Com a crise, calote se alastra pelo campo 22/06/2009
- O Estado de S.Paulo
As dificuldades do agronegócio não abateram apenas os donos de usinas e frigoríficos. O amontoado de pedidos de recuperação judicial nos dois setores encobre um outro elo frágil do agronegócio. Com a crise, os produtores têm acumulado calotes.
Só em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul a estimativa, segundo as federações que representam os produtores, é que dívida de usinas e frigoríficos com os produtores rurais chegue a R$ 260 milhões. Mas não são apenas as empresas do agronegócio em recuperação judicial que têm deixado de arcar com os compromissos, como conta Feliciano Moura Ribeiro Neto, de Morrinhos (a 120 km de Goiânia), pequeno produtor de cana.
Ribeiro assinou um contrato de arrendamento de sua propriedade para fornecer cana à usina Camen. A empresa pagaria aluguel anual, sempre em setembro, de 2008 a 2010. O dinheiro do ano passado, R$ 12 mil, ainda não saiu e daqui a três meses vence a segunda parcela. A dívida com os produtores, calcula-se, passa de R$ 5 milhões. "O projeto da usina ficou pela metade e agora a esperança é que outro grupo a compre. Tem cana na minha propriedade à espera da colheita há dois anos."
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Luiz Carlos Tasso Júnior, de Sertãozinho (SP), é a terceira geração da família que vive do plantio de cana-de-açúcar. A produção do Sítio Ana Paula abastece três usinas da região. Uma delas - Tasso prefere não revelar o nome porque está no meio da negociação - deveria ter pago pela cana em 30 de abril, mas pediu mais prazo e agora promete acertar as contas nesta semana.
Além do atraso, há o problema da defasagem no preço do produto. A tonelada reverte para o produtor R$ 22, já descontado o custo do corte, o carregamento e o gasto com o caminhão. É um valor 10% maior que o da safra passada. Mas os custos subiram 19% no período. "E para piorar falta dinheiro para nos capitalizarmos."
O problema, segundo Ismael Perina, presidente da Cooperativa dos Plantadores de Cana da Zona de Guariba (SP), é agravado pela falta generalizada de crédito desde o início da crise financeira global. "Podemos esperar o comprometimento da produção nos próximos anos. Vai faltar dinheiro para muita gente que está na atividade." Perina também administra uma cooperativa de crédito, que atualmente tem uma inadimplência de 5% ("era quase zero", lembra). Para socorrer os cooperados, cerca de 1 mil ativos, foi preciso recorrer ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O pedido foi feito há um mês, mas o sinal verde ainda não foi dado.
O BNDES registrou um aumento da demanda por crédito entre as cooperativas agrícolas e agropecuárias. Na comparação entre o período de janeiro a maio de 2008 e 2009 a alta foi de 44%, segundo Marcos Fernandes Machado, gerente do departamento de suporte e controle operacional da Área de Operações Indiretas.
Já no Banco do Brasil, principal financiador da atividade agropecuária no País, por enquanto não houve alta na inadimplência ou nos pedidos de renegociação de financiamentos, segundo o diretor de Agronegócios, José Carlos Vaz.
"Mas é claro que o comprador com problema, no caso as usinas e os frigoríficos, resulta em fornecedores com problemas." Prevendo um crescimento da demanda, o BB tem reforçado os recursos para as empresas do agronegócio. Dos R$ 10 bilhões do BNDES, já emprestou desde o início do ano R$ 2,5 bilhões e deve desembolsar outros R$ 6 bilhões nos próximos 60 dias.
"Quando o produtor deixa de receber, a economia do interior se fragiliza. Ele deixa de pagar o banco, supermercado, funcionário, borracheiro. É um efeito terrível nas pequenas cidades", diz José Mário Schreiner, presidente da Federação da Agricultura de Goiás. No Estado, calcula, o calote na pecuária já está em R$ 60 milhões.
Ademar Silva Júnior, presidente da Federação da Agricultura do Mato Grosso do Sul, diz que no Estado, nos últimos 12 meses, o passivo acumulado só nos frigoríficos é de R$ 100 mil.
Os citricultores também têm dificuldades. Flávio Viegas, presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus) explica que o custo de produção da caixa de laranja é de R$ 15, mas as indústrias de processamento de suco têm pago entre R$ 3 e R$ 3,5.