¨Lula não tem visão ambiental estratégica¨ 02/01/2009
- Herton Escobar - Agência Estado
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, está fazendo uma gestão ¨excessivamente personalista¨, na qual busca a todo momento ¨passar a impressão de que está sendo um bom ministro¨. Essa é a avaliação do ex-secretário-executivo da pasta, João Paulo Capobianco.
Para Capobianco, Minc deveria ser mais transparente sobre as derrotas da agenda ambiental. Por exemplo, no acordo sobre o diesel, que contrariou uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e adiou a redução dos níveis de enxofre no combustível. Segundo Capobianco, foi uma ¨derrota imensa¨. Minc, porém, noticiou o resultado como uma vitória. ¨Isso é muito grave, porque não permite que a sociedade perceba o que está em jogo¨, disse Capobianco ao Estado.
Após cinco anos na pasta, Capobianco deixou o governo em maio, junto com a ministra Marina Silva. Está agora na Universidade Columbia, em Nova York, onde atua como professor visitante e aproveita para refletir sobre os erros e acertos de sua própria gestão. ¨O plano de combate ao desmatamento falhou¨, reconhece.
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A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado:
Como o senhor avalia o início da gestão Minc?
- O que eu vejo como um problema grave é que o Minc - que é um amigo e que tem um compromisso inquestionável com a agenda ambiental - está fazendo uma gestão excessivamente e perigosamente personalista. Ele quer de qualquer forma e a todo momento passar a impressão de que está sendo um bom ministro, de que está fazendo uma boa gestão. Isso é muito ruim, porque, na verdade, a questão ambiental é uma questão complexa, que implica inescapavelmente em conflitos. O resultado pode ser favorável ou desfavorável. Mas o que não pode acontecer - como tem acontecido - é que, quando a decisão for desfavorável, isso não seja explicitado como uma perda. A questão do diesel foi uma derrota imensa para a construção de uma agenda socioambiental responsável no País. Talvez a pior derrota dos últimos anos, porque lida com uma questão ambiental diretamente vinculada à saúde pública e com efeitos negativos amplamente reconhecidos.
Mas o Minc noticiou o acordo como uma vitória do MMA.
- Sim, e isso é muito grave, porque não permite que a sociedade perceba o que está em jogo e possa se movimentar para resgatar o processo. Confunde a opinião pública.
Faltou pulso firme na negociação?
- Não sei até que ponto o resultado poderia ter sido diferente. Mas entendo que essa foi uma perda lamentável, e não assumir essa perda é algo muito negativo. Ficou parecendo que todo mundo é responsável: o governo, a indústria, todo mundo. Não é verdade. Tem um responsável, sim, com nome, endereço e RG. A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) é formalmente responsável e isso precisa ser cobrado. Não se pode jogar uma cortina de fumaça, vender a ideia para a sociedade de que foi uma negociação benfeita, e agora cala a boca e engole o diesel. Outro caso dramático é o decreto das cavernas (que autorizou a destruição de certas grutas em troca da preservação de outras). É uma aberração completa, talvez a pior peça do arcabouço legal brasileiro desde a Constituição de 1988.
E a gestão Marina Silva, onde foi que errou?
- Acho que falhamos muito na construção de uma relação mais produtiva com o setor econômico - que inclui agricultura, comércio, infraestrutura, transportes, energia, etc. Não sei o que poderíamos ter feito para fechar essa lacuna. Há um problema antigo, que tende a se agravar agora, que é a falta de uma visão estratégica sobre meio ambiente, ancorada numa decisão política de governo. A agenda ambiental não pode ser monopólio de um ou outro ministro; precisa fazer parte de uma visão de Estado, e essa visão não existe. O presidente (Lula) é sensível à questão ambiental? Claro que é. Mas ele não tem uma visão estratégica sobre o assunto, nem considera que seja uma questão estratégica.
E o senhor vê isso como uma falha do Ministério do Meio Ambiente, de não ter conseguido construir essa visão dentro do governo?
- Vejo como uma realidade. O plano de combate ao desmatamento na Amazônia falhou. Falhou porque não se efetivou na área do desenvolvimento socioeconômico. Quem é o responsável por isso? É o conjunto do governo - em especial, os responsáveis pela política nacional, que são a Casa Civil e o Palácio do Planalto. A ministra Dilma Rousseff tem uma sensibilidade para a área ambiental muito menor do que tinha o Zé Dirceu (ex-ministro da Casa Civil). Isso dificulta muito o trabalho. Não é uma crítica de desqualificação, pois a ministra tem um compromisso indiscutível com os interesses nacionais. Mas ela não tem essa visão (ambiental) e não permite que ela exista dentro do governo, por considerar que a agenda ambiental coloca em risco os investimentos do governo.
A postura do ministro Minc não poderia ser vista como mais flexível, mais construtiva, comparada à postura da ministra Marina, que batia de frente com outras áreas do governo?
- Há uma mística ingênua com relação a isso, de que a Marina só batia cabeça no governo. Se só batesse cabeça não teria feito tudo que fez. O problema é que não existe, no núcleo do governo, um entendimento de que a questão ambiental é parte de uma solução estratégica para o desenvolvimento do País. O meio ambiente é tratado como um problema a ser resolvido, como um empecilho. Aí não cabe um ecopragmatismo personalista exagerado, como o tal ¨dois pra lá, dois pra cᨠ(frase do ministro Minc para descrever sua política de licenciamento de obras no início da gestão). Na questão ambiental não existe isso, porque os ¨dois pra lᨠpodem trazer um dano tão grave que nem ¨dez pra cᨠpoderão resolver. O fato de receber mais dinheiro para preservar duas cavernas não minimiza a perda de uma outra. Você pode até perder essa caverna, mas a sociedade precisa ter clareza sobre as consequências dessa decisão.
Quem é:
João Paulo Capobianco foi ativista das organizações SOS Mata Atlântica e Instituto Socioambiental (ISA), no MMA, foi secretário-executivo e secretário de Florestas e Biodiversidade na gestão Marina Silva e hoje é professor-visitante da Universidade Columbia e pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)