Só o governo dos EUA pode salvar a GM 16/11/2008
- Cleide Silva - O Estado de S.Paulo
Destino da maior montadora de veículos do mundo poderá ser definido amanhã, com ajuda de US$ 50 bilhões
A maior montadora do mundo e a mais poderosa empresa do bloco industrial está por um fio. Amanhã, pode ser definido o destino da General Motors nos Estados Unidos. A fabricante de modelos como Corvette, Cadillac e Bel Air deve ser socorrida com empréstimo do governo americano. Se o resgate não vier, poderá ir à falência. Na visão de analistas, mesmo que seja salva, a GM não voltará a ser a gigante que produz 9 milhões de veículos por ano .
Aos cem anos completados em setembro, a GM era para os americanos o que a Varig era para os brasileiros. Ninguém imaginava que um dia poderia quebrar. Hoje, busca-se salvar a fabricante de veículos - que só este ano acumula prejuízos de US$ 21,3 bilhões -, não só pelo seu peso econômico, mas por ser um ícone do mundo financeiro e automotivo.
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Ford e Chrysler, que junto com a GM formam as chamadas Big Three (Três Grandes), também estão em sérias dificuldades. O grupo, responsável por uma cadeia que emprega cerca de 3 milhões de pessoas nos EUA, espera um programa de ajuda de US$ 50 bilhões.
As atenções recaem principalmente sobre a GM, principal símbolo do capitalismo. A empresa que por 37 anos liderou a lista das 500 maiores da revista Fortune foi a que mais vendeu carros no mundo nas últimas sete décadas. Em seu mercado principal, ganhou muito dinheiro com as picapes e utilitários-esportivos, carrões que ocupavam as garagens de milhares de americanos.
Embriagada pelo sucesso, a GM não se deu conta de que o mundo migrava para outro tipo de automóvel, menor e mais econômico, ao contrário de suas concorrentes japonesas Toyota e Honda, que desenvolveram carros pequenos e movidos a combustíveis alternativos.
Ao deparar-se com a crise atual, desencadeada pelo aumento do preço da gasolina e da quebra de empresas dos ramos imobiliário e financeiro, a GM viu-se obrigada a recorrer ao governo para manter suas linhas de montagem a partir de 2009.
A derrocada da GM, na visão do consultor José Roberto Ferro, do Lean Institute, começou nos anos 50, quando a Toyota criou novo sistema de gestão, baseado na produção enxuta, mais competitiva e mais produtiva, o que resultou em carros com mais qualidade e melhor resultado financeiro.
¨A GM até que tentou promover essas mudanças, com fábricas mais modernas¨, afirma Ferro. ¨Mas não conseguiu mudar o sistema de gestão interno.¨ Desde então, vem perdendo vendas e participação para as fabricantes asiáticas, principalmente a Toyota.
Ferro acredita que a crise pode dar uma lição de humildade ao comando da GM, que sempre foi ¨arrogante e não reconheceu sua fragilidade¨.
ACORDOS GENEROSOS
Outra grande dificuldade enfrentada pela GM e pelas outras duas grandes montadoras dos EUA - Ford e Chrysler - é o alto custo com fundos de pensão. Na época da bonança, a GM cedeu a várias exigências dos sindicatos de trabalhadores, e hoje o custo da mão-de-obra em suas fábricas é muito superior ao das montadoras asiáticas, que não têm acordos trabalhistas tão generosos.
Para Marcelo Cioffi, da PriceWaterhouseCoopers, as vendas fora dos Estados Unidos, que já correspondem a mais da metade dos negócios da GM, é que vão sustentar o grupo, principalmente os mercados emergentes.
Estudo feito pela Price indica que, de 2008 para 2010, a produção de veículos nas regiões da Ásia/Pacífico, América do Sul, Leste Europeu e Oriente Médio/África vai crescer entre 8,4% e 23,3%. Já a América do Norte crescerá menos de 3% e União Européia ficará estável.
¨Todo o crescimento da indústria nos próximos anos virá dos emergentes, por isso é importante ter opção nesses países¨, afirma Cioffi. A demografia desses países vai ajudar muito, afirma o consultor.
Segundo ele, na Índia há 7 veículos para cada mil habitantes. Na China, a proporção é de 10 por mil, enquanto no Brasil é de 90 por mil. Nos países desenvolvidos, a média está acima de 400 carros para cada mil habitantes. Nos EUA, por exemplo, é de 480; na Alemanha, de 500.
Uma eventual falência da montadora seria um gatilho para uma recessão enorme nos EUA, que já enfrenta séria crise no mercado imobiliário, financeiro e automotivo, com queda de consumo e desemprego.
A pressão para que o governo aprove o socorro é grande. Em seu editorial de sexta-feira, a publicação AutomotiveNews, uma das mais conhecidas no setor automobilístico, afirma que, se a GM apelar para a falência (Capítulo 11), haverá um colapso nas vendas da marca.
¨Os 100 mil empregos americanos vão morrer. Seguro saúde para milhares de americanos estará em risco. Centenas dos 1.300 fornecedores vão morrer. O colapso deles pode levar junto a Ford e a Chrysler. Concessionários em todo o país vão fechar¨, diz o texto.
A marca não vai desaparecer, mas pode mudar de mãos, avaliam analistas. Grupos chineses e indianos certamente vão aproveitar essa oportunidade para entrar no mercado americano que, apesar da crise, vai produzir cerca de 12 milhões de veículos este ano. É o mais baixo volume em 16 anos, mas ainda significativo.
CIRURGIA
A ajuda federal daria apenas um fôlego extra para a companhia sanear dívidas mais urgentes e poder investir no desenvolvimento de veículos mais competitivos.
¨No médio prazo, a empresa terá de se reorganizar, racionalizar atividades, reduzir seu tamanho e fechar fábricas para ter uma dimensão que a ajude a voltar à lucratividade¨, diz Thomas Felsberg, da Felsberg&Associados, escritório de advocacia especializado em recuperação judicial.
Ele acredita que qualquer ajuda do governo virá com condições draconianas, mas é a favor de que a falência seja evitada, pois ¨é como uma cirurgia, só se faz quando não há outra alternativa¨. Felsberg, porém, não vê ¨um cenário de catástrofe¨ no caso da GM.