Pesquisadores querem proteção especial ao ipê 05/01/2009
- Afra Balazina - Folha de S.Paulo
¨O ipê é o novo mogno¨. E, se não for protegido como a famosa árvore de madeira vermelha, tende a ter um fim trágico. O alerta aparece em artigo na revista científica ¨Biological Conservation¨.
Madeira nobre, o ipê (tanto sua versão amarela quanto a roxa) é considerado raro em nossas florestas tropicais e não cresce bem com luz -- ou seja, após a abertura de clareiras na mata.
Marco Lentini, um dos autores do texto e diretor-executivo adjunto do IFT (Instituto Floresta Tropical), diz que a densidade do ipê varia de somente uma árvore para cada 10 hectares até uma árvore para cada 3 hectares. Além disso, sua exploração tem sido muito grande nos últimos tempos graças a seu alto valor comercial.
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Os pesquisadores estimam, baseados em dados oficiais do governo, que só em 2004 cerca de 1,1 milhão de m3 de ipê foram explorados para gerar 167 mil m3 de madeira exportada.
¨Essas estimativas são comparáveis aos volumes de mogno extraídos da Amazônia brasileira durante a corrida pelo mogno no final da década de 1980 e começo dos anos 1990¨, ressalta o artigo, cujo autor principal é Mark Schulze, da Escola de Recursos Florestais e Conservação da Universidade da Flórida (EUA).
Outro problema é a baixa regeneração da árvore. De acordo com o professor de reprodução e genética florestal da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Kageyama, que não assina o artigo, espécies raras como ipê e mogno ¨só se regeram sob clareiras pequenas¨, menores do que 1.000 m2.
A exploração do mogno começou a ficar mais intensa na década de 1970, e teve ápice nas duas décadas seguintes. Houve diversas invasões de terras indígenas para exploração dessa espécie e muitos conflitos foram registrados.
Após campanhas de proteção do mogno, como a feita pelo Greenpeace, em 1996 o governo federal decretou a primeira moratória para novos projetos de exploração da espécie.
E, em 2003, passou a vigorar a inclusão do mogno no anexo 2 da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas), que exige uma exploração legal e comprovadamente sustentável. São responsabilizados os países produtores e os consumidores pelo controle compartilhado do comércio, o que contribui para reduzir o contrabando -- na prática, houve a proibição do comércio do mogno no país.
Na opinião de Lentini, a primeira medida é, sem dúvida, incluir o ipê no anexo 2 da Cites. De acordo com o artigo, a exploração insustentável dessa madeira só abrandou quando esforços sistemáticos para restringir o corte, transporte e comércio foram implementados em nível nacional e internacional. ¨Esses esforços chegaram tarde demais para a maioria das populações de mogno. Vamos repetir a história com o ipê?¨, indagam os autores.
Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon, concorda que o ipê deve ser protegido, adotando-se o princípio da precaução. Segundo ele, essa madeira é excepcional -- durável, estável, aguenta bem a chuva --, mas seu repovoamento na floresta é muito difícil.
Desmatamento
Em 2004, o ipê representou 8,8% do valor total exportado de madeira da Amazônia -- sozinha rendeu US$ 82,8 milhões. Dados da ITTO (Organização Internacional de Madeira Tropical, na sigla em inglês) de julho de 2008 confirmam o alto valor do ipê: o preço dessa madeira serrada era de US$ 739 por m3, enquanto o jatobá ficava em US$ 568 por m3 e o eucalipto, em US$ 217 por m3.
Mas, para chegar ao ipê, novas áreas têm sido abertas, ampliando o arco de desmatamento da floresta amazônica. ¨Fica viável construir uma estrada numa área antes remota para tirar a madeira de alto valor¨, afirma Lentini.
Segundo ele, em 2004 mais de 600 mil hectares de florestas foram explorados na Amazônia apenas para extrair a quantidade de ipê exportada nesse único ano.
Manejo feito hoje é inadequado
Os projetos de manejo sustentável com impacto reduzido na Amazônia atualmente são realizados com intervalos de 30 anos entre um corte e outro de árvores de uma mesma área de exploração. No entanto, de acordo com o estudo publicado na revista ¨Biological Conservation¨, o prazo não é adequado para explorar o ipê.
Após remover 90% dos ipês com tamanho comercial na primeira exploração -- o que é o permitido pela legislação brasileira -- o volume comercial de madeira não volta ao nível anterior à exploração em menos de 60 anos em todos os cenários projetados. Comparando as espécies ipê-amarelo e ipê-roxo, a situação é ainda mais complicada para a segunda.
Marco Lentini, do IFT, garante que o objetivo do artigo não é criticar o manejo sustentável na Amazônia. ¨Pelo contrário, é uma forma de mostrar evidências para o refinamento do manejo em direção à sustentabilidade.¨
Já Paulo Kageyama, ex-diretor de conservação de biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, afirma que espécies raras como ipê, mogno, cedro e jatobá têm características ecológicas e genéticas que não permitem o seu manejo sustentável no período de 30 anos. ¨Uma população de árvores adultas exploradas no ano zero não terá uma nova população após 30 anos. Isso porque não existem jovens suficientes que permitam a sua maturidade nesse período.¨