Carnaval da crise deixa escolas de samba sem patrocínio 25/01/2009
- Pedro Soares - Folha de S.Paulo
Diante da crise e da disparada do dólar ante o real, a máxima "tem que se tirar da cabeça aquilo que não se tem no bolso" -- cunhada pelo ex-carnavalesco salgueirense Fernando Pamplona e que já foi enredo da escola em 1986 -- nunca esteve tão presente no Carnaval carioca como neste ano.
Com materiais até 70% mais caros por conta da variação cambial e sem patrocínios, os carnavalescos e os dirigentes das agremiações lançaram mão da criatividade para adaptar as suas criações e buscar produtos alternativos -evitando itens importados.
Neste ano, as escolas estão com o caixa mais apertado, sem dispor dos R$ 12 milhões aportados no ano passado pela Petrobras e pelas suas parceiras do setor petroquímico Braskem e Quattor. A estatal informou à Folha que o patrocínio de 2008 foi "pontual" e não será concedido neste ano.
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Apenas a Grande Rio conta com patrocínio para o seu enredo, que fala sobre a França: R$ 2,2 milhões dados por empresas francesas e pela cidade de Nice.
Outras duas escolas contavam com patrocínios, que não vieram. Com a promessa de intermediação do governo da Bahia -- tema da escola --, a Viradouro esperava o apoio de empresas instaladas no Estado, inclusive da Petrobras Biocombustível. Mas, com a crise como justificativa, nenhuma companhia fechou contrato. A Beija-Flor negociou o apoio da Unilever para seu enredo sobre a história do banho, mas as conversas também não evoluíram.
Adicionalmente à falta de recursos, a valorização cambial a partir de setembro pegou as escolas no contrapé, justamente no período no qual realizam a maior parte de suas compras de materiais.
Quase tudo subiu, contam os dirigentes. O aço -usado na estrutura das alegorias- teve aumento de preço de 7%. Algumas escolas usam mais de 15 toneladas do produto.
Também aumentaram os preços dos tecidos -- tanto nacionais, feitos com matérias-primas cotadas em dólar, como importados --, das plumas e dos demais aviamentos (pedrarias, paetês etc.), que chegaram a subir até 70%.
"Tivemos de cortar algumas coisas e substituir outras. Os tecidos importados subiram 30%. Foi uma negociação muito árdua com os fornecedores. A crise certamente atrapalhou as escolas", afirmou o diretor de Carnaval do Salgueiro, Tavinho Novello.
Helinho de Oliveira, presidente da Grande Rio, faz coro: "Se já está apertado para nós, que temos patrocínio, imagine para as que não têm? Contamos neste momento ainda mais com a criatividade dos carnavalescos".
Ajuda estatal
Segundo o presidente da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), Jorge Castanheira, a crise atrapalhou a captação de patrocínios, mas ele ainda aguarda a chegada de recursos da Petrobras "nem que seja na última hora". Apesar da negativa da empresa estatal, ele enviou carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo o apoio.
"Este, sem dúvida, é um dos carnavais mais difíceis da história. As escolas estão com orçamentos menores e vão diminuir de tamanho. O que eu pedi é que a qualidade do espetáculo não fosse comprometida", afirmou Castanheira.
Além de mais caros, alguns produtos começam a faltar. O carnavalesco da Mangueira, Roberto Szaniecki, diz que precisou adaptar fantasias porque as plumas subiram muito e alguns tipos sumiram do mercado. "Mas nada vai afetar a beleza das criações."
Outro problema neste ano foi a demora em um mês no repasse dos recursos do subsídio da Prefeitura do Rio -- de R$ 4 milhões, rateado entre as agremiações. Com isso, houve atraso nos trabalhos nos barracões.
O governo do Estado do Rio de Janeiro aportará mais R$ 4,8 milhões. Ao todo, cada escola receberá de R$ 3 milhões a R$ 3,5 milhões, calcula Castanheira, dependendo da venda de ingressos. A cifra inclui os direitos de televisão.
Planejamento
O presidente da Unidos da Tijuca, o português Fernando Horta, diz que a escola só não foi mais afetada pela crise porque fecha cedo seu orçamento. "Sou empresário e estou acostumado a fazer planejamento com muita antecedência. Quando a crise veio, já tinha comprado 80% dos materiais. Compro 99% do que preciso da indústria nacional. Não importo nada. Por isso, sentimos menos a disparada do dólar."
Horta afirma que a Tijuca fará seu Carnaval mais caro da história -- R$ 7 milhões. "Mas, pela primeira vez, a escola vai sair com dívidas."