneya - O Estado de S.Paulo
Em meados da década de 90, pesquisadores do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) começaram a perceber que as lavouras de feijão no Estado já não estavam tão produtivas quanto antes. Onde antes havia alto rendimento, começaram a ocorrer perdas de até 60% da safra.
¨Altas temperaturas em outubro, na época de florescimento, em sucessivos anos, provocavam o abortamento das flores, impedindo a formação de vagens¨, conta a pesquisadora em Melhoramento Genético do Iapar, Vania Moda. ¨As variedades de feijão preto, mais sensíveis ao calor do que as do grupo carioca, sofriam mais perdas¨, diz.
O café foi outra lavoura que passou por grandes alterações decorrentes de temperaturas acima do normal em regiões tradicionalmente produtoras. ¨O Estado de São Paulo, que era grande produtor, reduziu em quase 60% sua área plantada com café a partir da década de 90¨, diz o chefe da Embrapa Informática Agropecuária, Eduardo Delgado Assad. ¨As regiões mais quentes do Estado foram perdendo café.¨
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Segundo Assad, que também é especialista em agrometeorologia, todas as medições de temperatura mais antigas disponíveis no Brasil indicam a tendência de aumento de temperatura. ¨As estações de Campinas (SP) e Pelotas (RS), por exemplo, que medem a temperatura há mais de cem anos, mostram essa tendência¨, diz Assad.
Aquecimento incontestável
O pesquisador destaca, no trabalho Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira, feito com o professor Hilton Silveira Pinto, da Universidade de Campinas (Cepagri/Unicamp), e apresentado recentemente em São Paulo (SP), que ¨com os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de 2001 e 2007 e inúmeros trabalhos científicos produzidos recentemente admitiu-se que a mudança climática é um fato praticamente incontestável e que se deve principalmente à ação humana.¨
Traça, ainda, cenários para a agricultura brasileira para os anos de 2010, 2020, 2050 e 2070, caso o aquecimento global avance. ¨Por um lado espera-se que a elevação da temperatura promova um aumento na evapotranspiração vegetal e, conseqüentemente, um aumento na deficiência hídrica, com reflexo direto no crescimento do risco climático (para as lavouras)¨, relatam. ¨Por outro, com o aumento das temperaturas ocorrerá redução no risco de geada, o que permitirá que áreas hoje restritas ao cultivo de plantas tropicais sejam favoráveis no futuro.¨
Segundo os pesquisadores, as culturas que deverão sofrer os maiores impactos são soja, milho e café. Já a cana deve ter expansão de área. ¨A dinâmica climática deve causar uma migração das culturas adaptadas ao clima tropical para áreas mais ao Sul do País e de altitudes maiores, para compensar a elevação da temperatura¨, relatam.
Deslocamento
Assim, poderá haver um deslocamento das culturas de café e cana para áreas de maiores latitudes. O café, por exemplo, poderia voltar ao Paraná, pois o risco de geada seria reduzido. ¨Em compensação, o aumento da temperatura e da deficiência hídrica deverão expulsar definitivamente a soja do Rio Grande do Sul, Estado que já é considerado de alto risco para a cultura¨, diz Assad.
¨No cenário menos pessimista, o impacto negativo do aquecimento global na produção agrícola deverá ser da ordem de R$ 6,7 bilhões em 2020, chegando a R$ 11,4 bilhões em 2070¨, relatam os autores do trabalho. ¨Já no cenário mais pessimista, o impacto negativo no valor da produção deverá ser de R$ 7,4 bilhões em 2020, chegando a R$ 14,9 bilhões em 2070.¨
O pesquisador adianta, porém, que a atual taxa de emissão de dióxido de carbono na atmosfera - um dos gases do efeito estufa, juntamente com o metano e o óxido nitroso - já está acima da linha do pior cenário previsto no trabalho.
¨Para não chegarmos ao pior cenário, temos de adotar, desde já, práticas conservacionistas e de mitigação de gases do efeito estufa na agricultura¨, diz Assad. ¨Entre elas, o plantio direto, integração lavoura-pecuária e sistema agrossilvipastoril¨, diz. ¨Além, é claro, de acabarmos com as queimadas e o desmatamento¨, continua. ¨Só com essas medidas passaríamos de quinto maior emissor de gases do efeito estufa para a 18ª posição¨, garante Assad.
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