Investidores vão atrás de ¨pechinchas¨ na Bovespa 26/10/2008
- Cristiane Barbieri - Folha de S.Paulo
¨Lembra do Plano Collor, quando o sujeito ´queimava´ o carro por um terço do preço porque tinha de comprar comida e seu dinheiro tinha sido confiscado? Pois estamos vivendo exatamente essa situação.¨ É dessa maneira que Marcos Duarte, sócio da gestora de fundos Pólo Capital, explica a crise de crédito.
Sem dinheiro para cumprir compromissos básicos, os investidores estão ¨queimando¨ as ações a qualquer preço. Oportunidade para investidores como o bilionário americano Warren Buffett, que recentemente aconselhou a volta às Bolsas porque, na baixa, é a hora de comprar.
Na última semana, atendendo à legislação, várias empresas brasileiras vieram a público comunicar que investidores tinham adquirido mais do que 5% de seus papéis em circulação. A Abyara foi uma delas. Há pouco mais de um ano, as ações da imobiliária beiravam os R$ 40. Na sexta-feira, fecharam a R$ 1,58. A perda de valor dos papéis supera 96%.
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Não à toa, alguns dias antes a Abyara anunciara que a Polo Capital tinha adquirido 6,24% de seus papéis. ¨Conseguimos ter esse percentual, de uma empresa que já chegou a valer R$ 2 bilhões, investindo apenas R$ 4 milhões¨, diz Duarte.
Como outros investidores, a Polo está aproveitando o momento de baixa não para investir em apenas uma empresa ou área, mas para fazer um portfólio variado.
¨Os melhores investimentos, agora, não são títulos públicos, mas ativos reais¨, diz Duarte, que gerencia um fundo equivalente a US$ 1 bilhão. ¨O mundo não vai acabar, e muitas empresas estão sólidas, atuam em mercados promissores e têm bons fundamentos.¨
Mundo real
As ações da Gafisa, por exemplo, foram cotadas a R$ 18,50 na abertura de capital, em fevereiro de 2006. Naquele ano, a construtora fez lançamentos no valor de R$ 670 milhões. Na sexta-feira, elas valiam R$ 12, com desvalorização de 35% no período. Detalhe: a empresa prevê R$ 3,5 bilhões em lançamentos neste ano.
Acionista antigo da Gafisa, o bilionário americano Sam Zell voltou às compras. Hoje, seu fundo Equity International tem quase 19% dos papéis da construtora. No Brasil, Zell investe na empresa de shoppings BR Malls, na AGV Logística e na imobiliária Bracor.
¨Os temas macro, para os setores nos quais investimos no Brasil, continuam em alta¨, afirma Thomas McDonald, estrategista-chefe da Equity International. ¨Há uma classe média emergente se fortalecendo, há maior oferta de crédito habitacional e há uma demanda grande por moradias. As empresas que têm boa gestão e caixa viverão um processo darwiniano e sobreviverão fortes depois da turbulência.¨
As perspectivas da Equity International para o país são tão positivas que o fundo de US$ 500 milhões está estudando fazer mais dois novos aportes no Brasil. De acordo com McDonald, o fundo estuda investir em duas empresas brasileiras: uma do setor financeiro e outra de infra-estrutura. Os negócios, no entanto, só deverão ser anunciados no próximo ano.
¨A queda nos preços de mercado tem muita pressão externa e não está diretamente focada nos marcos das indústrias¨, diz McDonald. ¨É claro que isso afeta o mercado, mas, por mais que sofram com alguma retração da crise, as perspectivas de longo prazo são boas.¨
Apesar de estarem voltando sua artilharia para a construção civil, a forma como a seleção natural no setor será feita preocupa os investidores. Acionista da Tenda -- que foi incorporada pela Gafisa apenas com a troca de ações, numa operação que gerou questionamentos do mercado --, a Polo diz acreditar numa consolidação da área que respeite os minoritários.
¨Esperamos que nada seja tentado fora da lei¨, diz Duarte. ¨Temos viés pela boa governança corporativa e praticamos o ativismo societário reativo: se formos desrespeitados, vamos até as últimas conseqüências.¨
Apoio do governo
Para McDonald, o sucesso do plano de apoio à construção civil anunciado pelo governo na semana passada dependerá da escolha de boas empresas para serem suportadas.
Para Wilson Amaral, presidente da Gafisa, isso não deverá ser um grande problema. ¨Há quadros de muita competência e preparo no BNDES, por exemplo, tanto para dar crédito como para avaliar empresas.¨
O setor imobiliário, no entanto, não é o único que os investidores têm em mira. Além da construtora Tecnisa, o fundo GT Investimentos, por exemplo, tem comprado ações da Perdigão, da Medial Saúde, da Usiminas e da Positivo Informática, entre outros.
¨Hoje, não temos um centavo em caixa¨, diz André Gordon, sócio da GTI. ¨Quem busca retorno de longo prazo tem de investir agora.¨
O GTI tinha vendido, quando o Ibovespa (índice de preços médios das ações mais negociadas na Bovespa) atingiu 73 mil pontos, ações da empresa de logística ALL, da operadora Net e da Energias do Brasil. ¨Recompramos essas ações por menos da metade do preço de venda¨, diz Gordon.
Segundo ele, uma das vantagens deste momento de incerteza é que, com a tendência de as empresas postergarem investimentos, seu caixa ficará mais líquido. Conseqüentemente, a distribuição de dividendos será maior.
Para Gordon, ao escolher os investimentos é preciso buscar empresas com boa governança, reconhecida pelo mercado.
¨Poucos têm frieza para entender que nem tudo acabou¨, diz Gordon. ¨Mas há bons ativos em setores seguros, mas cíclicos e mesmo nos voláteis. Ao investir durante a crise, o retorno esperado é muito maior.¨