Machado de Assis: 100 anos de atualidade 29/09/2008
- Roberta Campos Babo -Tribuna da Imprensa
Machado de Assis continua instigante, desvendando a sociedade que pouco avançou, nestes últimos cem anos, em relação às contradições e à capacidade de valorizar o supérfluo. Com suas machadadas elegantes, mas ousadas, o escritor ainda é um convite ao olhar crítico das mazelas sociais. ¨Eu nasci com tédio aos fracos¨, alfinetou certa vez.
Atento às coisas de seu tempo, Machado era um investigador da condição humana. Foi perfeito na caracterização da vida real. Sua obra esmiúça temas que vão da loucura e da vaidade à traição, passando pelo amor. Seu compromisso foi o de formar a cultura brasileira através da expressão de sua obra.
Mais atual do que nunca, a obra machadiana é uma crítica à futilidade, numa mistura de jornalismo e literatura. Sua recusa em seguir os modismos da época contribuiu para afirmar a relevância de sua obra, que é de domínio público. Machado caiu no gosto dos leitores. Foram nada menos que nove romances, mais de 200 contos, outros 200 poemas, além de crônicas, resenhas críticas e peças de teatro, que podem ser apreciados inclusive na internet. Grande parte de seu legado foi relançada em edições modernas.
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Mulato, míope, gago e epilético, Joaquim Maria Machado de Assis influenciou toda uma geração literária no País, graças à universalidade de seus romances e ensaios. Simples, retraído, recatado, avesso a intimidades, é considerado o maior escritor brasileiro pela sua abrangência e pela sua capacidade de relatar a sociedade de forma irônica e sarcástica.
Era um crítico severo de si mesmo. O autor de ¨Quincas Borba¨, ¨Memórias Póstumas de Brás Cubas¨ e ¨Dom Casmurro¨, que deu qualidade técnica à criação literária, era também ambicioso. Adorava elogios. Filho de operário mestiço e mãe vinda dos Açores, o menino Joaquim, que nasceu em 21 de junho de 1839, em uma quinta no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, foi criado pela madrasta, depois de perder a mãe muito cedo.
O autodidata Machado de Assis teve apenas o aprendizado básico. Ajudante de missa, Machadinho, como era chamado pelos amigos, foi vendedor de doces, tipógrafo e servidor público. Aos 16 anos, publicou seu primeiro trabalho literário, o poema ¨Ela¨, na revista ¨Marmota Fluminense¨. Mas, só aos 25 anos, publicou seu primeiro livro, ¨Crisálidas¨, que reúne poemas de amor às mulheres.
O esforço de Machado para se afirmar como escritor passou pela poesia e pela crítica teatral, antes da descoberta da prosa de ficção como veículo ideal para seu talento. Engana-se quem pensa que Machado tenha sido um tipo filosófico, imbuído das ¨rabugens de pessimismo¨. No tempo em que freqüentava o teatro, na década de 1860, o escritor era um farrista.
O casamento feliz, de 35 anos, com Carolina Novaes não rendeu filhos e nem por isso ele deixou de ser crítico: ¨Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria¨. O escritor gostava do convívio dos amigos e era apaixonado por cachorros e plantas. Cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta, ¨o bruxo do Cosme Velho¨ foi também um exímio jogador de xadrez, tendo participado do primeiro campeonato disputado no Brasil. Em muitas de suas obras, faz menções ao jogo, como em ¨Iaiá Garcia¨, último da fase romântica, marcada por ¨Helena¨ e ¨A mão e a luva¨.
Sarcasmo
¨Memórias Póstumas de Brás Cubas¨ marcou o fim da fase romântica do escritor e o início do realismo no Brasil. Nesta segunda fase, o escritor mostrava seu humor e pessimismo em relação à essência do homem e seu relacionamento com o mundo. Monarquista liberal, Machado de Assis deixou algumas páginas inesquecíveis e sarcásticas sobre o quadro político. Sobre a escravidão, escreveu pelo menos duas obras-primas, os contos ¨Pai contra mãe¨ e ¨O caso da vara¨.
Machado viu na transição do Brasil entre a monarquia e a república a questão da troca de grupos de poder sem mudança estrutural da sociedade. O escritor foi um liberal convicto a vida toda, mas sabia que o fim da monarquia era inevitável. E viu também alguns traços como ¨o brasileiro tem a bossa da ilegalidade¨. Enfático, disse: ¨Eu sinto a nostalgia da imoralidade¨.
Machado de Assis era o maior nome vivo da literatura quando um grupo de jovens decidiu colocar em prática a idéia de criar a Academia Brasileira de Letras nos moldes da Academia francesa. Primeiro presidente da ABL, Machado ocupou o cargo até sua morte em 29 de setembro de 1908, vítima de câncer na boca. No leito de morte, lúcido, recusou o conforto da religião.
Desde os seus primeiros escritos ficcionais, ele já demonstrava seu desencanto: ¨O que distingue o homem do cão é a faculdade de fazer com que uma noite não se pareça com outra¨. Sobre a morte, escreveu: ¨Está morto: podemos elogiá-lo à vontade¨. Mas, também deixou um recado: ¨Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados¨.
As lições do bruxo
. ¨Há coisas que melhor se dizem calando¨.
. ¨A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente¨.
. ¨Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo¨.
. ¨As melhores mulheres pertencem aos homens mais atrevidos¨.
. ¨A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal¨.
. ¨O tempo caleja a sensibilidade¨.
. ¨As ocasiões fazem as revoluções¨.
. ¨A vaidade é um princípio de corrupção¨.
. ¨Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um terceiro andar¨.