Pais de crianças diabéticas têm dificuldades com a escola dos filhos 05/02/2009
- Flávia Mantovani, Desireê Antônio e Maurício Horta - Folha de S.Paulo
Medir o índice de glicemia, aplicar insulina, controlar a dieta. A essa rotina, pais de crianças com diabetes precisam acrescentar um desafio: encontrar uma escola ao mesmo tempo preparada e disponível para lidar com um aluno com doença crônica.
É no ambiente escolar que as crianças passam grande parte do dia, e muitas vezes a instituição não está preparada para socorrê-las em uma crise de hipoglicemia ou adaptar-se a uma rotina que inclui injetar um remédio e sair da sala frequentemente para comer e urinar.
Isso faz com que muitos pais enfrentem uma longa busca até achar uma escola adequada, e alguns chegam a abandonar o emprego para acompanhar o filho durante as aulas.
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Outros preferem insistir até entrar em acordo com a diretoria. Foi o caso da professora universitária Ana Beatriz Linardi, 44, mãe de Alice, diagnosticada em julho passado com diabetes.
Aos seis anos, a menina sabe medir a glicemia e aplicar insulina em si mesma. Seu tratamento, porém, exige o cálculo das doses de insulina de acordo com cada refeição -- coisa que ela ainda não sabe fazer.
Segundo Ana Beatriz, a escola inicialmente se propôs a se adaptar. Mas, dias depois, foi chamada pelo advogado da instituição. "Ele disse que não era responsabilidade deles e que, se quiséssemos, poderíamos contratar um técnico."
Hoje, um funcionário do local faz, voluntariamente, a ponte entre Alice e os pais. "Ele verifica o que ela comeu, me telefona e fazemos juntos o cálculo. Vem funcionando", diz Ana Beatriz. "Quando uma escola fala em colaboração, não pode ficar só no discurso. Tem que ir para a realidade", completa.
Legislação
Apesar de não haver legislação específica sobre o assunto, nenhuma escola pode negar a matrícula a um aluno -- aquela que fizer isso estará ferindo o direito à educação, assegurado pela Constituição.
Caso isso aconteça, os pais podem entrar com uma ação na Justiça ou recorrer ao Ministério Público, ao Conselho Tutelar ou ao Procon. "A escola pode ser obrigada a pagar uma multa, a fazer a matrícula ou a indenizar os pais por danos morais", diz o advogado Arthur Rollo, especialista em direito do consumidor.
O MEC (Ministério da Educação) afirmou por e-mail à Folha que, apesar de não haver orientação oficial sobre como agir no caso de alunos com doenças crônicas, as escolas devem compartilhar responsabilidades com os pais. "O que deve existir é bom senso [...] e as adequações que atendam às necessidades do educando."
A advogada Ione Fucs, presidente da ADJ (Associação de Diabetes Juvenil), acredita que o socorro deve ser prestado pela escola. "É imprescindível saber quando chamar o médico ou ligar para a família." Se uma crise de hipoglicemia não for corrigida rapidamente, pode levar a coma.
A entidade, que orienta portadores, familiares e comunidade, incluindo escolas, criou um abaixo-assinado para apoiar um projeto de lei apresentado em novembro de 2008 pelo deputado estadual Jonas Donizete (PSB-SP).
O texto propõe que todas as escolas paulistas, públicas ou privadas, tenham um profissional de saúde para prestar socorro em emergências e atender alunos com problemas crônicos como diabetes, epilepsia e asma.
Hoje, poucas escolas têm um auxiliar de enfermagem ou um ambulatório, diz o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, José Augusto Lourenço. "Não chega a 1%."
Ele sugere que as escolas peçam aos pais uma ficha com o perfil clínico do aluno e diz que restrições alimentares devem ser respeitadas.
O preenchimento de uma ficha com dados de saúde da criança está prevista em uma portaria da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo.
"Quando a criança toma um remédio [oralmente], o pai tem que mandar a prescrição médica e uma autorização de como agir nas crises", diz Maria Cristina Martins, secretária de assuntos jurídicos do Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo).
No entanto, a portaria diz que, "em caso de (...) complexidade na administração [do remédio]", a diretoria pode "pedir a permanência da mãe" na escola durante as aulas.
Foi o que aconteceu com a assistente hospitalar Helena da Silva, 39. "Desde março, minha vida se resume a cuidar da Isabella", diz ela, que adiou os planos de voltar ao trabalho desde que descobriu que a filha, de cinco anos, tem diabetes.
Ela precisa acompanhar a menina em uma escola municipal. "Tenho que levar o lanche e ficar lá o tempo todo. Como ela não é de comer, tem muitas crises de hipoglicemia, e a escola não sabe o que fazer."
Mãe de dois diabéticos, Patrícia Lopes, 32, também já ficou a tarde toda na escola de um deles, Matheus, 6, para lhe dar lanche e insulina. Ela diz ter tentado matriculá-lo em duas escolas públicas, que negaram ter vagas. Foi a uma particular, que alegou não ter estrutura e, numa outra, encontrou Matheus desmaiado, com hipoglicemia. "As pessoas achavam que ele estava dormindo."
Finalmente, encontrou uma escola que o aceitou -- a sócia era diabética. Mas, agora, Matheus concluiu a pré-escola e Patrícia está novamente em busca de um estabelecimento.
Cuidados
Os cuidados com a criança diabética na escola não são poucos. "As dificuldades dependem não só da idade do estudante mas do momento em que o diabetes foi diagnosticado, do estímulo da família e da forma como ela enfrenta a doença", diz Roseli Rezende, enfermeira da ADJ.
Ela diz que o professor precisa conhecer o aluno para identificar uma crise hipoglicêmica. "A criança fica parada, tristonha. Pode ficar pálida, tremer, transpirar." Afirma, ainda, que é importante supervisionar o autocuidado do aluno e oferecer uma alimentação saudável, orientada por nutricionista.
Para Martins, do Sinpeem, as escolas não têm estrutura para isso. "Não é viável que o professor, com 45 alunos na sala, assuma uma responsabilidade que não é dele. Falta estrutura, e o diabetes é uma doença grave. Não dá para simplesmente aplicar a insulina, pois você pode aplicar mais que o devido."
Silvia Barbara, vice-presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo, considera "mais honesto" que uma escola informe que não consegue assumir o cuidado médico. "Os pais devem buscar uma escola [particular] em que tenham certeza de que seu filho será tratado corretamente." Fucs, da ADJ, discorda. "A Constituição proíbe discriminação. As escolas devem se preparar para esses alunos e buscar auxílio nos serviços de saúde."
Adolescência
Os problemas não acabam quando a criança consegue se cuidar sozinha. Thayrine de Moraes, 15, que cursa o segundo ano do ensino médio, diz que no ensino fundamental alguns professores não gostavam que medisse a glicemia nem que fosse ao banheiro.
"O médico explicou que ela teria que sair várias vezes, mas havia professor que pensava que ela usava a doença para sair da classe", diz seu pai, o taxista Marco Aurélio Moraes, 39.
Thayrine chegou a ser expulsa de uma aula após a professora negar que ela fosse ao banheiro -- um sintoma da hiperglicemia é ter mais vontade de urinar -- e achar ruim por ela medir sua glicose e aplicar insulina.
"Meu pai reclamou e eles cederam uma sala para que eu aplicasse insulina." A professora pediu desculpas. "Eu disse que tudo bem, mas não achei certo o que ela fez."