STF deve pôr em xeque critérios da Funai ao decidir sobre reserva 09/12/2008
- Mariângela Gallucci - O Estado de S.Paulo
A retomada no Supremo Tribunal Federal (STF), amanhã, do julgamento sobre a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, vai abrir uma discussão constitucional sobre os conceitos que a Fundação Nacional do Índio (Funai) usa para fazer as demarcações das terras indígenas. Os 11 ministros vão discutir se índios comprovadamente aculturados precisam de reservas para caçar e praticar a agricultura como se fossem tribos nômades. Podem emergir do julgamento, portanto, novos conceitos jurídicos e sociais para a demarcação de reservas indígenas.
¨É natural que se tenha uma discussão além do caso concreto¨, admitiu ontem o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, durante viagem a Montes Claros (MG) e Teresina (PI), onde lançou um programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado Casas de Justiça e Cidadania - cujo objetivo é prestar assistência social e jurídica à população.
Há quase um consenso entre os ministros do STF de que a demarcação da Raposa Serra do Sol tem uma série de erros e exageros na maneira como trata os índios, mas não existe disposição de anular todo o processo. A direção da Funai, por meio de sua assessoria de imprensa, disse ontem que ¨segue e faz o que manda fazer a Constituição¨. E a Constituição, acrescentou a assessoria, ¨diz que a demarcação de terras indígenas é uma política do Poder Executivo¨.
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Segundo ministros ouvidos na semana passada pelo Estado, é possível que o Supremo construa uma saída para o caso da reserva em Roraima e oriente as demarcações futuras - o que interessa especialmente a Mato Grosso do Sul. Vai ser discutido, também, o poder da Funai para decidir sozinha as demarcações que envolvam direitos federativos de Estados e municípios. O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), diz que ¨é preciso fazer mudanças, porque não se pode deixar esse poder nas mãos de uma pessoa só¨. Anchieta sugere que os processos de demarcação de terras tramitem no Congresso como projeto de lei e sejam votados por deputados e senadores.
Um ministro do Supremo chegou a dizer ao Estado que a Funai se recusa a levar em conta a relação dos índios com os não-índios e encara a demarcação ¨como se estivesse apenas criando cercas de proteção, como se estivesse implantando zoológicos de preservação, uma política que os índios rejeitam¨. O pior, na visão desse ministro, é que a Funai ¨faz as cercas, fica em paz com as organizações não-governamentais, mas depois abandona os índios e oferece uma assistência precária¨.
¨É a primeira vez que o STF se debruça, pós-1988, com profundidade sobre esse assunto (demarcação de terras)¨, disse o presidente do Supremo. Segundo ele, a decisão do tribunal será cumprida. ¨Não haverá resistência à decisão. Podemos ter aqui ou acolá críticas à decisão, mas, certamente, ela será cumprida.¨
Há ainda grande preocupação com o fato de a reserva se estender à zona de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. Também é criticada constantemente pelos ministros a atuação de muitas ONGs na área. Os ministros do STF avaliam que o julgamento deve servir de parâmetro para uma nova disputa em curso envolvendo índios guaranis-caiuás e fazendeiros de Dourados, Miranda, Naviraí, Rio Brilhante e Maracaju, todos em Mato Grosso do Sul.