Custo ambiental bloqueia rodovia no Norte do país 07/12/2008
- Eduardo Geraque - Folha de S.Paulo
O asfaltamento dos 418,20 km da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, não é sustentável. O custo ambiental da obra, em um cenário sem nenhuma presença do Estado na região, é 477 vezes maior do que os benefícios econômicos que a estrada deve gerar para a União. É o que mostra o EIA-Rima (estudo e relatório de impacto ambiental), obtido pela Folha de S.Paulo.
O documento diz que, sem unidades de conservação realmente implementadas na área (forte governança), a estrada amazônica causaria prejuízos ao ambiente de R$ 10,5 bilhões em 20 anos (R$ 525 milhões ao ano). Deste total, 90% é referente ao gás carbônico emitido pelo desmatamento na área de influência da rodovia.
A derrubada na região, uma das mais intocadas da Amazônia e localizada entre os rios Purus e Madeira, seria de até 4.385 quilômetros quadrados por ano por causa da nova ligação terrestre, prevê o estudo. A cifra equivale a 36,6% do que foi ceifado da floresta tropical entre agosto de 2007 e julho de 2008.
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O documento, feito a pedido do Ministério dos Transportes pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e que deve ser tornado público até o fim do ano, diz que a obra geraria um fluxo de caixa positivo para os cofres da União (frete mais passageiros) de cerca de R$ 1,1 milhão por ano até 2026.
¨Muitas coisas no estudo precisam ser revisadas. O custo ambiental da obra talvez não seja tão enorme assim¨, afirma Jair Sarmento, coordenador-geral de Meio Ambiente do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes), braço do Ministério dos Transportes responsável pela obra de pavimentação.
O gestor afirma que a reconstrução da BR-319 será feita com base em critérios sustentáveis. ¨Ninguém está disposto a pôr fogo em um patrimônio [florestal] dessa envergadura.¨
Segundo Sarmento, a reconstrução da estrada também deve ser vista sob uma ótica estratégica (leia texto à direita). A obra, pelo cronograma inicial, deve ficar pronta em 2012. A pavimentação da rodovia está orçada dentro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em R$ 697 milhões.
Com governança
O documento sobre o impacto da obra, feito por dezenas de cientistas, vai balizar a decisão do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) na emissão das licenças para a pavimentação. Ele vislumbra quatro cenários econômicos.
Apenas em um deles, onde a presença do Estado deve ser forte, é que a obra passa a ser viável do ponto de vista ambiental. Nesse caso, o custo cairia para R$ 26,3 milhões por ano, por causa da queda do desmatamento. A área derrubada por ano, neste cenário, seria de 219 quilômetros quadrados (1,83% da área desmatada na Amazônia entre 2007 e 2008).
Mas hoje o problema da chamada governança ambiental já é delicado na região, segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Eles mostram que neste ano o desmatamento já subiu na zona de influência da estrada -que existe há décadas, mas é asfaltada apenas nas pontas, perto das duas capitais.
¨Os nossos boletins divulgados mensalmente mostram um aumento do desmatamento no sul do Amazonas (municípios de Lábrea e Humaitá), área de influência da BR-319. E também na cidade de Porto Velho¨, diz Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon, ONG que tem sede em Belém.
Para Veríssimo, existe ainda um problema intrínseco à própria estrada. ¨Não há razão econômica para o asfaltamento. O fluxo de transportes de mercadorias e pessoas [entre Manaus e Porto Velho] já ocorre via aérea de maneira satisfatória.¨
O EIA-Rima afirma: ¨Entre Manaus e Porto Velho não há vôos regulares de aviões cargueiros, pois não há demanda por esse tipo de serviço devido ao volume de carga transportado¨, diz o documento.
Fluxo migratório
Philip Fearnside, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), também não vê necessidade na obra. ¨Não há demanda para essa estrada. Quando abriram a estrada para a Venezuela a justificativa era a mesma. Nunca foi escoado nada por ela.¨
Mesmo que haja uma demanda reprimida -- o que ainda não foi medido -- para o escoamento da produção de Manaus para o sul, Fearnside aponta outro caminho. ¨O investimento deveria ser em cabotagem, em navios oceânicos entre Manaus (Itacoatiara) e Santos.¨
O Estado do Amazonas tem outro ponto de vista. O governador Eduardo Braga já declarou várias vezes que prefere uma ferrovia na região.
Para Fearnside, com a estrada pavimentada, o fluxo de pessoas em direção à capital amazonense pode aumentar de forma preocupante.
¨O PIB de Manaus é o maior da região. E nós não temos ocupação ilegal ainda aqui perto da cidade¨, afirma o pesquisador.
Asfaltamento garante papel do governo, diz o governo
¨É impossível existir governança, controle [sobre a região], se você não tiver acesso a ela¨, afirma Jair Sarmento, coordenador-geral de meio ambiente do Dnit. O órgão governamental responsável pela reconstrução da BR-319 é ligado ao Ministério dos Transportes. O ministro, Alfredo Nascimento, é do Amazonas e considera a Porto Velho-Manaus ponto de honra de sua gestão.
De acordo com o representante do governo federal, está sendo tomado ¨um cuidado extremo¨ para evitar que a famosa espinha de peixe (forma de ocupação por estradas secundárias) seja formada na região da BR-319.
¨Apenas neste ano foram criados aproximadamente 90 mil quilômetros quadrados de unidades de conservação, que formam um cinturão ao redor da rodovia¨, diz Sarmento.
A estrada, além de servir para levar técnicos ambientais e a Polícia Federal para a região, é ainda estratégica para o governo.
¨Existe algo maior nessa obra. É a integração não apenas do coração da Amazônia com o resto do Brasil, como o oposto. A integração do Brasil com a Amazônia. Não passa pela cabeça dos moradores daquela área ficarem isolados do resto do país.¨
Apesar de reconhecer que existe um núcleo duro de resistência à rodovia, formado por ONGs brasileiras e internacionais, Sarmento diz que as Casas legislativas das regiões envolvidas com a obra estão todas favoráveis ao asfaltamento. ¨Na região em particular existe uma unanimidade¨, afirma.
Sobre as alternativas de fortalecer o transporte entre as duas capitais amazônicas via água ou ar, Sarmento também tem uma explicação.
¨A ligação hidroviária é muito precária. O transporte aéreo tem o limitante do custo¨, afirma.
Sobre a ferrovia, o dirigente também diz que não adianta. ¨Não existe nenhum projeto sobre isso.¨
De acordo com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, nada será licenciado se não existir uma co-responsabilização de todas as partes envolvidas. ¨Se não tiver esse estudo com as medidas, os custos, assinado pelos governadores, ministros e pelas universidades, não tem papo¨.