África torce por Obama como se estivesse na Copa do Mundo 04/11/2008
- Ana Flor - Folha de S.Paulo
Uma das maiores festas para o caso de vitória de Barack Obama está em preparação bem longe dos EUA. Mais exatamente a 12 mil quilômetros de Washington --no Quênia, costa leste da África.
O Quênia -- e a África como um todo -- vive uma febre com a possível eleição de Obama que para os brasileiros só poderia ser comparada a uma vitória de Copa do Mundo. O candidato democrata está em camisetas, outdoors, bonés, chaveiros e adesivos de carros. Está em todos os jornais diariamente.
As vans (chamadas de matatus) que fazem o transporte coletivo, sempre pintadas com cores fortes, substituíram os jogadores de futebol de todo o mundo pelo mais novo ídolo do país.
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Em outros países da África, como Nigéria, Tanzânia e África do Sul, eventos com performances musicais e correntes de oração pelo candidato foram organizados. Os responsáveis são grupos intitulados ¨Africanos por Obama 08¨ e ¨Negros Unidos por Obama¨.
Há uma razão bastante compreensível para a obamamania atravessar o oceano e chegar ao Quênia. Esse é o país em que o pai do candidato democrata nasceu. Barack Obama Sr. morreu em um acidente de carro há mais de 20 anos, mas lá vivem a avó paterna, tios e primos do político. Obama já foi duas vezes ao país, a última em 2006.
Naquele ano, enquanto para o Brasil o nome do senador significava pouco, Obama já era anunciado como o futuro presidente dos EUA. A possibilidade parecia improvável, mas era discutida em jornais e rodas acadêmicas e políticas.
Obama foi recebido com pompas que excediam o tratamento dado a um senador, mesmo dos EUA. Reuniu-se com chefes de Estado, fez carreata e foi acompanhado de forte segurança na visita que fez ao vilarejo de Kogelo, no noroeste do país, onde vive sua avó Sarah. Naquela época, talvez apenas os quenianos acreditassem que Obama pudesse chegar aonde as pesquisas de intenção de voto o colocam hoje.
Os parentes quenianos do candidato não escaparam ilesos da febre. Mama Sarah, 86, a avó, há mais de um ano recebe diariamente jornalistas, políticos e interessados em fazer pedidos ao neto famoso. Há cerca de um mês, uma agência de viagem lançou um pacote turístico que inclui uma visita ao ermo vilarejo, onde não há asfalto ou água encanada.
Com tanto assédio, a idosa -- que vive sozinha na mesma casa há décadas -- obrigou-se a ter uma agenda. Um dos netos passa o dia atendendo pessoas que ela não irá receber. Há poucas semanas, o premiê do país, Raila Odinga -- um luo, o grupo étnico do pai de Obama e de sua avó--, que foi derrotado nas eleições presidenciais de dezembro, visitou a octagenária. Fez um discurso afirmando que a vitória de Obama ajudará o Quênia a superar o problema da divisão étnica.
Animado com as chances de vitória, o governo queniano está ampliando o aeroporto de Kisumu, a 50 quilômetros do vilarejo dos Obamas quenianos. Os políticos querem abrir espaço para o Air Force One, e torcem para que o Quênia seja o destino da primeira viagem de Obama como presidente.
Alta expectativa
A expectativa de que Obama mude as relações entre os EUA e a África é grande no continente. Há quem espere o fim de subsídios agrícolas, o perdão de dívidas e mais investimentos. Os mais realistas optam por pedidos pontuais: maior intervenção para acabar com conflitos como o de Darfur, no Sudão.
No jogo político do Quênia, a vitória de Obama tem um toque quase irônico. O país viveu, há pouco menos de um ano, um grave conflito que opôs grupos étnicos locais em decorrência das eleições presidenciais. No centro da crise estavam duas tribos: kikuyus, grupo do presidente reeleito sob acusações de fraude, Mwai Kibaki, e os luos, do atual premiê Odinga.
Na época em que Obama se sagrou candidato democrata, era piada corrente no Quênia que os luos, incapazes de fazer um presidente no Quênia, venceriam nos EUA. Se a vitória do senador não trouxer mudanças para o continente, pelo menos deixará seus conterrâneos orgulhosos. Na lei do país africano, a cidadania é adquirida por consangüinidade. Filho de um queniano, Obama é, em tese, africano. Daí a comemoração.