Muda o perfil do ensino de agronomia 01/04/2009
- Niza Souza - O Estado de S.Paulo
Quando o agrônomo Ricardo Victoria Filho formou-se, há 40 anos, pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), assuntos como sustentabilidade e segurança alimentar não faziam parte do currículo, muito menos do vocabulário comumente empregado nas universidades de agronomia. Mas a globalização e a busca dos consumidores por alimentos saudáveis e produzidos de forma ambientalmente sustentável chegaram às salas de aula e começaram, há alguns anos, a mudar o perfil do ensino de agronomia.
"Na época em que eu era aluno, o mercado pedia um profissional que ajudasse a aumentar a área plantada e a produtividade das principais lavouras. Esse era o foco da agricultura", lembra Victoria Filho, que hoje é coordenador do curso de Agronomia da Esalq.
Há 40 anos, não se falava em práticas conservacionistas do solo, por exemplo. "Aprendíamos a arar e gradear a terra, a usar agroquímicos. Plantio direto nem existia. Hoje, temos uma disciplina no currículo aqui na Esalq que só trata dessa prática", compara.
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Outro exemplo é o conteúdo da disciplina de entomologia, que estuda os insetos. Há alguns anos o foco da matéria era basicamente o controle químico de pragas e doenças. "Não deixamos de falar sobre agroquímicos, mas hoje o assunto principal é o controle biológico. Tanto que a maioria dos trabalhos e pesquisas do departamento de entomologia é em controle biológico de pragas", diz o professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq, Ricardo Shirota.
"Antigamente, falar em produção orgânica e meio ambiente era coisa de hippie. Agrônomo mesmo usava defensivos", recorda Shirota. "Eram outros tempos, quando a agricultura precisava crescer, aumentar produção e a produtividade, porque havia uma grande preocupação com o crescimento da população e o risco de faltar alimentos."
Hoje em dia essa não é mais uma grande preocupação. "Ainda há países que enfrentam problema com a fome, mas a causa não é a oferta de alimentos, mas o acesso restrito à comida", diz Shirota.
PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL
Foi então que o cenário mudou e os consumidores passaram a demandar não só alimentos em quantidade, mas também a exigir qualidade nutricional e a impor barreiras não-tarifárias, como certificados de produção sustentável. "Tudo isso afeta o perfil do profissional que vai atender a esse mercado."
O coordenador do curso de Agronomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), João Sebastião de Araújo, concorda que o perfil do agrônomo vem sofrendo profundas alterações nos últimos 40 anos, principalmente em função da globalização.
Primeiro, diz, o agrônomo tinha uma formação muito voltada para atividades agropecuária, dentro da porteira. Depois, veio a fase de especializações em engenharia agrícola, zootecnia, tecnologia dos alimentos e fitotecnia. "Temas como globalização, ecologia, questões ambientais e responsabilidade social são mais recentes e deram à profissão novas perspectivas", completa.
Busca por métodos naturais de controle de pragas é rotina
Nos laboratórios das principais universidades de agronomia do País a maioria das pesquisas e estudos, hoje em dia, é em busca da redução do uso de agrotóxicos nas lavouras. "Estamos passando por uma fase de transição, do controle químico para o biológico", confirma o professor José Maurício Simões Bento, coordenador do Laboratório de Comportamento de Insetos da Esalq, criado há apenas dois anos.
Conforme o professor, países mais desenvolvidos, como os da Europa, já investem milhões em áreas de pesquisa de voláteis de plantas e semioquímicos, além de feromônios, por exemplo, "tudo em busca de sustentabilidade". "É uma área nova no Brasil", diz Bento.
O professor lembra que no exterior a preocupação com produtos mais limpos, sem resíduos químicos, é maior em comparação ao Brasil. Mas o País, como grande exportador de alimentos, está sendo cada vez mais exigido neste sentido. "A tendência é que as exigências, principalmente com as chamadas barreiras não-tarifárias, aumentem cada vez mais", alerta o professor.
CONSUMIDOR EXIGENTE
Na medida em que o consumidor final fica mais exigente, o mercado começa a cobrar do produtor rural, que busca alternativas para produzir com mais qualidade, dentro dos padrões exigidos. "Os agrônomos precisam ter essa visão do mercado. Não só para atender ao produtor, mas também para outras áreas, pois hoje o mercado é amplo", diz Bento. "E a universidade tem a obrigação de formar o agrônomo com essa visão ampla."
No laboratório de entomologia da Esalq não faltam pesquisas sobre controle biológico de pragas. "Um dos estudos recentes é o controle da broca gigante da cana-de-açúcar, que chegou no ano passado nos canaviais paulistas", diz Bento. Mas nem sempre foi assim. "Antigamente, falar em soltar um inimigo natural na lavoura era inviável, porque os produtores não aceitavam. Hoje, o agricultor já vê essa prática com outros olhos."
Um termômetro dessa mudança é o próprio mercado de trabalho. Segundo o professor, a demanda pelo curso de pós-graduação na área de controle biológico está crescendo. "Temos recebido agrônomos já formados há alguns anos, buscando conhecer essa nova área. É um reflexo da demanda do mercado."
MUDANÇA NO ENSINO
Novas disciplinas
Universidades criaram novas matérias, como introdução à agricultura sustentável, ecologia, educação ambiental e energia na agricultura, que trata das fontes de energia limpa
Fitossanidade
Disciplinas como entomologia focam mais no controle biológico do que no químico
Manejo na lavoura
Plantio direto é disciplina
Mercado de trabalho
Globalização exige profissional com conhecimentos gerais, "além da porteira"