As moratórias e os seus efeitos 29/08/2009
- Andrea Vialli - Jornal da Tarde
O setor pecuarista começou a viver em junho um período de inferno astral com a publicação do relatório "A Farra do Boi na Amazônia", elaborado pela ONG Greenpeace. O documento, fruto de três anos de estudo in loco, apontava a pecuária bovina como o mais novo vetor do desmatamento do bioma amazônico. E dava os nomes: grandes redes do varejo, frigoríficos com presença internacional e até consagradas marcas de calçados esportivos figuraram como corresponsáveis pela degradação da floresta.
O documento chamou a atenção do Ministério Público Federal do Pará, que deu início a uma ampla mobilização de mercado. Resultou no boicote das principais redes de varejo à carne produzida no Estado. Culminou também com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre supermercados e frigoríficos, que prometeram rastrear a origem da carne que chega à mesa do consumidor.
A Moratória da Carne - como ficou conhecido o episódio - não foi a primeira ação dessa natureza firmada entre mercado, ONGs e órgãos de fiscalização para tentar conter o avanço indiscriminado sobre a floresta.
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Em março foi firmado o pacto Madeira é Legal, em que prefeituras, governos estaduais e iniciativa privada se comprometeram a fiscalizar a origem da madeira da Amazônia que abastece o mercado do Sudeste.
E há três anos foi assinada a Moratória da Soja, compromisso que mobilizou a indústria de beneficiamento dessa cultura, governo e ambientalistas e que é considerado o mais bem-sucedido dos pactos do mercado contra o desmatamento.
A dúvida dos especialistas ouvidos pelo Estado é até que ponto as iniciativas firmadas no âmbito do mercado para conter a degradação da floresta estão surtindo efeito. Entre agosto de 2008 e julho de 2009, o desmatamento mês a mês medido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrou queda de 54,9%, em relação a agosto de 2007 e julho de 2008.
No entanto, a crise financeira retraiu a demanda mundial por commodities agrícolas, o que pode explicar, em parte, a perda no ritmo da devastação.
“Não tenho a menor dúvida de que a redução no ritmo do desmatamento foi influenciada pela queda na demanda internacional por commodities como soja e carne”, diz Cláudio Maretti, superintendente de conservação da ONG WWF-Brasil. “Mas há avanços que precisam ser considerados, até mesmo do ponto de vista da fiscalização dos órgãos públicos.”
SOJA
Assim como o pacto da pecuária, a Moratória da Soja começou com um estudo feito pelo Greenpeace há três anos e divulgado com estardalhaço na Europa. O relatório apontou que a cultura da soja era, naquele momento, um grande vetor do desmatamento no bioma e que a maior parte da produção alimentava, na Europa, frangos e gado cuja carne era servida em redes de fast food.
Consumidores preocupados com o meio ambiente boicotaram as redes, que deixaram de comprar carne de animais alimentados com soja do Brasil.
Exportadores de produtos como óleo e farelo de soja sentiram a pressão no bolso. Não tardou para que o setor negociasse com organizações não governamentais, em um movimento ao qual o governo se juntou depois. O setor se comprometeu a não comprar mais matéria-prima vinda de novas áreas de desmatamento na Amazônia Legal, a partir de 2006. Três anos depois, os signatários afirmam ter motivos para comemorar. “A soja não é mais um fator importante de desmatamento do bioma amazônico” afirma Carlo Lovatelli, presidente da Abiove, entidade que representa os produtores de óleos vegetais.
A fiscalização do cumprimento da moratória, feita por satélite, mostrou que, entre 2007 e 2008, não houve avanço da soja sobre os 295 polígonos (áreas superiores a 100 hectares) monitorados, o equivalente 49 mil hectares. Entre 2008/09, o monitoramento de 630 polígonos (158 mil hectares) mostrou 2,1 mil hectares desmatados, sendo que 1,3 mil com soja plantada (12 polígonos acima de 100 hectares em 10 propriedades).
“A soja produzida nessas localidades não será comprada pela indústria”, diz Lovatelli, que anunciou a renovação da moratória por mais um ano.
O sucesso dessa moratória, no entanto, pode ser explicado pelo comportamento do preço da commodity. A crise financeira fez o preço do grão oscilar muito, com picos de baixa cotação entre agosto de 2008 e julho deste ano, exatamente quando o desmatamento na Amazônia recuou. Em 21 de agosto de 2008, antes do agravamento da crise financeira, a soja estava cotada a US$ 13,65 o bushel (que corresponde a 27,2 quilos) no mercado internacional. No início de dezembro, chegou ao seu patamar mais baixo, sendo negociada a US$ 8,27.
Para Maretti, do WWF, os resultados do pacto da soja sugerem que as pressões de mercado podem ajudar, sim, a frear a derrubada da floresta. “São os nós da cadeia econômica que precisam chegar ao consumidor e influenciar sua decisão de compra. Ainda que as empresas tenham entrado no processo, é preciso ir além”, afirma.
É o caso da madeira amazônica de origem certificada, que ainda não conquistou espaço definitivo no mercado doméstico. “Não há prêmio no mercado interno para a madeira extraída de modo controlado e certificada”, explica Sérgio Amoroso, presidente do Grupo Orsa, que mantém uma área de 545 mil hectares de floresta com selo FSC no Pará.
“O pacto setorial da madeira ainda é muito recente, o que faz com que ainda não surtam efeitos diretos sobre os índices de desmatamento. Mas já dá para ver consequências marginais, como o aumento das revendas de madeira certificada”, diz Estevão Braga, coordenador de manejo florestal do WWF. Para Amoroso, falta no Brasil uma política de governo que exija madeira de origem sustentável nas compras de órgãos públicos e estatais e também certificação na concessão de florestas para exploração de madeira. “Seria um belo empurrão por parte do governo.”