Crise financeira e política externa dominam debate nos EUA 27/09/2008
- Agências internacionais
A crise financeira que atinge os Estados Unidos abriu o primeiro debate entre os candidatos presidenciais americanos Barack Obama e John McCain, e prosseguiu com a temática inicial do debate, a política externa.
Questionado pelo mediador do encontro, Jim Lehrer, sobre o posicionamento de cada um sobre o colapso econômico, o senador democrata atacou diretamente as políticas do presidente George W. Bush, afirmando que o país está ¨num momento decisivo¨ provocado pelo governo apoiado por McCain, e pediu por rápidas mudanças. O republicano reforçou os esforços bipartidários para a solução da crise e pediu pela aprovação no Congresso do plano de US$ 700 bilhões proposto pelo governo para socorrer o mercado.
Segundo o jornal The New York Times, o republicano tentava se distanciar não apenas do presidente Bush, mas também de seu próprio partido, com a declaração: ¨Nós republicanos fomos para o poder pada mudar Washington, e Washington nos mudou¨. McCain declarou que o fato dos candidatos estarem lá ¨como americanos, não republicanos ou democratas¨ para discutir a economia representa ¨o início do fim¨ do problema. Já Obama destacou que é preciso se perguntar ¨como nos colocamos nessa situação pela primeira vez?¨, em alusão às políticas de Bush para o mercado. No entanto, Obama se mostrou otimista ao plano de resgate aos mercados de US$ 700 bilhões. ¨Estou otimista sobre a capacidade de nós nos unirmos com um plano¨. ¨Nossa nação está envolvida em duas guerras e existe a crise financeira. Temos que garantir que o contribuinte receba de volta o seu dinheiro que for usado no pacote¨, disse Obama.
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Ainda sobre economia, McCain afirmou que deixará os gastos sob controle. ¨Vetarei cada projeto de lei que traga gastos que vier à minha mesa¨, disse. Obama atacou dizendo que o rival está propondo um corte de impostos de US$ 300 bilhões para os ricos. Perguntados quais propostas da campanha os candidatos teriam de abrir mão se o Congresso aprovasse o plano. Obama reconheceu que terá que fazer decisões difíceis caso se torne presidente diante da crise. ¨Eu sei que isso representará cortes de gastos, mas o importante aqui são valores. Se cortamos US$ 300 bilhões em impostos para empresas que não precisam desse corte e falta verba estatal, então há algo errado¨, afirmou o senador, defendendo o fim de incentivos fiscais para grandes empresas.
McCain acusou o rival de querer aumentar os impostos, em particular das empresas, que, segundo o republicano, já possuem algumas das maiores taxas fiscais do mundo. Ele sugeriu um congelamento em todos os programas federais, com exceção da defesa, dos pagamentos e benefícios aos veteranos de guerra e questões como pagamento de aposentadorias da Seguridade Social e gastos no orçamento do Medicare, o programa de saúde. O republicano também afirmou que o democrata aumentaria os gastos do governo em cerca de US$ 100 bilhões com a liberação de novas emendas orçamentárias.
Iraque e Afeganistão
Questionados sobre qual seria a lição tirada do Iraque, McCain afirmou que a incursão americana no país é um sucesso, enquanto Obama respondeu que ela foi errada. Segundo Obama, o país perdeu ¨quatro mil vidas, e o mais importante: a Al-Qaeda está ressurgindo¨. McCain destacou os êxitos da guerra, como a queda nos índices de violência, e disse que o próximo presidente ¨terá que decidir como e quando sair do Iraque e do Afeganistão¨, criticando o proposta de saída rápida de Obama. O democrata replicou: ¨McCain está certo ao dizer que a violência está diminuindo, mas com uma estratégia de contenção de danos¨ da ação americana no país, o que segundo o democrata, não representa solução. ¨Vocês disseram que haviam armas de destruição lá. Não tinha. Vocês estavam errados¨, atacou Obama.
Enquanto Obama dizia que ¨não precisamos de mais tropas contra Osama Bin Laden¨ e defendia o uso das forças militares ¨com sabedoria¨, McCain acusou Obama de não entender a diferença ¨entre uma tática e uma estratégia¨, e sugeriu que Obama visitasse o Afeganistão. ¨Se estivermos bem protegidos no Iraque, estaremos a salvo. Senador Obama não entende a conexão disso¨, afirmou o senador republicano. MCain disse ainda que ¨se estivermos bem protegidos no Iraque, estaremos a salvo. O senador Obama não entende a conexão disso¨. Obama respondeu com uma risada.
Sobre o papel do Paquistão na luta contra o terrorismo, as posições dos candidatos se inverteram: Obama se colocou ao lado de Bush, que autorizou ataques na fronteira afegã, enquanto McCain disse ¨que não estava preparado para ameaçar¨ o Paquistão, aliado americano, dizendo que era preciso apoiar o país.
¨Se os EUA têm a Al-Qaeda, Bin Laden e seus militantes na mira, e se o Paquistão não atuar o foi incapaz de agir, então deveremos eliminar a insurgência¨, afirmou Obama. McCain acusou Obama de defender o bombardeio do Paquistão, aliado dos EUA na guerra ao terror, mas cujas relações com Washington estão estremecidas, após as constantes incursões americanas contra o Taleban em território paquistanês perto da fronteira afegã.
¨Ninguém falou em atacar o Paquistão¨, disse Obama. ¨Durante dez anos, apoiamos Musharraf e alienamos o povo paquistanês e gastamos lá US$ 10 bilhões¨, disse Obama, que disse que a ajuda ao Paquistão precisa ser reavaliada. O republicano ressaltou que não apoiaria uma política de ataques contra o Paquistão, e que não é a favor de cortar a ajuda ao governo paquistanês por falta de cooperação por não combater eficientemente os militantes que usam o país como base para organizar a insurgência no Afeganistão. Temos que apoiar o povo do Paquistão e ajudar o governo paquistanês. Precisamos conseguir a cooperação do povo paquistanês na luta contra a Al-Qaeda e o Taleban¨, disse McCain.
Regime iraniano
Perguntados sobre o Irã e a questão do programa nuclear desenvolvido pelo país, McCain não repetiu seus argumentos anteriores de que seria melhor atacar Teerã ao invés de viver com uma bomba atômica iraniana. McCain utilizou o argumento de Bush: negociar diretamente com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, poderia torná-lo ¨legítimo¨. Sua posição era de não se sentar com os iranianos até encontrar ¨pré-condições¨. Segundo o New York Times, essa foi a política do governo americano desde 2006: o governo Bush se recusou a negociar com o Irã até que eles suspendessem a construção de centrífugas que produziam urânio.
¨Barack Obama disse em debates anteriores que se sentaria para negociar sem condições prévias com líderes como o cubano Raúl Castro, o venezuelano Hugo Chávez, e o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que hoje, por certo, na ONU falou de exterminar o Estado de Israel¨, disse McCain. ¨O que Obama não entende é que se sentar na mesa com pessoas como essas é perigoso¨, ressaltou o republicano, em alusão a Ahmadinejad. ¨Obama disse duas vezes em debates que ele sentaria ao lado de Ahmadinejad¨, afirmou McCain. ¨E Ahmadinejad está agora em Nova York, falando sobre destruição¨. McCain afirmou ainda que o Irã com armas nucleares desencadearia a ameaça de um ¨segundo Holocausto¨ contra judeus israelnese e provocaria uma corrida armamentista na região.
Obama respondeu afirmando que negociar não se tratava de um convite para tomar chá, e reforçou o direito de sentar para negociar ¨com quem achar melhor e no momento que desejar¨. O democrata insistiu na discussão diplomática, afirmando que ela pode não funcionar, mas será um argumento para impor novas sanções ao regime iraniano. ¨Meu compromisso é de me encontrar com qualquer pessoa que seja preciso se isso ajudar a manter o país seguro¨.
O democrata afirmou que a Guarda Revolucionária Iraniana, a força de elite do governo de Teerã, é terrorista. ¨O Irã apóia financeiramente o Hezbollah, o Hamas, não podemos incentivar uma guerra nuclear. Precisamos de sanções mais duras, e precisamos de cooperação com a Rússia e a China para isso. Temos o interesse de garantir que o Irã não tenha armas nucleares, mas precisamos incentivar o diálogo. Cortar relações diplomáticas nunca ajudou¨, afirmou.
Relações com a Rússia
Sobre a situação de instabilidade provocada pela incursão russa na Geórgia, Obama disse que os EUA devem ser cautelosos, e que os EUA devem lidar com Moscou considerando os interesses de segurança nacional de Washington. ¨Nossa abordagem com a Rússia deve ser reavaliada, porque é um país que ameaça a estabilidade e paz. Claro que o que acontece na Geórgia não é aceitável, e devemos garantir que a Rússia remova suas tropas da província separatista georgiana da Ossétia do Sul. Mas não podemos repetir um cenário de Guerra Fria nesse momento¨.
McCain foi crítico em relação à Rússia. A Rússia se tornou uma nação apoiada pelos dólares do petróleo. Eu vejo a KGB nos olhos de Putin¨, declarou McCain, reafirmando que a posição russa no conflito com a Geórgia foi inaceitável. ¨As intenções da Rússia estavam muito claras há muito tempo na Geórgia¨, disse o candidato republicano, advertindo que a Ucrânia poderia ser o próximo objetivo pois, entre outras coisas, a Rússia procura recuperar a península da Criméia onde a frota do Mar Negro tem sua base e que Stalin cedeu à Ucrânia. ¨Nós vamos apoiar a inclusão da Geórgia e da Ucrânia na Otan¨, continuou. ¨Essa é uma situação muito difícil, temos que trabalhar com os russos, mas temos que apressá-los para respeitar os vizinhos.¨
11 de setembro
Em alusão à segurança nacional, questionados sobre as chances de um novo 11 de setembro, Obama deu ¨muito crédito¨ a McCain por se opor à tortura aos terroristas, mas afirmou que os EUA têm se enfraquecido desde o 11/9 e que o maior desafio do próximo presidente será restaurar a posição americana. Ele disse que a administração Bush - junto com McCain - focou somente o Iraque por todos esses anos, enquanto Osama Bin Laden continuava forte. ¨Estamos mais seguros em alguns pontos. Investimos mais na segurança de aeroportos e em outros tipos de segurança. Mas ainda temos um longo caminho pela frente. Não fizemos nada na segurança de transportes, de portos¨, apontou o democrata.
McCain, por sua vez, destacou a segurança do país. ¨Eu acho que somos uma nação mais segura hoje, mas que temos um longo caminho¨, afirmou McCain. ¨Temos muitas áreas que eu discordo dessa administração¨, disse McCain, novamente se afastando de Bush, mas em seguida ele destacou que tem ¨orgulho¨ do que foi até agora para proteger os Estados Unidos, um trabalho de ¨democratas e republicanos.¨
Obama queria garantir aos americanos que ele é o mais indicado para a missão presidencial de ser o comandante em chefe das forças armadas do país. Com os eleitores sofrendo com a crise financeira e muito ansiosos com o futuro, ele precisava mostrar empatia, principalmente com a classe trabalhadora, que até agora não demonstrou um entusiasmo grande pela sua candidatura. McCain, que abriu sua campanha enfatizando sua longa experiência em Washington, agora enfrenta o desafio de se separar do impopular presidente Bush, que é cada vez mais reprovado pelo opinião pública, agora que o mercado financeiro ameaça ruir. Ele também precisava afastar preocupações com a sua idade e por ter sofrido câncer de pele.
Obama, de 47 anos, tenta ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. McCain, de 72 anos, espera ser o mandatário com mais idade na história do país, e fez piada com isso. ¨Andei por aí por um bom tempo¨, disse McCain. ¨Por acaso você tem medo que eu não te escute?¨, perguntou uma hora a Obama, que havia repetido a ele um comentário. Ao final do debate, McCain disse que sabia ¨como curar as feridas da guerra, como negociar com nossos adversários e com nossos amigos¨. Obama partiu para o ataque: ¨o novo presidente tem de ter uma visão estratégica mais ampla, o que tem faltado nos últimos oito anos.¨