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DIA A DIA

Liderança agrícola deve aumentar influência internacional do Brasil
01/04/2009 - Alessandra Corrêa - BBC

O Brasil deverá aproveitar a posição de liderança na agricultura para aumentar sua influência internacional nos próximos anos, afirmam analistas.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), até 2050 o mundo deverá dobrar a produção para alimentar uma população de 9 bilhões de pessoas.

Com disponibilidade de terras agricultáveis, água em abundância, condições de clima favoráveis, domínio da tecnologia de agricultura tropical e uma agroindústria avançada, o Brasil poderá chegar a 2020 como a principal potência agrícola do mundial.


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O avanço nessa área acontece em um momento crucial. Desde o ano passado, o tema da segurança alimentar voltou à agenda internacional, com a crise provocada pela alta dos alimentos.

"Depois de os preços virem caindo desde os anos 70, a partir de 2005 subiram rapidamente. De todos os países do mundo, o Brasil foi o que mais ocupou o espaço aberto por esse aumento de preços e pela possibilidade de aumentar suas exportações", disse à BBC Brasil o representante regional da FAO, José Graziano.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem usado politicamente o potencial agrícola brasileiro em suas participações em fóruns internacionais.

Lula já disse mais de uma vez, durante viagens internacionais, que a crise era "uma grande oportunidade para voltarmos a produzir muito mais alimentos".

Nesta safra, o Brasil deverá colher mais de 135 milhões de toneladas de grãos, o que representa cerca de 6% da produção mundial, estimada em 2,2 bilhões de toneladas pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

O país já figura entre os líderes em algumas das principais culturas. É o segundo maior produtor de soja (atrás dos Estados Unidos) e o terceiro de milho (depois de Estados Unidos e China). É destaque ainda em uma gama de produtos, de café e carnes a frutas e etanol.

No entanto, diferentemente de outros líderes nesse setor, que já chegaram a seu limite de área e produtividade, o Brasil ainda tem muito a avançar, segundo analistas.

"O Brasil está perfeitamente habilitado a, nos próximos 10 anos, chegar a 300 milhões de toneladas", diz o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.

"A demanda por produtos agrícolas vai crescer bastante nos próximos anos", diz Rodrigues. "E poucos países têm condições de atender a essa demanda como o Brasil."

Terra

Os cálculos dos analistas sobre o volume de terras agricultáveis disponíveis no Brasil variam de 60 milhões a 200 milhões de hectares.

"O Brasil tem terras disponíveis em uma escala que nenhum outro país tem hoje", diz o representante regional da FAO, José Graziano, que já foi ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome no primeiro governo de Lula.

Segundo o governo e diversos especialistas, as terras inseridas nessas estimativas não incluem regiões de florestas ou de reservas, e são formadas principalmente por pastagens degradadas, que podem ser reaproveitadas para agricultura, e áreas nativas a ser abertas.

"O Brasil tem 176 milhões de hectares de pastagens plantadas e outro tanto de pastagens naturais, que é difícil medir. Somando dá alguma coisa em torno de 200 milhões de hectares", diz Rodrigues.

Ambientalistas contestam a afirmação de que as terras agricultáveis não incluem florestas ou reservas e alertam para os impactos que a expansão da agricultura tem sobre o meio ambiente, como degradar rios e colocar espécies animais em risco.

Mas apesar das divergências, o fato é que esse potencial de terras ainda inexploradas coloca o Brasil em uma posição de destaque em relação aos outros grandes emergentes do grupo BRIC.

Outro ponto a favor do Brasil é a tecnologia para agricultura tropical, considerada por especialistas a mais avançada do mundo.

Nas últimas décadas, pesquisadores brasileiros conseguiram, entre outras conquistas, adaptar variedades antes produtivas somente em regiões temperadas às condições de solo e clima do cerrado, o que fez o Brasil despontar como grande produtor agropecuário.

O domínio dessa tecnologia e o melhoramento de sementes ampliaram as fronteiras agrícolas do Brasil e transformaram regiões antes consideradas improdutivas, como o sul do Maranhão, em importantes pólos de produção.

Além disso, a tecnologia também permitiu aumentar o rendimento por hectare. Com isso, a produção brasileira deu um salto sem tanta necessidade de expansão de área.

Em 1981, segundo dados do IBGE, o Brasil plantou 37,4 milhões de hectares e colheu 51,1 milhões de toneladas de grãos. Na safra 2008/2009, a área foi de 47,4 milhões de hectares.

"Nos últimos 15 anos, a área plantada com grãos no país cresceu 27%, e a produção aumentou 142%", afirma Roberto Rodrigues. "Pura tecnologia."

Dificuldades

Apesar de todas essas vantagens, porém, o setor agropecuário brasileiro ainda enfrenta dificuldades.

O alto rendimento obtido em grandes propriedades que usam tecnologia de ponta nem sempre é registrado entre os pequenos agricultores.

"Temos uma agricultura muito heterogênea", diz Rodrigues. "Há produtores brasileiros comparados aos melhores do mundo, como americanos e australianos. Mas também há outros comparados a agricultores africanos."

Essa disparidade faz com que, apesar da alta produtividade em algumas regiões, o rendimento médio das lavouras brasileiras ainda seja considerado baixo em comparação ao de outros grandes produtores agrícolas.

"No milho, por exemplo, a oscilação é de 3 mil a 14 mil quilos por hectare, dependendo do produtor", diz o analista Paulo Molinari, da consultoria Safras & Mercado.

Um dos principais gargalos apontados por analistas, porém, se refere a infra-estrutura e logística.

"As dimensões do Brasil são grandes, e dependemos de uma malha de transportes concentrada em rodovias", diz Molinari.

A distância de portos e de grandes centros consumidores e a falta de uma malha ferroviária dificulta o escoamento e reduz a competitividade de muitos produtores.

Há ainda deficiência de estrutura em portos e falta de armazéns, além do desafio de combater o protecionismo no mercado internacional.

No entanto, os especialistas afirmam que o Brasil tem condições de superar esses entraves e não duvidam da capacidade do país de assumir seu papel de liderança no agronegócio mundial.

"O Brasil é peça essencial para vencer a fome", diz o diretor técnico da consultoria Agra FNP, José Vicente Ferraz.

Diversificação é arma do agronegócio

A diversificação que permitiu ao Brasil despontar como maior exportador mundial de uma variedade de produtos agropecuários nas últimas décadas também será crucial para consolidar essa liderança e avançar sobre outras áreas até 2020, afirmam analistas.

Apesar de sempre ter tido presença destacada no mercado internacional de produtos agropecuários, foi quando começou a diversificar sua pauta que o Brasil se firmou como grande exportador.

"Nos anos 70, o café representava mais de 60% da pauta de exportações brasileira, enquanto soja e carnes, por exemplo, sequer figuravam nesse ranking", diz o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.

"Hoje, apesar de ter crescido em termos absolutos, o café representa 6%. Carnes e soja chegam a 45%", afirma.

Além de manter a liderança no café, o Brasil hoje é o maior exportador mundial de carne bovina e de frango, etanol de cana-de-açúcar e do complexo soja (que inclui óleo, farelo e grãos), segundo dados do Ministério da Agricultura.

Está também entre os líderes em um leque de outros produtos, que vão de milho e soja em grão (segundo, atrás dos Estados Unidos) a carne suína e fumo.

"O modelo brasileiro é muito inovador. Não há mais um setor exportador, como era na época do café e nos ciclos anteriores, da borracha, da pecuária", diz o representante regional da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano.

"Hoje o Brasil exporta produtos de todo tipo, do mel de abelha do Piauí à soja do Paraná. O setor exportador não é mais um enclave, é parte das cadeias produtivas", afirma.

Segundo o representante da FAO, essa diversificação torna possível também reorientar determinado produto para o mercado interno quando o externo vai mal, como neste período de crise mundial.

Crescimento

Mesmo com esse desempenho já destacado no comércio internacional, ainda há muito espaço para crescer, afirmam analistas. Até 2020 o Brasil deverá aumentar sua importância como exportador de uma série de cadeias produtivas.

"Há pelo menos duas áreas em que podemos crescer espetacularmente: fruticultura e floricultura", diz Roberto Rodrigues.

A fruticultura brasileira já deu um salto nos últimos anos, com o surgimento de polos como o do vale do São Francisco, em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), que se destaca na exportação de manga e uva.

Em relação a frutas tropicais, especialistas afirmam que, apesar de já marcar presença no mercado internacional, o Brasil ainda pode aumentar o volume exportado.

"Em proteínas animais, vamos dar um grande salto. Suinocultura, produtos lácteos", diz Rodrigues. "Acho também que vamos crescer muito em nichos específicos, como orgânicos."

Novos mercados

Além de incluir novos produtos em sua pauta de exportações, o Brasil deverá também conquistar novos mercados.

O analista Paulo Molinari, da consultoria Safras & Mercado, cita entre os mercados que podem ganhar importância para o Brasil na próxima década o México (carnes), a China (frango) e os Estados Unidos (que ainda não compram carne in natura brasileira).

Para ampliar essa participação no comércio internacional, porém, o Brasil ainda precisa vencer a barreira do protecionismo, que pode se agravar com a atual crise econômica mundial.

Segundo Roberto Rodrigues, o Brasil precisa criar mecanismos de promoção comercial. O ex-ministro diz que também é necessário agregar valor e realizar negociações privadas entre produtores brasileiros e distribuidores internacionais.

"Veja o exemplo do café. O Brasil é o maior exportador, mas tem menos de 2% do mercado mundial de café torrado e moído, que está concentrado na Alemanha e na Itália, que não produzem sequer um pé de café", diz.

De acordo com Rodrigues, se o Brasil quiser torrar e moer o café aqui, para depois exportar, precisa de um acordo com os distribuidores. "Se não tiver um acordo, (o café) fica no porto, ninguém pega."

Conforme analistas, com a paralisação da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), que busca a liberalização do comércio internacional, torna-se mais importante a ampliação das negociações bilaterais entre os países.

"Os interesses são gigantescos. A negociação passa por todo um acerto tecnológico, sanitário, ambiental, e por acordos comerciais também. É uma longa disputa", diz Rodrigues. "Estamos, na verdade, aprendendo a mexer com isso. Mas estamos aprendendo depressa."

  

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