Pantanal vale US$ 112 bilhões, diz estudo 29/09/2008
- Cláudio Angelo - Folha de S.Paulo
Quanto vale um bioma? A pergunta pode parecer maluca, mas, se o bioma em questão for o Pantanal, ela já pode ser respondida: US$ 112 bilhões por ano, no mínimo. Várias ordens de grandeza mais que o máximo de US$ 414 milhões anuais que a devastação do local gera.
O cálculo foi feito por um pesquisador da Embrapa Pantanal, em Corumbá, e põe pela primeira vez em perspectiva o valor dos serviços ambientais prestados pela maior planície alagável fluvial do mundo, comparados com aquilo que é gerado pela pecuária, a mais rentável atividade econômica praticada na região.
Segundo o oceanógrafo e economista gaúcho André Steffens Moraes, ¨perdido no Pantanal desde 1989¨, um hectare preservado do bioma que detém a maior concentração de fauna das Américas vale entre US$ 8.100 e US$ 17.500 por ano. A conta é detalhada em sua tese de doutorado, recém-defendida na Universidade Federal de Pernambuco e disponível para download (www.cpap.embrapa.br/teses).
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Nela, Moraes inclui valores potenciais de coisas como madeira, produtos florestais não-madeireiros e ecoturismo. Mas também de coisas que não estão nem podem ser colocadas facilmente no mercado, como o valor da polinização feita por aves e insetos, o controle de erosão e, principalmente, a oferta e regulação de água -produtos e serviços que são perdidos quando a vegetação tomba. ¨Eu analisei quanto a sociedade perde quando se desmata¨, disse o pesquisador.
Estilo Zé Leôncio
Com terras que ficam alagadas até 8 meses por ano, impróprias para a agricultura e abundantes em gramíneas, o Pantanal parece combinar com a pecuária, única atividade -além do turismo- rentável ali. Hoje há 5,3 milhões de cabeças no bioma, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A pecuária também parece combinar com o Pantanal: como o capim faz parte do ecossistema, não é preciso recorrer ao desmatamento para criar gado. Há no bioma uma coexistência pacífica única no Brasil entre gado e fauna, que acaba tornando os fazendeiros da região conservacionistas, no melhor estilo Zé Leôncio (o fazendeiro consciencioso da novela ¨Pantanal¨, interpretado pelo ator Cláudio Marzo).
No jargão dos economistas, esse pecuaristas são considerados ¨satisficers¨ (saciadores) e não ¨maximizers¨ (maximizadores). Segundo Moraes, o gado é de certa forma bom para a fauna: com carne de sobra, a pressão de caça diminui.
Desmate na cordilheira
O problema é que viver como Zé Leôncio não é para quem está interessado em grandes lucros: ¨A pecuária é extensiva, então a rentabilidade é baixa¨, afirmou Moraes à Folha. Para ser exato, cada hectare de boi em pasto nativo rende US$ 12,5 ao ano para os produtores.
E é claro que pouca gente quer ser Zé Leôncio hoje em dia. A partir dos anos 1970, um aumento na demanda por carne associado a uma inundação no rio Taquari que diminuiu a área de pasto natural fez os fazendeiros começarem a derrubar as matas nas chamadas cordilheiras, as áreas de floresta que ficam secas o ano todo.
Sem a dor-de-cabeça de precisar tirar o gado todo ano quando o pasto alaga --que reduz o peso dos animais--, quem cria gado nas cordilheiras ganha mais dinheiro: US$ 28 por hectare ao ano.
Isso obviamente teve impacto direto sobre o bioma. Até 1991, apenas 545 mil hectares de mata nativa pantaneira haviam tombado. Em 2000 já era 1,2 milhão de hectares, ou 30% da área do Pantanal.
¨O pecuarista não tem alternativa produtiva. O mercado o pressiona para desmatar e pôr pasto¨, diz Moraes. ¨Quando ele faz isso, as ONGs e a sociedade criticam, mas eu como pecuarista faria a mesma coisa.¨