Índios rivais já discutem "herança" na reserva Raposa/Serra do Sol 02/05/2009
- João Carlos Magalhães - Agência Folha
No último dia do prazo legal para a saída dos não índios da reserva Raposa/Serra do Sol, indígenas de entidades rivais já discutiam ontem a "herança" de quem deixou a área.
Construções abandonadas na Vila Surumu (porta de entrada da terra indígena) estão sendo ocupadas por índios da Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), que apoiou a permanência dos arrozeiros.
O problema é que, para lideranças do CIR (Conselho Indígena de Roraima), organização a favor da saída dos não índios, as chaves desses imóveis deveriam ser dadas à Funai (Fundação Nacional do Índio), que só depois decidiria o que fazer com eles.
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"Estamos fazendo isso porque eles [CIR] querem abarcar tudo", disse o macuxi Edinilson Barroso Albuquerque, da Sodiur, em frente a uma pequena casa, que um dia serviu de templo para evangélicos da vila. Sua dona saiu anteontem e deixou que índios próximos a ela ficassem no local.
Cristóvão Galvão, um dos líderes do CIR na região, afirmou que fará apenas o que mandar a Justiça, e que "esse discurso de derramamento de sangue" é exclusivo dos que acabaram derrotados pela decisão do Supremo Tribunal Federal de manter a demarcação contínua da reserva, que tem área equivalente a 7% do Estado (1,7 milhão de hectares).
Ambos disseram que as diferenças entre as entidades devem aumentar após a retirada completa dos não índios.
Outra disputa deve envolver a ocupação de território das ao menos oito fazendas de arroz, área propícia para plantações e criações de animais.
Nas propriedades, não restou muito para ser usado. Os arrozeiros optaram por torná-las "terra arrasada" antes de sair.
Paulo César Quartiero, líder dos produtores, tirou quase tudo de sua fazenda -- operação que disse ter custado R$ 2 milhões. Depois, usou máquinas para derrubar até as construções de alvenaria. O mesmo procedimento foi usado em ao menos outras três fazendas.
Os poucos expulsos que ainda restavam na vila ontem tiravam móveis e eletrodomésticos das casas e esperavam os caminhões cedidos pelo governo estadual para levar os bens.
Segundo afirmaram à reportagem, somavam menos de dez famílias. As que não conseguirem sair no prazo não devem resistir à retirada. Mas há outras no interior da reserva, que podem insistir em ficar.
Já os índios não demonstravam estar na reta final de um conflito que, dizem, durou 38 anos e lhes custou 22 vidas. Na escola e nas casas, não havia sinais de festa, e mesmo o número de policiais federais na comunidade (dois) era menor do que o mobilizado em outros momentos do processo.
A tranquilidade na vila só foi quebrada pela chegada do presidente do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, Jirair Meguerian, e de um ônibus com 50 agentes da FNS (Força Nacional de Segurança).
A FNS, junto à Polícia Federal e à Funai, começou a operação de retirada de quem insistir em permanecer na área a partir da madrugada de ontem. Pode durar até um mês e será realizada por mais de 500 funcionários federais.
Meguerian ficará em Pacaraima, decidindo sobre pedidos -- de prisão, por exemplo -- que surgirem conforme a ação se desenrolar. Na vila, ele conversou com alguns índios, pedindo que ninguém tente, por si próprio, expulsar aqueles que não saírem após o final do prazo. A ordem é que apenas a PF pode fazer isso.