Não se atropela o meio ambiente, diz secretária-executiva de Minc 07/06/2009
- Ligia Formenti - O Estado de S.Paulo
Ao longo de uma hora de entrevista ao Estado, na quinta-feira passada, ela repetiu sem parar uma palavra: diálogo. E emendava: "O Ministério do Meio Ambiente não é contra o desenvolvimento." Izabella Teixeira, secretária executiva da pasta do ministro Carlos Minc, faz profissão de fé na negociação, mas não aceita que o meio ambiente seja alvo de "atropelos" de quem não entende que o mundo está caminhando para um "capitalismo do carbono". Repele a ideia de que esteja fazendo política "entreguista", como criticam alguns militantes, e diz que há "diálogo em todos os pontos críticos".
Izabella é funcionária de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). É formada em biologia pela Universidade de Brasília (UnB), com doutorado em planejamento energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nas reuniões do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que coordena na ausência de Minc, não raro cobra pontualidade, celulares no modo silencioso e até o bom português - o que já lhe rendeu o apelido de "Dilma do Meio Ambiente".
Ela admite ser conhecida pelo prazer de uma boa briga, mas completa: "Só quando não é para perder." A seguir, os principais pontos da entrevista:
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Recentemente foram feitas mudanças em textos de medidas provisórias relacionadas a temas importantes para o Ministério do Meio Ambiente: análise ambiental e regularização fundiária na Amazônia Legal. Ao mesmo tempo, há a apresentação da proposta de um novo Código Ambiental. Que ofensiva é essa?
- Está havendo um movimento mais conservador. Acho apropriado que na sociedade democrática segmentos insatisfeitos manifestem sua opinião. O que acho pouco produtivo é não ter mesa para o diálogo. Tal comportamento é profundamente desalinhado com o momento atual, em que o Brasil consolida seu papel estratégico no debate da questão ambiental. E, principalmente, em um momento que o planeta todo discute um novo modelo de economia, um modelo que chamo de capitalismo de dois "cês": capitalismo do carbono. O que impressiona é que, diante desse quadro, pessoas queiram discutir meio ambiente como algo restritivo ao desenvolvimento. Acho esse debate extremamente extemporâneo, um discurso de 30 anos atrás. Mas no caso do Código Florestal, por exemplo, estamos discutindo floresta ou ocupação da terra para uso agrícola? Qual é o foco?
Na sua avaliação, qual é o foco?
- O Brasil tem mais de 40 milhões de hectares de área degradada. Mesmo assim, há a tendência de se discutir a necessidade de terra para a produção agrícola. A pergunta que se faz é: o Código Florestal é tão restritivo assim? As leis ambientais são tão restritivas assim? Ou a abordagem política de incremento da produtividade agrícola e de novas áreas da agricultura precisam ser mais bem debatidas com a sociedade? Estamos abertos ao diálogo. O que não dá é a gente tomar conhecimento de propostas quando estão consolidadas.Temos de saber lidar com as diferenças, ter uma maturidade, uma serenidade no diálogo, com vistas à construção de uma saída sustentável.
É o caso do Código Ambiental?
- Há um movimento no Congresso que entende que, para avançarmos na área de meio ambiente, é preciso criar um código ambiental que simplifique e elimine conquistas que a sociedade brasileira estabeleceu. A sensação que se tem é de que nós, do meio ambiente, legislamos sozinhos. Pelo que sei, todas as leis ambientais foram aprovadas pelo Congresso. E o Congresso foi eleito pelo povo. A bancada ruralista está ganhando expressão, tem importância política, econômica e social, mas deve haver diálogo.
A bancada ruralista diz que há exageros na legislação em vigor.
- Não é mudando lei de cima para baixo que se vai avançar numa situação. É possível fazer correções, mas o meio ambiente não é uma questão que se atropela. Licenças ambientais não são meras autorizações.
Com quem o diálogo é travado?
- Tenho agenda de trabalho setorial que envolve o Ministério de Minas e Energia, o setor de petróleo e gás. Naquilo que é competência do governo federal, não temos nenhuma pendência ambiental. Planos vêm sendo implementados e, quando não é possível, a licença é negada. No setor elétrico, há evoluções até significativas. Há perspectivas de simplificação do licenciamento, avaliações mais sólidas. Tudo com agenda e calendário.
Mas a direção do Departamento Nacional de infraestrutura de Transportes (DNIT), por exemplo, tem outra avaliação. Muita demora na avaliação dos pedidos.
- Existem setores que também passam por processos de reestruturação, como o setor de transporte e o portuário. Se planejo desenvolvimento com a variável econômica, com a variável social, com a variável tecnológica, política, eu tenho de incorporar a variável ambiental. Não é correto, no meu entendimento, que tudo seja transferido para o Ibama, para o órgão ambiental. O órgão ambiental tem de fazer planejamento ambiental, tem de oferecer ao debate a sua visão dentro das suas políticas públicas de planejamento. Há uma demanda imensa de investimentos, o Brasil precisa melhorar sua infraestrutura. Ninguém é contra o desenvolvimento no Ministério do Meio Ambiente, mas ele tem de ocorrer em bases sustentáveis.
Há algum problema de mentalidade sobre o tema no País?
- Ainda está muito presente uma resistência extemporânea. Cultura de que meio ambiente é para ambientalistas ou para biodesagradáveis, como muitas vezes já ouvi na Esplanada dos Ministérios. Meio ambiente é uma variável, é parte da solução. A gente tem de ter uma visão mais pragmática, sentar à mesa. Ontem (quarta) aprovamos no Conama uma resolução que estabelece procedimentos simplificados de licenciamento ambiental para aquicultura. A resolução tramitava há 5 anos. Não havia consenso. Depois de negociação, de conversas, conciliações, conseguimos aprovar o projeto. Por unanimidade.
A infraestrutura no serviço de licenciamento é ruim?
- A gente está precisando de um INSS ambiental. Aposentar-se sempre foi um problema. Simplificaram os procedimentos, informatizaram tudo. Quem disse que não há como fazer procedimento simplificado para averbação de reserva legal? Tenho de ficar presa a uma burocracia no escritório do Ibama? Quem disse? Numa época em que se tem tecnologia da informação? É preciso sentar e discutir o custo desse modelo e não ficar discutindo se é legal ou se não é legal averbar reserva legal, se é viável ou inviável diminuir a reserva legal de 80%. Pelo amor de Deus! É mais fácil buscar solução.
E o que a senhora achou das propostas do Código Ambiental?
- Um retrocesso. Não é assim que se avança. Acho que as pessoas não estão conseguindo buscar ou identificar melhores caminhos para o diálogo. Há coisas que são inconciliáveis. Como admito, por exemplo, que uma pessoa que descumpriu a lei seja anistiada? Uma coisa é a pessoa ter desmatado 50% da propriedade e, depois disso, a lei mudar e exigir preservação de 80% da área. Nesses casos, podemos procurar meios para que essa pessoa fique novamente em conformidade com a lei. Mas, se você tinha autorização para desmatar 50% e desmatou 100%, por que vou anistiar?
Quais são as alternativas?
- Quando crio uma unidade de conservação, eu não estou engessando o desenvolvimento, estou dando opção de uso para aquela terra. Estou conservando a biodiversidade. Isso é uma opção de uso que a sociedade permitiu. Caso contrário, não haveria uma lei sobre o assunto. O resultado desse uso é outra discussão.
Qual?
- Por que vou aos EUA, Canadá, Inglaterra, Noruega, visito parques unidades de conservação e não consigo visitar no Brasil? Talvez porque no momento de implementar aqui tenha havido dificuldade, não tenha sido prioridade. Faça uma visita ao Parque Nacional do Iguaçu. Veja como funciona. E lembre que há 9 serviços de concessão do lado brasileiro e 60 no argentino, que rendem impostos, rendem trabalho. Há uma estrutura de turismo em torno daquele ativo ambiental, que é monumental. Como posso desenvolver turismo no Parque Lençóis Maranhenses, se na região do parque não há estrutura hoteleira... Chega um estrangeiro lá e não consegue passar um cartão de crédito porque não tem serviço implantado. Como vou socorrer um turista que teve um enfarte? Vou transportá-lo de jegue?
Os órgãos de licenciamento estão aptos a desempenhar os serviços?
- Muitas vezes, o que poderia ser resolvido em 6 meses dura 2 anos. Tem culpado dos dois lados. Há termos de referência exagerados que orientam estudos ambientais, há insuficiência técnica, insuficiência de informação. Isso tem de acabar. Tem de ter objetivo, tem de ter clareza. Ao mesmo tempo, é preciso ter qualidade nos estudos ambientais entregues. Não adianta entregar estudo ambiental, se você coloca, por exemplo, a existência de leão marinho na bacia de Santos, como foi entregue. Está no Ibama. Foi tão "corta" e "cola", usando um programa de tradução, que inventaram uma espécie que não existe no Brasil.
É preciso ter licença ambiental para fazer tapa-buraco?
- Não. Mas pergunta quantas rodovias federais têm licença ambiental.
A senhora imaginava enfrentar tantas resistências?
- Nessa magnitude não. As divergências sempre existem. Mas a temperatura está muito alta. Há um passivo associado a situações específicas em determinados Estados e regiões, no próprio Ibama. A sensação é de que ninguém quer gastar, investir e ficar refém. As pessoas temem que passe a vigorar cultura mais ortodoxa em torno da questão ambiental.
Isso ocorre em que setores?
- No setor agrícola, no de transportes. Todos os setores acham que isso é uma bobagem.
Entre os ambientalistas há a visão de que a gestão do ministro Minc é entreguista.
- Não é verdade. É fácil dizer que é entreguista. E o oposto, o que é? É não fazer nada? Então a gente vai fazer o quê? O ambientalista que acha isso pega o notebook dele e sobe em cima da árvore na Amazônia, transmite a informação via satélite. Mas o notebook é feito do quê? De plástico. E vem do quê? Do petróleo. Esse ambientalista não pega avião? Como é que ele vai para o aeroporto? Quando acende a luz na casa dele, de onde ele acha que vem aquela energia? Nós (no Ministério do Meio Ambiente) dizemos o que dá para fazer e o que não dá para fazer. Com toda a objetividade. Assuntos não são engavetados, essa é a diferença. Na minha mesa não tem nenhum assunto parado. Não é uma mesa com pilhas ou com gavetas. Falar que é entreguismo é não querer ter uma agenda de movimento sustentável. Falar que há um conservadorismo é também ter uma visão muito extemporânea da questão ambiental, absolutamente inaceitável para um país como o Brasil.
Diante das críticas e pressões, fazer o quê?
- Do ponto de vista executivo, avançar no diálogo em todos os pontos mais críticos. Ter também um papel mais articulado, com presença maior no Congresso, com ações setoriais. Debate político sem a solidez técnica é balão de ensaio. É possível não ter licença prévia para operação de tapa buracos? Claro que é possível. Mas isso é diferente de ser dispensado de licenciamento ambiental. É possível simplificar pavimentação de rodovias de baixo impacto ambiental. Vamos discutir a pavimentação de rodovias como a BR-163 sem estudos ambientais? Se essa é a escolha da sociedade! Depois, então, o Ministério dos Transportes virá a público, todos os meses, para explicar o aumento do desmatamento na Amazônia. Por que o Ministério do Meio Ambiente justifica, todo o mês, os índices de desmatamento? Até onde eu sei, o ministério não tem nenhuma política que fomenta o desmatamento. Isso faz parte da incoerência, das coisas pitorescas com que trabalhamos para avançar e conciliar.