China tem fôlego para enfrentar a crise, diz analista 22/09/2008
- Cláudia Trevisan - O Estado de S.Paulo
Ninguém vai escapar dos impactos do furacão financeiro provocado pela crise das hipotecas nos Estados Unidos, mas alguns conseguirão sair da tempestade com menos danos. A China está entre os países com mais fôlego para enfrentar a turbulência, mas não tem tamanho suficiente para substituir os Estados Unidos como motor da economia mundial, diz Stephen Green, economista-sênior do Standard Chartered para a China, considerado um dos mais lúcidos analistas do país. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado na sede do Standard Chartered em Pudong, centro financeiro de Xangai.
A China continuará a crescer, apesar da crise financeira mundial?
- Independentemente do que aconteça nos Estados Unidos ou no mundo, a China ainda tem razões estruturais para crescer. Existe o processo de urbanização, com as pessoas se mudando para as cidades, um elevado nível de poupança que financia os investimentos, um alto nível de educação entre a força de trabalho e ganhos em produtividade, com novos investimentos em tecnologia e pesquisa e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, há choque cíclico de curto prazo que afeta a economia chinesa atualmente, que é visível principalmente no setor exportador. Se olhamos os números do ano passado, cerca de 2,5 a 3 pontos porcentuais do crescimento do PIB vieram das exportações. Portanto, na medida em que as exportações caiam, veremos um impacto, que será maior nos próximos seis meses do que nos primeiros seis meses do próximo ano. O que veremos é: a China cresceu 12% no ano passado e, neste ano, vai crescer de 9% a 9,5% e, em 2009, em torno de 8% a 8,5%. Um pacote de estímulo fiscal deverá ser lançado nos próximos dois meses e o governo pode levar os bancos a aumentarem seus empréstimos. Há medidas que o governo pode utilizar. O país não vai entrar em colapso se crescer 7% ou 8% ao ano, mas não será como nos últimos anos.
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Para um país que exporta commodities para a China, como o Brasil, o que essa desaceleração pode significar em termos de demanda e de preços?
- Há dois tipos de commodities. Uma é relacionada aos investimentos, como aço, minério de ferro, alumínio, cobre. E há outras, como a soja. No caso de investimentos em infra-estrutura, houve desaceleração acentuada em construção, o que tem impacto sobre a demanda. Acredito que isso deverá se estabilizar no próximo ano. No médio prazo, há uma desaceleração, mas continua a existir uma demanda fundamental, que se estabilizará. A soja é relacionada a porcos, e porcos são relacionados a pessoas comendo carne, o que tem a ver com aumento de renda. É muito mais difícil ver a demanda desacelerando nesse caso, já que as pessoas atingem um certo nível de renda e ficam acostumadas a um nível de consumo.
Com a desaceleração econômica nos Estados Unidos, em que medida a China poderá ser o motor do crescimento mundial?
- Não acredito que a China seja muito um motor, para ser honesto. A economia americana representa cerca de 35% da economia mundial e a China ainda tem um terço do tamanho dos Estados Unidos, o que dá de 8% a 10% da economia mundial. Além disso, se olhamos a estrutura econômica dos Estados Unidos, vemos de 70% a 80% de serviços e o resto formado por importações para consumo. Eles importam quase tudo o que consomem, o que cria demanda na China. A demanda da China tem mais a ver com investimento. Se a China continuar a crescer, isso vai originar crescimento em lugares que exportam commodities, mas em relação aos outros setores, é difícil ver a China provocando um impacto significativo.
A desaceleração nos Estados Unidos tem um impacto muito maior sobre o mundo do que o crescimento na China?
- Sim. Se você olhar para a Ásia em geral, na China, 70% da demanda é interna e 30% externa. Na Malásia, 50% é interna e 50%, externa. Cingapura e Hong Kong são muito mais dependentes do mundo externo. Comparada a outros países, a China é relativamente protegida, porque 70% de sua demanda é doméstica. A China vai desacelerar, mas não tanto quanto Malásia ou Tailândia no cenário atual. A China vai se sair relativamente bem, comparada a outros países.
Alguns economistas afirmam que essa crise é muito mais dos países ricos do que dos emergentes. Países emergentes poderão crescer, mesmo com a crise financeira?
- É uma crise do setor financeiro americano e claramente o problema estava no setor imobiliário dos Estados Unidos. Houve uma terrível falta de gerenciamento de risco, tanto por parte dos bancos quanto das autoridades reguladoras. A crise está claramente lá. Quando olhamos para os mercados emergentes, vemos que estão relativamente protegidos da crise financeira. Claro que, quando o custo do dinheiro sobe nos Estados Unidos, sobe em todo o lugar. Mas a chave, especialmente para a China, é o impacto da crise financeira sobre as empresas americanas e o mercado imobiliário residencial. Como há falta de liquidez nos Estados Unidos, os bancos não estão emprestando para ninguém. Nesse ambiente, o consumo será afetado. Na medida em que o consumo cai, qualquer país exportando para esses mercados enfrentará um período difícil. A principal chave de transmissão da crise é pela economia real, pela demanda de exportações. Países que são muito dependentes de exportações ou têm economias muito abertas, como Malásia e Cingapura, vão sofrer mais. China, Índia e, talvez, Brasil são países com grandes mercados domésticos, que serão menos afetados e poderão crescer.
Esta é a pior crise desde a Grande Depressão de 1929?
- Se a AIG (American International Group, maior seguradora dos EUA) não tivesse caído, poderíamos dizer: não, os anos 30 foram piores, os 70, com o choque do petróleo, foram terríveis. Mas, agora que a AIG se foi, estamos nos perguntando quem será o próximo. Provavelmente podemos dizer que as pessoas estão mais preocupadas agora do que em qualquer outro momento, incluindo os anos 30, em relação ao sistema financeiro. Ninguém sabe como vai terminar. A AIG era uma das maiores seguradoras do mundo. E elas supostamente são seguras, certo? Se olharmos para a economia real nos Estados Unidos, tivemos 3% de crescimento no segundo trimestre. Há uma perda de empregos, mas não é um desemprego massivo, os salários ainda estão subindo. Não parece como uma crise econômica - ainda. Em seis meses, em razão do impacto do setor financeiro, é possível que as coisas fiquem muito piores antes de melhorarem.
Há alguma chance de as coisas não piorarem?
- Não. A questão é o quanto vão piorar. Nossos economistas nos Estados Unidos têm sido bastante pessimistas. Há seis meses, começamos a dizer que o Federal Reserve (BC dos EUA) teria de cortar juros no fim deste ano ou no começo do próximo. Continuamos com a mesma visão e acreditamos que o Fed terá de cortar o juro dos atuais 2% para 1%. Vamos ver aumento no desemprego e dezenas ou centenas de pequenos bancos nos Estados Unidos quebrando. A economia americana vai piorar e vai demorar de 18 meses a 24 meses para se recuperar. É claro que o mundo vai sofrer o impacto disso.
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Quem é: Stephen Green é economista-sênior do Standard Chartered em Xangai, formado pela Universidade de Cambridge, com PhD pela London School of Economics e comentarista das redes CNN e BBC