Custos podem dificultar maior qualidade do café consumido no país 24/11/2009
- Mauro Zafalon - Folha de S.Paulo
As indústrias querem elevar a qualidade do café consumido no país. Para obter um café ainda melhor, são necessários o envolvimento da produção no campo, a melhora no processo de industrialização e a aceitação do consumidor final. O engajamento de produtor e indústrias em projetos sustentáveis também é recomendável.
Maior qualidade, no entanto, pode significar custo maior em toda a cadeia: produção, indústrias e consumo. Estariam todos afinados para esse desafio? Essa é uma das questões que foram colocadas em evento que reuniu indústrias, produtores, exportadores e fornecedores de equipamentos para o setor, na semana passada, na Bahia.
Os números atualizados do setor indicam que a tarefa não será fácil. Desde o início do Plano Real, a inflação subiu 211% em São Paulo e o café em pó teve aumento de 49,9% nas gôndolas dos supermercados. Ou seja, enquanto os custos aumentam, a renda cai no setor. Os dados são da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP.
PUBLICIDADE
Esse descasamento de preços ocorreu no período em que a indústria já vem elevando a qualidade do café, com a adoção de um selo de qualidade. Nesse mesmo período, porém, houve grande concentração no setor, tirando o poder de fogo das empresas menores.
A adoção do selo de qualidade pelas indústrias faz com que diminuam as empresas que, além de café, oferecem "algo mais" em suas embalagens, como palha de café, paus moídos e outras misturas indesejáveis.
Do lado do produtor, a situação não é menos difícil. O preço do café não acompanhou a evolução dos custos, forçando a saída de muitos do setor. Os preços do café estão estáveis há quatro anos, segundo Nelson Barrizzelli, da USP.
Quem não produzir pelo menos 40 sacas de café por hectare não consegue fechar as contas. E muitos produtores estão nessa situação, já que a média nacional é de 19 sacas por hectare.
Há melhora na qualidade e aumento na oferta de café de qualidade, mas é preciso saber até onde o consumidor está disposto a pagar por esse produto. "O consumidor ainda está chegando muito devagar. Ainda é preciso muito trabalho para orientá-lo", diz Massimo Locatelli, da italiana Lavazza.
Eduardo Sampaio, da UTZ Certified, diz que os consumidores, inclusive os da Europa, já não estão tão dispostos a pagar por novos custos no café.
O produtor João Lopes Araújo, presente ao evento e com 36 anos no setor, reconhece a necessidade de melhorar a qualidade do café ao consumidor.
"Mas o programa cria custos. E o retorno disso? Somos um gigante na corda bamba [referência ao fato de o país ser o maior produtor mundial]."
Almir José da Silva Filho, presidente da Abic (associação que que reúne as indústrias e que promoveu o 17º Encafé na Bahia), diz que já está cansado de ouvir que "nós [indústrias] ficamos com os lucros e eles [produtores] com o esforço".
Segundo Silva Filho, indústria e produtores devem caminhar juntos e fazer parcerias.
O problema é ainda maior para as pequenas. A concentração de grandes grupos coloca-as em uma situação de "salve-se quem puder". Apesar desse cenário, as pequenas são as que têm as maiores oportunidades de aproveitar parte dos 1,52 milhão de pontos de venda de café no país, segundo Barrizzelli.