Sua excelência, o suplente 17/10/2009
- Hugo Marques - Tevista ISTO[E
Todas as terças-feiras pela manhã, o ex-deputado federal Osvaldo Sobrinho (PTB-MT) desembarca no aeroporto de Brasília e procura seu motorista particular. Mal cruza o portão de desembarque e o cioso servidor abre os pulmões: “Senador, senador, aqui, aqui.”
Alertados pelos gritos, parentes, amigos ou funcionários dos passageiros que chegam buscam sem sucesso algum figurão da política brasileira. Sobrinho acena ao motorista, a pequena multidão volta-se novamente ao portão de desembarque e este ex-deputado federal nascido em Pirapozinho, no interior de São Paulo, segue para cumprir mais um dos seus 120 dias como senador da República.
O exaltado motorista de Sobrinho é uma exceção. Poucas pessoas em Brasília sabem quem é Osvaldo Sobrinho. Segundo suplente do senador mais votado de Mato Grosso nas eleições de 2006, Jayme Campos (DEM-MT), Sobrinho só conseguiu ocupar o gabinete de número 24 da Ala Teotônio Vilela do Senado Federal no início de setembro por conta de uma intrincada engrenagem política com vistas às eleições de 2010. Campos licenciou-se até o fim do ano e o primeiro suplente, Luiz Antônio Pagot (PR-MT), não quis abrir mão do cargo de diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o Dnit.
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“O Jayme está meio cansado, tem que reorganizar o partido no Estado, e o Pagot prefere administrar o orçamento de R$ 16 bilhões do Dnit”, disse, pouco antes de entrar no Congresso.
Toda vez que Sobrinho chega ao plenário do Senado é a mesma coisa. Estica bem o paletó para que o broche exclusivo dos senadores fique o mais visível possível e, assim, não corra o risco de ser abordado pelos seguranças. Na terça-feira 6, foi assim. Sobrinho foi o primeiro a chegar, entrou solitário no plenário e, vagarosamente, digitou a senha que confirma sua presença, sob o olhar curioso dos seguranças.
Apesar da pretensa assiduidade, ele é o único parlamentar que não tem fotografia, currículo ou qualquer informação mais relevante que sua data de nascimento e a cidade onde nasceu na página oficial do Senado. Ele não liga. Sua impressão sobre o Legislativo não é muito diferente da impressão da maior parte da população brasileira.
“Todos os parlamentares trabalham mais em torno da próxima eleição do que para a população”, diz candidamente Sobrinho. “Bobo no Congresso é só quem perdeu a eleição”, diz.
Sobrinho faz parte de uma categoria de políticos que nada precisa fazer para estar no Senado, a não ser conseguir uma vaga de eventual substituto na chapa do candidato oficial. Por se tratar de uma eleição majoritária, suplentes como ele nem sequer disputam votos. São simplesmente indicados pelos candidatos e assumem a vaga quando estes se ausentam ou abdicam do mandato conquistado nas urnas.
Mesmo assim, ele tem o mesmo peso de um senador eleito nas votações da Casa. Além disso, recebe o mesmo salário de R$ 16 mil e a verba indenizatória de R$ 15 mil que os colegas que venceram as eleições têm direito.
Desde que assumiu a vaga de Jayme Campos, Sobrinho segue uma rotina que pouco muda. Logo pela manhã, dá uma passada de olhos nos jornais de Mato Grosso. Sem nenhuma notícia importante envolvendo seu nome, segue para as comissões. Cruza o longo túnel que liga os gabinetes ao plenário da mesma forma que cruza o salão de desembarque do aeroporto de Brasília: como um completo desconhecido.
A manhã vai terminando e Sobrinho chega à Comissão de Assuntos Econômicos. Lá, uma vez mais, é tratado como anônimo. Depois de explicar quem é, descobre que nem ao menos seu nome consta na lista de presença. Um servidor acostumado aos cada vez mais frequentes senadores fugazes o auxilia e Sobrinho escreve seu nome abaixo do de Campos e assina ao lado. Por falta de quórum, a sessão nem sequer foi aberta.
Com isso, ele segue para a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. Lá, o debate ferve em torno dos laranjais destruídos pelo MST no interior de São Paulo. Sobrinho, finalmente, faz seu primeiro pronunciamento. Na verdade, um pequeno aparte. Dono de mil alqueires de terra em Mato Grosso, ele diz aos colegas que seu pai foi “sem-terra”.
Mas condenou o movimento comandado por João Pedro Stédile. “Eu não acompanhei o assunto, mas temos que nos indignar”, discursa, sem revelar aos colegas que seu pai, na verdade, era dono de cinco alqueires em sua cidade natal.
Feliz com a participação na Comissão, Sobrinho segue para o plenário, onde participa da primeira votação no dia, que decidia sobre a criação de uma universidade federal no oeste do Pará. Como ex-professor e ex-secretário de Educação de Mato Grosso, acha que “primeiro se cria a universidade e depois se arranja o dinheiro”. Votou a favor.
Sobrinho tem aproveitado como pode o curto tempo que tem na Câmara Alta do País para reforçar sua imagem em Mato Grosso. Sempre está em busca de espaço para ser entrevistado na TV Senado.
“É questão de tempo para eu me tornar conhecido, uns 50 senadores já sabem quem eu sou”, comemora.
Na terça-feira 6, enquanto todos os senadores faziam críticas ácidas ao MST no plenário, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), sumiu da Casa. Sobrinho estava por ali, perto da Mesa, e meio por acaso foi convocado para presidir a sessão.
“Quem é ele? Esse eu não conheço”, disse Francisco Dornelles (PP-RJ), observando a figura solitária de Sobrinho na Mesa da Casa. Em um jogo de tentativa e erro, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) acertou o nome do mais recente colega: “Eu acho que é o, o... o Osvaldo Sobrinho?”
O relógio marcava 20 horas e Osvaldo Sobrinho, um senador sem voto, assumiu o papel de presidente do Senado. Por mais de 50 minutos.