Pesquisa genética tenta evitar crise do cacau 03/01/2009
- Debora Mackenzie - New Scientist
É possível embrulhar numa caixa de presente um pecado mais delicioso do que um chocolate? Bom, ele não precisa ser um prazer que cause culpa -- e não é por causa do acúmulo de evidências de que comê-lo pode ser bom para alguns aspectos de saúde.
Uma outra razão para saborear bombons é que quase todo o cacau do mundo cresce em fazendas pequenas em países pobres. Quando você compra chocolate, ajuda os agricultores a alimentar suas famílias. É um bom começo.
A notícia ruim para os ¨chocólatras¨ é que a produção de sua iguaria predileta corre o risco de sofrer um colapso. O chocolate é feito de sementes fermentadas e torradas do cacaueiro, planta do gênero Theobroma (¨comida dos deuses¨, em grego).
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Nos últimos anos, sua demanda mundial aumentou, mas doenças continuam a destruir cerca de um terço da colheita mundial todos os anos.E a situação pode piorar à medida que pragas do cacaueiro se espalham pelo mundo.
Para piorar, o cacau é natural de florestas tropicais e precisa de umidade, mas plantações têm sido cada vez mais atingidas por secas, que provavelmente ficarão mais frequentes com o aquecimento global.
A boa notícia é que a solução existe, pelo menos segundo a Mars, dona da marca M&M´s, empresa que mais vende chocolate no mundo. Cientistas da companhia estão conduzindo agora um estudo sem precedentes sobre a genética do cacaueiro, e os resultados ficarão disponíveis de graça. Não é só generosidade -- é impossível vender chocolate se ninguém planta cacau --, mas pode acabar sendo bom para todos.
Os agricultores só têm duas maneiras de conseguir acompanhar a demanda mundial: aumentar a área da plantio de cacaueiros ou melhorar sua produtividade por hectare. Como a maior parte do cacau é plantado em países pobres -- 70% sai da África, sobretudo de Gana e Costa do Marfim --, os investimentos para melhorar a planta têm sido muito esporádicos. As linhagens cultivadas são vulneráveis, e poucos agricultores têm dinheiro para fertilizantes ou para pesticidas.
¨A produtividade do cacau permanece estagnada há 30 anos¨, diz Howard Shapiro, agrônomo-chefe da Mars. O resultado é que agricultores têm expandido plantações derrubando e queimando mata. Com isso, a terra ganha nutrientes para sustentar as árvores por algum tempo, mas depois os fazendeiros são obrigados a mudar para outras áreas. ¨Isso alimenta o desmatamento¨, diz Jim Gockowski, pesquisador da unidade de Gana do Instituto Internacional para Agricultura Tropical.
Linhagens mais produtivas podem ser a solução. Variedades que reagem melhor a fertilizantes poderiam aumentar o custo/benefício do insumo. A mudança para uma produção mais intensiva, dizem os especialistas, seria boa para os produtores e para as florestas. Mas o desmatamento não é o único problema.
Monoculturas de cacau são vulneráveis a doenças, e o cacau brasileiro foi dizimado na década de 1990 após o fungo vassoura-de-bruxa ter sido deliberadamente levado a algumas fazendas, por causa de disputas locais. Outra doença causada por um fungo, a monília, destruiu plantações na Colômbia e na Costa Rica.
A vassoura-de-bruxa e a monília não chegaram à África nem ao Sudeste Asiático, mas talvez seja só questão de tempo.
¨Essas doenças vão se espalhar alguma hora¨, diz Dennis Garrity, chefe do Centro Agroflorestal Mundial, em Nairóbi (Quênia). Sem árvores resistentes, a maior cultura de exportação da África pode ser devastada em menos de três anos. É por isso que há uma necessidade urgente de estudos em genética. Podem existir cacaueiros selvagens que já tenham desenvolvido resistência a algumas doenças, mas onde?
Origens amazônicas
O registro mais antigo de consumo do cacau por humanos vem da América Central. Por muito tempo, achou-se que o cacaueiro tivesse surgido lá e que só existissem duas ou três variedades genéticas da planta. Esse mito, porém, foi demolido por Juan-Carlos Motamayor, do programa de pesquisa da Mars, sediado na divisão de Miami do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA).
Sua equipe analisou o DNA de mais de 1.200 amostras de cacau coletadas por outros pesquisadores. A primeira descoberta foi que um quarto das amostras estava com classificação errada. Segundo o biólogo David Kuhn, do USDA, o problema é que as sementes de cacau não mantiveram a identidade, pois as variedades têm de ser preservadas como clones implantados em árvores, mais difíceis de organizar do que sementes numa gaveta.
Após excluir as amostras mal-classificadas, os pesquisadores descobriram que as restantes poderiam ser divididas em dez subgrupos genéticos distintos, em vez de três. A maior diversidade era originária do norte da Amazônia, com cada variedade ocupando um local delimitado aproximadamente pelos afluentes do rio Amazonas. Isso é uma evidência forte de que o cacaueiro surgiu ali, não na América Central.
O estudo também deu uma pista sobre onde genes de resistência podem ser encontrados, já que uma dessas variedades vem da mesma área em que o fungo da monília se originou.
O trabalho dos cientistas, afinal, mostrou que os agricultores têm em mãos uma diversidade inesperada. Mas isso foi só o começo. Em junho de 2008, a Mars, aliada ao USDA e à IBM, anunciou uma parceria público-privada para o sequenciamento completo do genoma do cacaueiro. O acesso aos dados do projeto será gratuito.
Cientistas do mundo todo já começaram a procurar cacaueiros mais produtivos e resistentes a secas e doenças. Uma vez que eles sejam identificados, a equipe de Kuhn pretende procurar trechos de DNA responsáveis por essas características. Isso poderá acelerar o desenvolvimento: agricultores poderão testar novas variedades assim que forem criadas.
Novos sabores
¨Se conseguirmos maximizar o ganho do cacau, fazendeiros poderão eliminar dois terços de suas árvores de baixa produtividade e usar a terra para plantar fruta e madeira¨, diz Shapiro. Além de dar ao cacaueiro a sombra de que ele gosta, afirma Garrity, uma cultura extra daria a agricultores colheitas no ano todo. E caso tudo dê certo, a genética pode fazer mais do que salvar o cacau. ¨Agricultores podem usar marcadores de DNA para criar novos sabores de chocolate¨, diz Kuhn.