Discurso de Bolívar vira arma para barrar Chávez 21/12/2008
- Fabiamo Maisonnave - Folha de S.Paulo
Conhecido por citar o libertador Simón Bolívar à exaustão, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, está vendo uma frase de seu maior herói se transformar no principal mote da campanha oposicionista contra a emenda da reeleição indefinida, que vai a referendo dentro de três meses.
No Discurso de Angostura, de 1819, Bolívar diz: ¨A continuação da autoridade num mesmo indivíduo freqüentemente tem sido o fim dos governos democráticos. As repetidas eleições são essenciais nos sistemas populares, porque nada é tão perigoso como deixar permanecer um mesmo cidadão por muito tempo no poder. O povo se acostuma a lhe obedecer, e ele se acostuma a mandar, de onde se origina a usurpação e a tirania.¨
O discurso foi feito na cidade de Angostura (hoje Ciudad Bolívar, leste da Venezuela), durante a instalação de um Congresso Constituinte. Na época, Bolívar (1783-1830) era o líder máximo do país.
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Editada sem o trecho ¨As repetidas reeleições...¨, a frase está sendo reproduzida em panfletos, cartazes, camisetas e outros tipos de material publicitário oposicionista, que fazem parte do esforço de mobilização contrária à campanha pela reeleição indefinida sob o nome de Comando Angostura, em referência ao discurso.
¨A palavra ´Angostura´ representa o Bolívar civilista republicano, que entende a inconveniência de que o poder fique em apenas uma mão¨, discursou Oscar Lucien, da ONG oposicionista Ciudadanía Activa, no lançamento do comando, na semana passada.
O uso da frase tem irritado Chávez, que se proclama líder da ¨revolução bolivariana¨ e costuma batizar quase tudo com o nome do herói máximo da independência venezuelana, como o recém-lançado satélite, comprado na China. ¨Se querem falar de Bolívar, me encantaria fazer todos os dias uma cadeia [obrigatória de rádio e TV]. Podemos abrir a cátedra bolivariana de Miraflores¨, disse Chávez, em cadeia, na juramentação de seu comando de campanha para o referendo, no última dia 10.
(Neste ano, Chávez bateu o seu recorde de cadeias nacionais obrigatórias de rádio e TV: 170 horas até agora. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mesmo período, usou esse recurso por 11 minutos.)
Na semana anterior, o presidente venezuelano já havia lançado um ataque contra a oposição, acusando-a de deturpar as palavras de Simon Bolívar por omitir o trecho sobre ¨eleições repetidas¨ e porque seu governo ¨transfere poder ao povo¨.
¨Estamos em uma situação diferente [de 1819], aqui é o revés, é um povo que manda, e um líder que obedece¨, disse Chávez, que em fevereiro cumpre dez anos na Presidência -já é o mandatário latino-americano há mais tempo no poder.
Violência
A luta pela imagem de Bolívar ganhou contornos violentos na última quarta-feira, quando se comemorou o 178º aniversário de sua morte.
Um grupo de estudantes universitários tentou depositar flores aos pés da estátua de Simón Bolívar na tradicional praça que leva o seu nome, no centro de Caracas, mas foram impedidos a pedradas, garrafadas, socos e pontapés por militantes chavistas no momento em que liam um manifesto contendo o discurso de Angostura.
Segundo os organizadores da homenagem, três estudantes saíram com ferimentos leves. ¨Fomos agredidos, destruíram a coroa de flores que levávamos, empurrara uma menina e cortaram a boca de um estudante. Não houve nada muito grave, mas rechaçamos categoricamente esse ato de violência¨, disse o líder estudantil David Smolanski.
O vice-presidente venezuelano, Ramón Carrizález, condenou a agressão, mas ressaltou que os estudantes deveriam ter solicitado permissão ao governo para poder realizar o ato ¨tranqüilamente¨.
O uso da frase voltou a ser duramente criticado na última quinta, quando a Assembléia Nacional, dominada pelos chavistas, aprovou em primeira votação a convocação do referendo sobre a reeleição indefinida.
¨Essa figura de Bolívar tão maltratada pela burguesia e pela oligarquia, encurralada historicamente pelas mesmas máfias de ontem, a burguesia e setores de direita de hoje pretendem roubá-la¨, discursou na plenária o deputado governista Carlos Escarrá.