Sem crédito, produtor de algodão prevê cenário sombrio 29/10/2008
- Roberto Samora - Reuters
O produtor de algodão do Brasil, que mesmo antes da crise de crédito já previa uma redução de plantio na temporada 2008/09 em decorrência da alta nos custos, agora observa a situação se deteriorando mais, na medida em que a turbulência financeira indica uma redução do consumo global e uma alta nos estoques internacionais.
A semeadura da safra só começa no final de novembro em Mato Grosso, o principal produtor nacional, mas alguns cotonicultores mais pessimistas já falam em redução na área plantada de 40 a 60 por cento no Estado, se não surgir nas próximas semanas alguma ajuda extra do governo.
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) também avalia que a produção cairá mais do que as expectativas anteriores. No entanto, diz que é cedo para lançar novas previsões, justamente pelas ¨incógnitas¨ desta safra.
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¨Estamos trabalhando com algo em torno de 980 mil hectares de algodão, redução de cerca de 10 por cento (ante 2007/08). Agora, vai ser maior ou menor dependendo do que vai acontecer. Se não tiver o crédito, o Mato Grosso pode reduzir 40 por cento¨, afirmou Haroldo Cunha, presidente da Abrapa.
O setor, que exportou um terço da produção em 2007, aguarda medidas do governo que tornem disponíveis recursos para ACCs (Adiantamento sobre Contrato de Câmbio), que evitem uma queda maior no plantio em 08/09.
O presidente da Abrapa avalia também, por outro lado, que a queda na safra brasileira seria limitada pelas vendas antecipadas feitas antes do agravamento da crise.
¨Temos 40 por cento da safra já vendida (incluindo vendas no mercado interno). Então, eu não acredito que tenhamos menos de 900 mil hectares de algodão¨, declarou ele, observando que os negócios atualmente estão estagnados. Em anos normais, o setor já teria vendido 60 por cento da produção nesta época.
Já o presidente da associação de produtores de Mato Grosso (Ampa), Gilson Pinesso, é mais enfático sobre redução de área.
¨Se não sair (o financiamento), a queda vai ser de 40 a 60 por cento¨, declarou Pinesso, explicando que o setor está sem linhas de crédito.
RISCO DE CALOTE, QUEDA NO CONSUMO GLOBAL
¨Existe uma linha que é renovada todos os anos, e essa linha de ACC o produtor não consegue ter acesso. Normalmente, fazemos o plantio com a linha... Pegamos o dinheiro, compramos os insumos, pagamos a mão-de-obra e em agosto começamos a exportar, e aí pagamos o banco¨, continuou Pinesso.
Por isso, tanto a Ampa quanto a Abrapa defendem a criação de um fundo governamental para irrigar as operações de ACCs.
Cunha, da Abrapa, salientou que o fundo seria uma ¨decisão estratégica¨ do governo, sob pena de, no caso de ela não ser tomada, ocorrer um ¨calote generalizado¨ da parte do setor.
¨Porque essa crise lá fora não vai acabar da noite para o dia, estamos vendo pessoas chegando ao desespero, aí começa o risco de um calote generalizado.¨
A situação em Mato Grosso, admitiu Cunha, é mais grave porque a renegociação das dívidas dos agricultores ainda não está totalmente ¨operacionalizada¨.
Ele ressaltou que a ajuda do governo seria também uma compensação para a vitória do setor obtida contra os subsídios agrícolas dos Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio, que não se efetivou em resultados concretos.
Os brasileiros se queixam que os norte-americanos não implementaram totalmente os cortes no subsídio. E, em meio à queda dos preços do petróleo, acrescentou Cunha, provavelmente o etanol nos EUA perderá a competitividade, permitindo redução da área de milho e aumento no cultivo da pluma.
¨São muitas interrogações, mas se acontecer isso, continua tendo uma produção alta¨, destacou o presidente da Abrapa, que vê a recessão nos países desenvolvidos impactando negativamente no consumo. ¨Aí preocupa mais, porque a relação estoque/consumo já está em torno de 45 por cento. Se cair mais o consumo de algodão, essa relação muito alta pode aumentar.¨