Lévi-Straus, o luxo dos bororo e a nudez nhambiquara 02/12/2008
- Blog de Alcino Leite Neto - Última Moda - Folha Online
O jornalista Vitor Angelo escreveu em seu blog Dusinfernus (http://dusinfernus.wordpress.com) um interessante (e engraçado) post sobre o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que completou cem anos neste mês. O comentário me levou a reler rapidamente o megaclássico ¨Tristes Trópicos¨, em busca de algumas passagens que pudessem interessar aos leitores deste blog.
Encontrei vários bons trechos, mas transcrevo apenas um, em que Lévi-Strauss fala do luxo dos Bororo -- a indumentária e os acessórios:
¨Contrastando com a austeridade dos objetos utilitários, os Bororo colocam todo o seu luxo e a sua imaginação na indumentária, ou pelo menos -- já que esta é das mais sumárias -- nos acessórios. As mulheres possuem verdadeiras caixas de jóias, que transmitem de mãe para filha: são paramentos de dentes de macaco ou de presas de onça incrustrados em madeira e presos por finas ligaduras. Se elas reivindicam dessa maneira os despojos da caça, prestam-se à depilação de suas próprias têmporas pelos homens que, com os cabelos de suas mulheres, confeccionam longas cordinhas trançadas que enrolam na cabeça como um turbante. Os homens também usam, nos dias de festa, pingentes em forma de mei-lua, feitos de um par de unhas o grande tatu (...), embelezados com incrustrações de madrepérola, franjas de plumas ou de algodão. (...)
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Um pedaço de casca de árvore, algumas penas fornecem aos incansáveis modistas pretexto para uma sensacional criação de brincos-pingentes. Há que se entrar na casa-dos-homens para avaliar a atividade despendida por esses robustos rapazes em se embelezar: em todos os cantos, corta-se, modela-se, cinzela-se, cola-se; as conchas do rio são quebradas em cacos e polidas em mós de maneira vigorosa para se fazerem colares e tembetás; fantásticas construções de bambu e de plumas são montadas. Com uma aplicação de costureira, os homens de físico de carregadores transformam-se mutuamente em pintinhos, graças à lanugem colada direto na pele¨ (¨Tristes Trópicos¨, págs. 212-212, Companhia das Letras).
A NUDEZ DOS NAMBIQUARA
Não resisto a transcrever outro trecho de ¨Tristes Trópicos¨, agora sobre a nudez dos Nambiquara, que coloca numa nova perspectiva a questão do pudor. É um parágrafo maravilhoso do livro:
¨Durante os folguedos amorosos a que os casais se entregam de tão bom grado e tão publicamente, e que volta e meia são audaciosos, jamais notei um início de ereção. O prazer buscado parece mais lúdico e sentimental que de ordem física. Talvez por isso é que os Nambiquara abandonaram o estojo peniano cujo uso é quase universal entre os povos do Brasil central. De fato, é provável que a função desse acessório seja, se não prevenir a ereção, pelo menos evidenciar as disposições pacíficas do portador. Povos que vivem completamente nus não ignoram o que chamamos de pudor: deslocam seu limite. Entre os índios do Brasil, assim como em certas regiões da Melanésia, este parece se situar não entre um grau e outro de exposição do corpo, mas, de preferência, entre a tranquilidade e a agitação¨ (idem, pág. 270).
Será que estas duas passagens do clássico têm algo a dizer sobre o estilo brasileiro contemporâneo -- ou apenas indicam a tremenda distância que nos separam dos Bororo e dos Nambiquara?