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DIA A DIA

¨Bioma amazônico deve ser intocável¨, diz Stephanes
29/12/2008 - Fabrícia Peixoto - BBC

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, disse em uma entrevista exclusiva à BBC Brasil que o bioma amazônico “tem que ser intocável” e que não é preciso cortar nenhuma árvore da região para aumentar a produção agrícola brasileira.

Stephanes disse que falta “racionalidade” a muitos projetos para proteger o meio ambiente no Brasil e reclamou que há medidas de cunho ambiental que estão punindo agricultores brasileiros de forma injusta.

Ele criticou ainda a participação de ONGs estrangeiras nesse debate. “Se eu for, como ministro da Agricultura, à Holanda, à Alemanha ou aos Estados Unidos, e der um palpite sobre meio ambiente, corro o risco de ser mandado de volta”, diz.


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Em outros trechos da entrevista, o ministro disse que não vê um final feliz para a Rodada Doha de comércio internacional.

Segundo ele, o protecionismo no setor agrícola, praticado principalmente pelas economias mais desenvolvidas, é um assunto “complexo e político”. ¨É muito difícil imaginar que isso se resolva por acordo diplomático¨, disse.

Leia a seguir trechos da entrevista:

Havia expectativa de retomada das negociações da Rodada Doha agora em dezembro, mas não foi possível. Para 2009, vale a pena investir nesse projeto?

- Eu louvo todos aqueles que tentam participar dessas discussões e tentam chegar a um final feliz, no sentido de que você tenha um comércio mais justo no mundo.

Só que eu, no caso de Doha, não acredito nas possibilidades de solução. Alguns países têm características e eles têm dificuldade de abrir mão disso.

Acho difícil a Argentina, com seus problemas internos, a sua forma de produzir, chegar a uma conclusão positiva.

A Índia tem que efetivamente manter essa proteção, devido a sua estrutura de produção. Quanto a isso não há nenhuma dúvida.

A União Européia tem uma tradição de 60 anos de subsídio à agricultura, com várias formas de barreira.

Eles precisam de um plano de desembarque, mas essa é uma questão muito demorada, politicamente complexa.

A rodada não depende dos Estados Unidos?

- Os Estados Unidos, na minha visão, são um país extremamente protecionista, um país que não cumpre com suas obrigações, até éticas, eu diria.

O caso do algodão é muito exemplificador disso. O país subsidiou seu algodão, prejudicou a produção brasileira.

Perdeu em todas as instâncias, recorreu novamente à OMC, sabendo que não ganharia, apenas para protelar medidas compensatórias. E, no entanto, não adotou essas medidas (compensatórias).

É muito difícil imaginar que isso se resolva por acordo diplomático. Ou o custo a ser pago será muito alto ou o acordo na prática não vai trazer grandes resultados.



- Minha visão é de que isso é uma questão de mercado, e cada país vai olhar o assunto sob esse aspecto.

É possível que, no futuro, ultrapassada essa crise atual, com um novo ciclo de crescimento, com uma maior necessidade de produção agrícola ou de combustível, isso faça com que esses países mudem suas posições.

Mas seria por razões efetivamente de mercado.

No curto prazo, qual seria a melhor saída para o Brasil?

- O Brasil é extremamente eficiente em termos de sua agricultura.

Por outro lado, o agricultor brasileiro não tem obtido uma renda que faça justiça a sua produção e a sua eficiência.

Os mercados estão menos dinâmicos, o crédito desapareceu e estamos estudando medidas. Precisamos manter nossa agricultura rodando.

O governo já tomou a decisão de que vai proteger nossos agricultores. É claro que nesse momento não podemos pensar em uma política de bons preços e de renda.

Temos que nesse momento evitar prejuízos. O Brasil tem alguns exemplos onde temos vantagens comparativas muito boas.

Conseguimos, por exemplo, produzir um quilo de carne no Brasil a um terço do preço do quilo de carne da União Européia. O etanol a menos da metade do preço do que a produção americana.

Temos algumas vantagens. Mas temos outros produtos onde é possível que tenhamos problemas no futuro e que precise de uma política de sustentação de preços melhor, pois afinal nós temos que competir com países que estão subsidiando.

Agora, se as perspectivas futuras, que tinham sido projetadas antes da crise, se mantiverem, de uma necessidade de um aumento de 50% na produção agrícola nos próximos 20 anos, aí é possível que os preços atinjam um novo patamar e aí não precisaríamos adotar políticas específicas.

A renda no campo brasileiro é baixa?

- É baixa em relação à média internacional, é baixa em relação a outros negócios.

Sempre tivemos essa idéia de que a produção agrícola tem que chegar na mesa de forma barata.

E efetivamente o mundo produzia muito. Tinha muita oferta. Nos últimos anos é que os estoques vêm caindo.

Mesmo assim, os preços de comunicação, saúde, serviços e outros bens cresceram, em média, pelo menos 50% a mais do que o preço dos produtos agrícolas.

Na medida em que se incorporam novas tecnologias, o custo de produção diminui e essa diferença é repassada ao consumidor.

Com mais tecnologia, no longo prazo, a tendência é de queda relativa nos preços?

- Tivemos dois momentos em que os preços subiram nos últimos anos, mas os períodos foram muito curtos e eles voltaram ao patamar antigo.

Há duas possibilidades. Uma é o mercado mundial reagir. O mundo está comendo mais, as pessoas estão vivendo mais tempo.

Muitas faixas de população que se alimentam pouco vão ingressar no mercado de proteínas mais nobres, como carnes. E aí nós temos China, Índia, Malásia, Indonésia.

Caso isso não aconteça, teremos de ter uma política de sustentação de preços, inclusive no Brasil, que não tem tradição protecionista.

O Brasil tem tido problemas comerciais com a Argentina, que é mais protecionista que o Brasil no setor agrícola. Muitas vezes eles nos vêem como competidores. O senhor concorda?

- Não há dúvida de que Brasil e Argentina são competidores. Mas por outro lado somos vizinhos. E não se briga com o vizinho.

A gente tem que tentar manter o máximo de boas relações, compreendendo as necessidades de cada país.

Isso é básico, mesmo que nós no Brasil tenhamos uma política muito mais liberal.

O produtor agrícola invariavelmente pede ajuda ao governo, seja por juros melhores ou por perdão de dívida. O setor não consegue andar com as próprias pernas?

- Existe um certo preconceito em relação ao produtor agrícola.

Já ouvi pessoas criticarem, dizendo que os agricultores estão comprando automóveis, caminhonetes de luxo. E nós, não compramos?

Outro dia ouvi autoridades do governo comentando que os produtores compraram tratores demais.

Eu disse a eles, que bom que compraram tratores demais. Pior se tivessem comprado iates.

Nós temos um pouco esse preconceito, que vem do coronelismo, das grandes propriedades.

Mas hoje 90% das propriedades são médias para pequenas. E a grande força da produção está aí.

Por que o agricultor é tão endividado?

- Temos duas razões principais. Ou é por razões climáticas, e aí nós temos que resolver essa questão, que não pode ficar nas costas do agricultor. Ou por razões de preço e de mercado.

Tem de ter política de preços. O prejuízo também não pode ficar todo com o agricultor. Esse prejuízo é sempre jogado em cima dele, e isso gera a dívida. É ruim para o produtor e é ruim para os bancos.

Ao longo do ano, agricultura e meio ambiente ficaram em lados opostos. Um projeto de meio ambiente é incompatível com a produção agrícola?

É compatível desde que se aja com racionalidade. Desde que tenhamos na mesa, discutindo, pessoas que conheçam o meio ambiente.

Não adianta colocar na mesa pessoas que são financiadas por interesses outros. Algumas grandes ONGs são financiadas, inclusive, pela indústria do petróleo. Outras têm visão ideológica, outras têm visão política.

Eu acho muito interessante como uma ONG financiada com recursos, por exemplo, da Holanda – um país onde cada pessoa polui 16 vezes mais do que um brasileiro – essa ONG está aqui e não está lá.

ONGs financiadas pela Alemanha que não tem uma árvore à beira do rio Reno. E a Europa, que desmatou 99,9% de suas matas nativas. E o Brasil, por outro lado, detém 32% das matas nativas do mundo hoje.

É preciso discutir com racionalidade, sem visão política e ideológica. Não podemos discutir com pessoas que não conhecem a realidade brasileira, ou que nem conhecem as questões ambientais, no sentido de terem estudado ou ser formado.

Eu, aqui no Ministério, tenho pelo menos 20 pessoas que têm doutorado e pós-doutorado em meio ambiente. E gostaria que a discussão se desse nesse nível.

A discussão não está se dando nesse nível?

- Não está, infelizmente. O objetivo nosso é produzir e proteger e isso é compatível, desde que seja feito dentro de um processo de racionalidade.

Eu poderia citar dezenas de exemplos que estão sendo conduzidos de forma errada.

O senhor poderia dar um desses exemplos?

- Há 100 anos nós plantamos uvas nas encostas e nos topos de morro no Rio Grande do Sul e no mundo inteiro se faz isso.

Eu não posso proibir isso de repente, com uma legislação de quem não conhece o assunto. Planta-se arroz na várzea há anos e de repente surge alguém e proíbe.

Se aplicarmos esse Código Ambiental (o assunto aguarda votação na Câmara), 1 milhão de agricultores vão perder propriedade.

Se essa for a decisão brasileira, e se tivermos consciência disso, tudo bem.

Mas vamos pensar então em como vamos indenizar essas pessoas, pois estamos tirando (o agricultor) da casa dele. Não estamos tirando nenhum ambientalista do apartamento dele.

O mesmo se aplicaria à região amazônica? Digo, é preciso desmatar para plantar?

- Veja bem, são coisas muito distintas.

O bioma amazônico, na nossa visão, tem que ser intocável. Não precisamos tocar em nenhuma árvore para aumentarmos a produção brasileira.

O que está acontecendo é que estão derrubando árvore na Amazônia por incapacidade de rastrear, em tempo real, de saber quem está derrubando...

Não sabemos sequer quem são os proprietários. Por isso, toda hora adotamos medidas genéricas que atingem o Brasil inteiro.

Ou como a tal da Portaria 96 (restrição ao crédito para produtores que desmatarem), que prejudicou milhares e milhares de produtores que estão produzindo corretamente há 20, 30 anos, pois não tivemos capacidade de localizar quem são os desmatadores.

E aí nós simplesmente congelamos uma região de quase 30 milhões de hectares.

São alguns exemplos de coisas que são, na minha visão, mal conduzidas e que poderiam ser discutidas dentro de um processo de racionalidade, de discussão objetiva, sem emocionalismo.

Sem as chamadas pressões externas. Parece que ainda temos um pouquinho do complexo do subdesenvolvimento.

Se eu for, como ministro da Agricultura, à Holanda, à Alemanha ou aos Estados Unidos, e der um palpite sobre meio ambiente, corro o risco de ser mandado de volta.


  

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